domingo, 30 de abril de 2017

O triunfo dos imbecis

CORREIO 24 HORAS

Victor Uchôa (vufirmo@gmail.com)

Como se sabe, estamos bem no meio de uma overdose de Ba-Vis, com quatro clássicos em pouco mais de uma semana. Em que pese a mediocridade técnica dos nossos clubes, eu bem queria estar agora escrevendo sobre a resenha saudável nas ruas, as chacotas no serviço, o “bullying desportivo” nas escolas e a colorida festa das torcidas. Acontece que não posso fazê-lo.
Como falar de resenha saudável se o que venceu foi a selvageria? Tem o mesmo gosto fazer chacota no serviço se a idiotice nos acorrenta ao isolamento? Dá pra defender um lúdico “bullying desportivo” se os homens que tomam decisões são submissos à brutalidade? É possível, por fim, enaltecer a festa das torcidas, assim, no plural, quando os Ba-Vis estão condenados a ter torcida única, assim, no singular? Não, não dá.
Sei que sou repetitivo, caro leitor ou bela leitora, por isso peço perdão a você que mantém o inexplicável hábito de passar por aqui toda semana. Estou ciente de que já tratei desta anomalia há 15 dias, mas é que agora, até que surja uma decisão em contrário, os imbecis venceram – com aval dos incompetentes.
Na Bahia, estamos todos cansados de saber quem promove as brigas entre supostos torcedores. Enfatizo o termo “supostos” porque esses idiotas, obviamente, não são torcedores de time nenhum, a não ser do próprio bando deles. Volta e meia, um bandido desses é levado para o xadrez, mas, em dois tempos, já está livre pelas ruas, apto para ir ao estádio e sedento por uma nova confusão. Roteiro previsível.
Na Argentina, a torcida única foi implantada em 2013, com o detalhe de que a regra se aplica a todas as partidas, não somente aos clássicos. Em 2015, morei por uns meses em Buenos Aires e fui a jogos na Bombonera, em Núñez e no Cilindro de Avellaneda. Quase todas as vezes, houve brigas perto do estádio.  
Lá, como cá, os incompetentes são incapazes de afastar das partidas os criminosos que usam o futebol como desculpa para cometer crimes, então resolvem punir toda a maioria de torcedores autênticos. É o triunfo da estupidez.
Um levantamento feito pelo site argentino Salvemos al Fútbol detalha todas as mortes ligadas ao futebol local desde 1922. Em quase cem anos, são 317 mortes. Nessa soma, 40 óbitos ocorreram de 2013 pra cá, já com a torcida única implantada.
Lá, como cá, mesmo com torcida única, os imbecis seguem brigando no entorno dos estádios antes ou depois das partidas, marcam embates pela internet e armam emboscadas para os rivais em qualquer canto das cidades, isso quando não brigam entre si nas arquibancadas, por uma disputa de facções, grupos, comandos ou qualquer outro vulgo que deem as suas quadrilhas.
É de se elogiar que Bahia e Vitória tenham se manifestado contra tal bestialidade. Agora, os clubes devem seguir firmes na batalha para derrubar esta determinação. Torço até  para que esta coluna já saia defasada.
Como ando me repetindo mesmo, peço licença para concluir este texto com a mesma ideia de uma coluna de 2015, enviada de Buenos Aires. Valia para a Argentina, vale para a Bahia: se a regra da torcida única vigorar por muitos anos, uma geração inteira de crianças baianas vai crescer sem jamais ver um torcedor do time rival no estádio, o que impacta até mesmo na percepção do que é conviver com (e respeitar) as diferenças. Aceitar a diversidade, seja ela qual for, é (ou deveria ser) um fator básico para a vida em sociedade. Estamos no caminho oposto. 
Em qualquer canto do mundo, imbecis e incompetentes se merecem. Nós temos que aturá-los, mas nossas crianças merecem coisa melhor.
Victor Uchôa é jornalista e escreve aos sábados.

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