terça-feira, 22 de maio de 2012

Bullying: Como enfrentá-lo? Por Sônia Makaron

Sônia Makaron
Psicanalista e diretora do Jornal Jovem
sonia@jornaljovem.com.br

O termo anglo-saxônico bullying é utilizado para descrever atos de agressão física ou psicológica - de caráter intencional, repetitivo e sem motivação aparente -, provocados por uma ou mais pessoas contra um colega em desvantagem de poder, com o objetivo de causar dor e humilhação. Insultos, exposição ao ridículo, difamação e agressões mais veladas, como rejeição e isolamento, são exemplos dessa prática. O bullying escolar tem sido muito estudado por ser o mais freqüente. Mas ele também pode acontecer dentro de casa ou no trabalho.

Como muitas vezes as agressões são veladas, os jovens envolvidos, a escola e os pais não sabem o que fazer. Aliás, uma das características do bullying é justamente a dificuldade em identificar sua prática e, a partir daí, tomar providências para interrompê-lo.

Existem vários níveis de agressão e, portanto, de bullying, alguns quase inofensivos, outros extremamente virulentos. De qualquer forma, é bom ter em mente que mesmo uma pequena agressão só deve ser considerada inofensiva se o “agredido” a sentir como tal.

Quero aqui, refletir sobre o bullying na sua pior forma, aquela bem mais agressiva, mais contundente.

Foi só uma brincadeira!

É esse o mote preferido dos agressores. É usual o agressor justificar seus bullies como brincadeira para, com isso, se defender contra possíveis punições e/ou como estratégia para continuar executando suas malvadezas. Conveniente salva-guarda e salvo-conduto dos praticantes de bullying. Dissimulada afirmação e justificativa para os próprios atos.

Muitos professores, coordenadores, jovens e pais reagem a situações de bullying escolar dizendo: - “Ele disse que foi só uma brincadeira! É comum nessa idade”. Idéia vendida, idéia comprada. Assunto resolvido.

Boa idéia é perguntar ao intimidado se ele se divertiu e se foi realmente engraçado o que aconteceu com ele. Afinal, todos sabemos que brincadeira só existe se nos faz rir, se desperta bons momentos.

Vamos combinar:

Ofensa não é brincadeira. Intimidação não é brincadeira. Mentir com intuito de “ferrar” alguém não é brincadeira. Porque o bullying não é brincadeira.  É um tipo de atentado à integridade psíquica, física e social atingindo alguém que será considerado e tratado como uma vítima. E deve se sentir assim. Vai perder todas. Não vai ter razão. Vai ficar à espreita. Portanto, é vítima dos ataques do agressor e vítima de si própria, pois se sente impotente para fazer frente ao agressor e se colocar com integridade nas situações.

Justificar o bullying como brincadeira traz também outro prejuízo: engano na interpretação dos fatos e intenções.  Perde quem faz isso. Desaprende ao supor que o sofrimento causado deliberadamente a alguém é normal, é brincadeira. O fato de ser “comum” e de acontecer, com freqüência, entre crianças e adolescentes, transforma-se na seguinte avaliação: se é comum, se acontece, então é assim mesmo, não tem o que fazer. Conforme-se. Considerar o bullying como ofensa e maus-tratos acaba sendo um erro de avaliação, um exagero de quem assim pensa.

O bullying cria um tipo de configuração nas relações que torna difícil o acesso ao que realmente aconteceu, pois, geralmente, o intimidador não o faz sem garantir que a “fachada” seja outra.
 
Ao intimidar atua um lado sádico para exercer domínio e exercer poder sobre o outro. É a forma que o agressor encontra para se sentir desejável e invejável. Quer exercer poder manipulando palavras e pessoas e muitas vezes mentindo. Tenta formar um pequeno exército que também deve se voltar  contra a vítima. Ao perceber-se capaz de acuar e anular alguém, sente-se poderoso e triunfante. 

Se  o maior trunfo do bullying é agir à espreita o melhor trunfo para combatê-lo é fazê-lo sair das sombras. Como? Através do conhecimento, do reconhecimento que ele existe e de regras para evitá-lo.

Conhecimento: Buscar e fornecer informações sobre essa prática: o que é, como se caracteriza, como evitá-la.

Reconhecimento: Reconhecer que ele existe e que há vítimas de ataques ofensivos. A indiferença estimula a prática do bullying.

Regras: Formular e implementar, principalmente na escola, regras de convivência levando em conta a existência do bullying que deve ser uma prática proibida e punida.

Quem está do lado de fora não pode nem deve se omitir se quiser, de fato, evitar ou acabar com esse drama dentro e fora das escolas. O assunto deve ser levado a sério, só assim os intimidadores perceberão que não podem agir ao bel-prazer.

A vítima

A vítima do bullying sente-se isolada e desprotegida, visto que a maioria das pessoas que a cerca não enxerga o que está acontecendo. Motivo: Elas se sentem impotentes para modificar a situação, ou são coniventes ou tendem a agregar-se com a maioria manipulada.

A vítima, nesse caso, é a que realmente podemos chamar de "bode expiatório". Sofre uma espécie de preconceito. 

O mecanismo básico que explica o preconceito é: discrimina-se alguém, que se torna, então, o depositário das imperfeições que não admito ter. Trocando em miúdos: atribuo defeitos, problemas, limitações e imperfeições a um outro que não eu. Na psicanálise, isso se chama mecanismo de projeção. 

Cria-se, então, um falso efeito no psiquismo do agressor e dos espectadores (nesse caso, a omissão é cúmplice da agressão), de que eles não têm imperfeições, de que são desprovidos de problemas, que são “ótimos” e mais ainda, como efeito secundário, de que são poderosos por conseguirem “abafar” uma vítima. Isso explica bastante o porquê do silêncio do grupo, da passividade conveniente e da falta de solidariedade com a vítima.

Portanto quem sofre bullying é três vezes vítima:

Do agressor – que a ataca; de si própria – pois se sente impotente diante da situação; do grupo – que a escolhe como bode expiatório. Então fica assim: Eu -agressor e grupo espectador- sou ótimo, ela -a vítima- é que é problemática, limitada, fracassada, coitada e por aí vai...

A vítima, geralmente ingênua, não sabe se defender, ou sua ética pessoal não permite que use as mesmas armas de ataque contra o agressor e faça o mesmo jogo, ou então não consegue ter atitudes incisivas que dêem um limite aos agressores. Muitas vezes, deixa-se derrotar pelos agressores. Outras vezes, acaba acreditando que é mesmo tudo aquilo que o agressor e seus aliados lhe imputam como características ou limitações.

Muitas vezes, tudo começa com alguns centímetros de altura a mais ou menos, um pouco de peso a mais ou a menos, uma pele rosada ou com espinhas, inteligência e/ou beleza a mais ou a menos, timidez a mais e, com certeza, auto-estima a menos por parte da vítima.

As características das “vítimas”, que viraram motivo de gozação e ofensa, são sempre atributos muito comuns e naturais. Mas nas mãos de um agressor tudo muda: ele transforma uma limitação em deficiência, transforma o infinitamente humano em aberração. 

Claro que esse triunfo, rigorosamente, não deveria ser considerado com tal, visto que é um triunfo baseado em atos covardes, criando, artificialmente, uma diferença de poder e de capacidade entre o agressor e o agredido. Por que inverter o sentido clássico das palavras? Neste caso, melhor chamar de triunfo da covardia.

Fonte: Jornal Jovem

Nenhum comentário:

Postar um comentário