Tema da Hora: Bullying
Daniele Vuoto: 22 anos, gaúcha, cursando o terceiro semestre do curso de Pedagogia, na ULBRA (Canoas-RS) e mora em Porto Alegre.
Foi vítima de bullying por vários anos, em várias escolas. Sofreu
muito, mas deu a volta por cima. Hoje é expert no assunto e, por
sensibilidade e grandeza de espírito, ajuda muita gente que sofre o que
um dia ela sofreu. Criou o blog nomorebullying
e é um exemplo de força e superação. Por essas e outras, é também nossa
convidada especial desta edição. Leia o depoimento que ela nos enviou.
Meu nome é Daniele Vuoto, uma gaúcha que não teve
muita sorte na escola, mas deu a volta por cima! Minha vida escolar
começou razoavelmente bem, só não teve o final feliz que eu esperava.
Desde a pré-escola, quando via alguma coleguinha sendo motivo de risada,
eu ia lá e defendia. Não achava certo!
Desenho: Daniele Vuoto
Com o tempo, isso virou contra mim: por virar
amiga das vítimas, passei a ser uma. As desculpas utilizadas na época
eram coisas banais:eu ser muito branca, muito loira, as notas altas, e
mais tarde minha tendinite virou motivo de piada também. No começo, as
agressões vinham mais de outras turmas, e não muito da que eu estudava. O
clima passou a ficar pesado demais, e com 14 anos resolvi mudar de
escola.
Achava que a mudança seria um recomeço, e não
sofreria mais. Isso foi um grande engano. Aquela escola foi um pesadelo:
lá, eu era vista como assombração, as pessoas me tratavam como se fosse
uma aberração. Berravam quando me viam, empurravam, davam muita risada,
roubavam coisas, e o pior: alguns professores apoiavam as atitudes dos
meus colegas.
Troquei de escola no meio daquele ano. E dei
sorte! Fui para uma escola pequena, simples, mas muito boa! Mesmo
ficando sempre quieta, lá ninguém mexia comigo - pelo contrário, queriam
que eu participasse! Infelizmente aquela escola era só de ensino
fundamental.
No ano seguinte, fui para outra escola: a última escola que estudei.
Lá, fiz como sempre: via quem estava sozinho, e
fazia amizade. Mais do que nunca, eu era tida como a diferente. Tinha 15
anos, não usava roupas de marca, não ia festas, passei a ser muito
tímida, tirava notas altas. Para eles, aquilo não era considerado
normal. Mas consegui fazer duas amigas, e no ano seguinte fiz amizade
com mais duas meninas.
Logo, uma delas começou a dizer o quanto as outras falavam mal de mim.
Aquilo foi me incomodando muito, pois já era
humilhada todos os dias lá dentro. Não agüentei e abri o jogo: falei que
sabia que falavam mal de mim, mas não disse quem havia me contado. Assim, me acharam mentirosa, e se afastaram. Quem se afastou também,
para o meu espanto, foi justamente a garota que me contou essa história
toda. Ai caiu a ficha: ela queria me tirar do grupo, afinal, comigo elas
poderiam ser zoadas também.
Com isso me deprimi mais ainda. Ia caminhando até
a escola, e parei de olhar ao atravessar a rua. Para mim, morrer seria
lucro. Estava novamente sozinha numa escola enorme, tentando me refugiar
na biblioteca, e até lá sendo perseguida.
Passei a comer menos, a me cortar e ver tudo como
uma possível arma para acabar meu sofrimento. Nas férias de inverno, me
fechei mais ainda, não poderia voltar para escola nenhuma. Via meus
pais feito loucos me procurando uma escola nova, e piorava mais ainda
por isso. Foi ai que pedi para ir numa psicóloga, e ela contou aos meus
pais que, naquele estado, eu não teria condições de enfrentar uma nova
escola.
Comecei um tratamento com ela, e em seguida, com
um psiquiatra. No ano seguinte, conheci o Rafael, e com um pouco mais de
dois meses de namoro, numa recaída da depressão, a psicóloga resolveu
achar que eu era esquizofrênica, o psiquiatra, concordou, e com isso,
fui internada, levando tratamento de louca. A família não sabia o que se
passava, e eu também não tinha como contar. Era uma prisão. Nos dois
primeiros dias, não ganhei comida, porque a nutricionista tinha que
falar comigo primeiro. Tomava copos com em torno de 10 comprimidos 4
vezes ao dia. Quase mataram um interno de lá na minha frente. Só não o
fizeram, porque impedi. Sai após 11 dias de internação... depois de
incomodar muito para conseguir isso.
O Rafa, graças a Deus, nunca deixou de acreditar
em mim. Falando com ele, vi que se eu tentei me matar, muita vítima
também tentava, e muitas vezes, conseguia. Vendo também o que fizeram
com o outro interno do hospital, decidi que se pudesse evitar um
suicídio que fosse, daria tudo de mim pra isso. Comecei a pesquisar
sobre bullying - quando fui vítima, não sabia que tinha nome. Só achava
informações em sites internacionais, e ia traduzindo.
Ai resolvi criar um blog: No More Bullying ( http://nomorebullying.blig.ig.com.br ).
Foi a forma que encontrei para ajudar e alertar pais e professores.
Participei de matérias que divulgaram o endereço. Pude conversar com
muitas vítimas. É triste ver tantos casos acontecendo, mas ao menos
posso ajudar vítimas a mudar o modo de pensar, a serem mais felizes.
Na época em que fui vítima, a cada humilhação
pensava “devo ser estranha mesmo”. Hoje percebo o erro que é pensar
assim. É o que tento ensinar para as vítimas: que nunca acreditem no que
dizem de ruim, pois o agressor é muito inseguro, quer chamar atenção.
Sentem tanto medo quanto nós, só escondem melhor. Não é sua culpa, e por
mais duro que seja, avise seus pais. Se não conseguir, peça para
alguém... Não é vergonha ser vítima, e pedir ajuda é o diferencial entre
acabar com a vida mais cedo ou garantir um longo e belo futuro.
Psicólogos ajudam muito, e se com o primeiro profissional não der certo,
vá tentando até encontrar alguém que realmente anseie por seu
progresso!
Na escola, é importante observar, nos intervalos,
se tem mais alunos sozinhos, excluídos. Provavelmente são vítimas
também. Anote dia, data, hora da agressão, e se nada for feito - mesmo
depois da escola ser avisada - fazer a lei ser obedecida, encaminhando o
caso ao conselho tutelar.
Enquanto isso, você pode ir treinando sua
confiança novamente! Pensando diferente, como “olha o que ele tem que
fazer para se sentir o poderoso, tem que pisar em mim, só sendo muito
inseguro pra fazer isso. Eu sei o que tenho de bom, e não é por
insegurança dele que vou deixar de acreditar nisso”.
Hoje tenho 22 anos, e o Rafa virou meu noivo.
Terminei o ensino médio, e estou cursando Pedagogia na faculdade! Não
tomo mais remédios, nem faço tratamentos. A maior lição que tirei do que
aconteceu é que n ão podemos acreditar em tudo que dizem de nós, e sim
acreditar que as coisas podem mudar, e lutar pra isso! Afinal, enquanto
estamos vivos, ainda temos chance de mudar a nossa história.
Fonte: Jornal Jovem (CLIQUE AQUI)
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