quarta-feira, 15 de maio de 2013

Quinze dias após esfaqueamento, escola tenta superar trauma de bullying


Segundo investigações, menina que atacou colega era vítima de racismo
Do R7*
faca
Aluna que estudava há três meses na escola atacou colega por ser chamada de recalcada, negra e nordestina



Superar um trauma é o atual desafio da Escola Estadual Farid Eid, em Ribeirão Pires, na Grande São Paulo, a 35 km da capital paulista. No último dia 30, uma adolescente de 17 anos usou uma faca para atacar um colega, da mesma idade, dentro da instituição. Segundo o delegado Sergio Francisco dos Santos, que acompanha o caso, a garota era alvo de ofensas, por parte do garoto, por ser negra e nordestina.

Ambos trocavam ameaças havia pelo menos 15 dias. De acordo com o coordenador de sistema de proteção escolar da Secretaria Estadual da Educação, Felippe Angeli, a direção da escola só teve conhecimento da briga após um desentendimento entre os dois, uma semana antes da ocorrência.
Dois dias após a confusão entre os dois alunos (o feriado de 1º de maio interrompeu as aulas), a escola deu início a uma série de atividades para começar a trabalhar as possibilidades de um trauma.

Maria Claudimira, diretora da Farid Eid, conta que, logo no primeiro período da quinta-feira (2), já estava em reunião com mães do ensino médio, onde estudavam os dois adolescentes, e também do ensino fundamental.

No encontro, ela reafirmou a proposta da escola de retomar projetos que expliquem e trabalhem preventivamente o bullying, envolvendo não apenas alunos, familiares e professores, mas também toda a comunidade.
— O que teríamos de ter era um olhar um pouco mais amplo para esse tipo de problema, porque a gente trabalhava, mas talvez não tenha sido suficiente.
Segundo explica Maria, as atividades anteriores envolviam grupos de discussão entre os alunos e a exposição de trabalhos, nos corredores da escola, sobre o tema. Agora, após a ocorrência, a diretora explica que a ação será mais intensa: no próximo dia 25, já está agendada uma conversa entre pais e uma psicóloga da cidade para tratar do assunto.
Já com os alunos, um dos tópicos a serem tratados vai levar em consideração a questão das diferenças entre as culturas de cada região e o que vem agregada a ela, como sotaque, vocabulário e comportamento.
— Vamos fazer uma pesquisa com os alunos para que eles identifiquem o grau da agressividade [nas famílias e onde vivem]. Por meio de perguntas, vamos saber como está agressividade do aluno em relação ao cotidiano dele.
A diretora avalia como normal o clima que sucedeu, na escola, o ocorrido no último dia 30.  A briga na escola aconteceu na terça-feira. Após ter sido empurrada duas vezes pelo garoto, a menina tirou uma faca, de aproximadamente 12 cm de dentro da meia, e atacou o colega. Ele foi socorrido pelo helicóptero Águia 15 da Polícia Militar e levado ao pronto socorro do Hospital Santa Marcelina. 
— Vou usar o termo normal. Eles [alunos] estão compreendendo que precisam rever algumas atitudes. Precisamos refletir. Temos de aprender com o que aconteceu. Temos de procurar repensar nossas atitudes e nossos valores.
Um dia depois da ocorrência, Maria esteve com Marli Nascimento, de 37 anos, mãe da adolescente que esfaqueou o colega. A menina foi encaminhada para uma unidade feminina da Fundação Casa. Empregada doméstica, Marli disse que a filha nunca foi de briga.
A diretora conversou também com a família do jovem agredido. Segundo Maria, o pai não foi agressivo. O menino permanecia internado em um hospital em Ribeirão Pires e a escola já planejava uma visita ao garoto.
— O pai dele agradeceu o contato por telefone, pediu oração. Não foi agressivo.
Com relação aos outros pais, a diretora garante que não houve nenhuma reação agressiva quanto ao que aconteceu. Se ficou o susto, por outro lado, Maria informa não ter percebido qualquer intenção de estabelecer a escola como culpada.
— Não senti agressividade. Eles ficaram assustados.  Grande parte do bairro é constituído de pessoas que vieram de outros estados. Houve mãe que na reunião disse que também sofreu preconceito [...]Tenho os pais ao meu favor. Aqueles que se colocaram na reunião não se colocaram contra a direção da escola. E se colocaram à disposição pra ajudar.
Maria informa também que a escola não vai estabelecer nenhum tipo de julgamento nem ao menino nem à adolescente que feriu o colega.
— Queremos bater na tecla que as pessoas devem repensar suas atitudes.
Diagnóstico
Para a Miriam Abramovay, doutora em Educação da Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais, é necessário que a escola  faça um diagnóstico para entender o que  acontece no ambiente escolar que levou a uma ocorrência dessa gravidade. Especialista em violência escolar, Miriam lembra que o momento atual é de banalização da violência, mas que uma ação física como uma facada extrapola está além do imaginado.
— Em curto prazo, essa escola precisa entender o que esta acontecendo com ela para acontecer algo gravíssimo como este. Você pode pensar no nível de violência anterior que esta menina chegou, de zombaria, de falta de consideração, que ela levou uma faca para matar, ou pelo menos para machucar. Porque se sentia humilhada, rejeitada. Essa é uma total descrença no que é educação. Porque ela teve uma atitude solitária. Não conversou com nenhum adulto na escola. Em geral em uma situação de muito conflito, os alunos falam com seus pares primeiramente, depois falam com os pais.
Miriam entende ainda que a relação família-escola necessita de ser reavaliada. Ao ter acesso gratuito à instituição de ensino, a doutora avalia que muitos pais passam a entender a educação como uma dádiva, e não como uma obrigação. E isso acaba por retirar a possibilidade de reivindicação por parte da família do aluno.
— Tudo o que acontece na escola é muito aceito pela família. Veja como é a relação escola-família: uma vez em cada semestre os pais são chamados para pegar o boletim dos alunos e depois são chamados quando há uma reclamação. Então os pais não estão acostumados a ter uma intervenção nas escolas, reivindicar algo da escola.
Para ela, é obrigação da escola acompanhar a relação entre os alunos. E lembrou que normalmente, uma escola sabe, por exemplo, sua qualificação no Ideb, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, criado em 2007 pelo MEC (Ministério da Educação), mas não necessariamente conhece como se dão as relações sociais nas escolas.
*Colaborou Jéssica Rodrigues, estagiária do R7

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