Sônia Makaron
Psicanalista e diretora do Jornal Jovem
sonia@jornaljovem.com.br
O termo anglo-saxônico bullying
é utilizado para descrever atos de agressão física ou psicológica - de
caráter intencional, repetitivo e sem motivação aparente -, provocados
por uma ou mais pessoas contra um colega em desvantagem de poder, com o
objetivo de causar dor e humilhação. Insultos, exposição ao ridículo, difamação e agressões mais veladas, como rejeição e isolamento, são exemplos dessa prática. O bullying escolar tem sido muito estudado por ser o mais freqüente. Mas ele também pode acontecer dentro de casa ou no trabalho.
Como
muitas vezes as agressões são veladas, os jovens envolvidos, a escola e
os pais não sabem o que fazer. Aliás, uma das características do bullying é justamente a dificuldade em identificar sua prática e, a partir daí, tomar providências para interrompê-lo.
Existem vários níveis de agressão e, portanto, de bullying, alguns
quase inofensivos, outros extremamente virulentos. De qualquer forma, é
bom ter em mente que mesmo uma pequena agressão só deve ser considerada
inofensiva se o “agredido” a sentir como tal.
Quero aqui, refletir sobre o bullying na sua pior forma, aquela bem mais agressiva, mais contundente.
Foi só uma brincadeira!
É esse o mote preferido dos agressores. É usual o agressor justificar seus bullies
como brincadeira para, com isso, se defender contra possíveis punições
e/ou como estratégia para continuar executando suas malvadezas.
Conveniente salva-guarda e salvo-conduto dos praticantes de bullying.
Dissimulada afirmação e justificativa para os próprios atos.
Muitos professores, coordenadores, jovens e pais reagem a situações de bullying
escolar dizendo: - “Ele disse que foi só uma brincadeira! É comum nessa
idade”. Idéia vendida, idéia comprada. Assunto resolvido.
Boa
idéia é perguntar ao intimidado se ele se divertiu e se foi realmente
engraçado o que aconteceu com ele. Afinal, todos sabemos que brincadeira
só existe se nos faz rir, se desperta bons momentos.
Vamos combinar:
Ofensa não é brincadeira. Intimidação não é brincadeira. Mentir com intuito de “ferrar” alguém não é brincadeira. Porque o bullying
não é brincadeira. É um tipo de atentado à integridade psíquica,
física e social atingindo alguém que será considerado e tratado como uma
vítima. E deve se sentir assim. Vai perder todas. Não vai ter razão.
Vai ficar à espreita. Portanto, é vítima dos ataques do agressor e
vítima de si própria, pois se sente impotente para fazer frente ao
agressor e se colocar com integridade nas situações.
Justificar o bullying
como brincadeira traz também outro prejuízo: engano na interpretação
dos fatos e intenções. Perde quem faz isso. Desaprende ao supor que o
sofrimento causado deliberadamente a alguém é normal, é brincadeira. O
fato de ser “comum” e de acontecer, com freqüência, entre crianças e
adolescentes, transforma-se na seguinte avaliação: se é comum, se
acontece, então é assim mesmo, não tem o que fazer. Conforme-se.
Considerar o bullying como ofensa e maus-tratos acaba sendo um erro de avaliação, um exagero de quem assim pensa.
O bullying
cria um tipo de configuração nas relações que torna difícil o acesso ao
que realmente aconteceu, pois, geralmente, o intimidador não o faz sem
garantir que a “fachada” seja outra.
Ao
intimidar atua um lado sádico para exercer domínio e exercer poder
sobre o outro. É a forma que o agressor encontra para se sentir
desejável e invejável. Quer exercer poder manipulando palavras e pessoas e muitas vezes mentindo. Tenta
formar um pequeno exército que também deve se voltar contra a vítima.
Ao perceber-se capaz de acuar e anular alguém, sente-se poderoso e
triunfante.
Se o maior trunfo do bullying
é agir à espreita o melhor trunfo para combatê-lo é fazê-lo sair das
sombras. Como? Através do conhecimento, do reconhecimento que ele existe
e de regras para evitá-lo.
Conhecimento: Buscar e fornecer informações sobre essa prática: o que é, como se caracteriza, como evitá-la.
Reconhecimento: Reconhecer que ele existe e que há vítimas de ataques ofensivos. A indiferença estimula a prática do bullying.
Regras: Formular e implementar, principalmente na escola, regras de convivência levando em conta a existência do bullying que deve ser uma prática proibida e punida.
Quem
está do lado de fora não pode nem deve se omitir se quiser, de fato,
evitar ou acabar com esse drama dentro e fora das escolas. O assunto
deve ser levado a sério, só assim os intimidadores perceberão que não
podem agir ao bel-prazer.
A vítima
A vítima do bullying
sente-se isolada e desprotegida, visto que a maioria das pessoas que a
cerca não enxerga o que está acontecendo. Motivo: Elas se sentem
impotentes para modificar a situação, ou são coniventes ou tendem a
agregar-se com a maioria manipulada.
A vítima, nesse caso, é a que realmente podemos chamar de "bode expiatório". Sofre uma espécie de preconceito.
O
mecanismo básico que explica o preconceito é: discrimina-se alguém, que
se torna, então, o depositário das imperfeições que não admito ter.
Trocando em miúdos: atribuo defeitos, problemas, limitações e
imperfeições a um outro que não eu. Na psicanálise, isso se chama
mecanismo de projeção.
Cria-se,
então, um falso efeito no psiquismo do agressor e dos espectadores
(nesse caso, a omissão é cúmplice da agressão), de que eles não têm
imperfeições, de que são desprovidos de problemas, que são “ótimos” e
mais ainda, como efeito secundário, de que são poderosos por conseguirem
“abafar” uma vítima. Isso explica bastante o porquê do silêncio do
grupo, da passividade conveniente e da falta de solidariedade com a
vítima.
Portanto quem sofre bullying é três vezes vítima:
Do
agressor – que a ataca; de si própria – pois se sente impotente diante
da situação; do grupo – que a escolhe como bode expiatório. Então fica
assim: Eu -agressor e grupo espectador- sou ótimo, ela -a vítima- é que é
problemática, limitada, fracassada, coitada e por aí vai...
A
vítima, geralmente ingênua, não sabe se defender, ou sua ética pessoal
não permite que use as mesmas armas de ataque contra o agressor e faça o
mesmo jogo, ou então não consegue ter atitudes incisivas que dêem um
limite aos agressores. Muitas vezes, deixa-se derrotar pelos agressores.
Outras vezes, acaba acreditando que é mesmo tudo aquilo que o agressor e
seus aliados lhe imputam como características ou limitações.
Muitas
vezes, tudo começa com alguns centímetros de altura a mais ou menos, um
pouco de peso a mais ou a menos, uma pele rosada ou com espinhas,
inteligência e/ou beleza a mais ou a menos, timidez a mais e, com
certeza, auto-estima a menos por parte da vítima.
As
características das “vítimas”, que viraram motivo de gozação e ofensa,
são sempre atributos muito comuns e naturais. Mas nas mãos de um
agressor tudo muda: ele transforma uma limitação em deficiência,
transforma o infinitamente humano em aberração.
Claro
que esse triunfo, rigorosamente, não deveria ser considerado com tal,
visto que é um triunfo baseado em atos covardes, criando,
artificialmente, uma diferença de poder e de capacidade entre o agressor
e o agredido. Por que inverter o sentido clássico das palavras? Neste
caso, melhor chamar de triunfo da covardia.
Fonte: Jornal Jovem
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