O depoimento de uma garota que enfrentou os mesmos problemas de Hannah Baker e justamente por isso não gostou do seriado.
Por Lina**
Escrevo aqui como uma jovem que poderia ser Hannah Baker, que enfrenta problemas psicológicos e traumas, que vê outros jovens na mesma situação, que conhece por experiência própria temas como abuso sexual, bullying, transtornos psiquiátricos e tentativa de suicídio. Por isso, defendo muito que se converse sobre essas questões. Mas é preciso ter responsabilidade ao falar sobre isso, principalmente na mídia, que tem um grande alcance e nos influencia antes mesmo de percebemos. E é isso que faltou em 13 Reasons Why: olhar para a público, ter sensibilidade.
Há pelo menos dois erros fundamentais no seriado. O primeiro é que a série praticamente não fala da parte psiquiátrica, que é a causa de mais de 90% dos suicídios, de acordo com a Organização Mundial de Saúde. Ao esquecer essa questão, a série se encaminha para o segundo grande erro: se a patologia psíquica não é explorada, fica a mensagem de que o suicídio é o destino natural de quem sofre bullying e/ou abuso sexual. Vale lembrar que, ao assistir ao seriado, milhares de garotas revivem seus traumas e validam a ideia de que o único jeito de acabar com eles é acabar com a vida. E não é essa a mensagem que precisamos ouvir. Há ainda um terceiro problema: alguns dos personagens são consumidos pela culpa, enlouquecem, ficam traumatizados – mas a maior parte deles, e justo a parte que mais sofre, não tem participação ativa nas grandes causas do sofrimento da protagonista. Sim, eles cometeram erros, mas não têm sangue nas mãos.
Não dá pra negar que 13 Reasons Why é chocante, mas chocar por chocar não leva a nada. O que importa é o discurso. Nesse caso, porém, a série reforça certos conceitos ruins em torno do suicídio, como o de que ele é um ato de vingança contra o mundo ou um protesto, e de que podemos responsabilizar as pessoas pelos transtornos alheios, ignorando que o real motivador é uma questão neuro-psiquiátrica, abrindo um tribunal para julgar quem direta ou indiretamente é culpado por esse fim.
Para alguém que passou por problemas parecidos com os de Hannah, é desesperador saber que as pessoas que convivem com você acham que têm responsabilidade sobre sua doença – principalmente, quando elas não têm. O bullying pode traumatizar e esse estresse pós-traumático potencializa a angústia, mas a questão do suicídio vai muito além. Às vezes, pode-se fazer de tudo e não adiantar nada. E é cruel incentivar a busca por culpados.
Pense como uma pessoa que não consegue lidar com as dificuldades, porque sua cabeça já não consegue processá-las e supera-las. Imagine a dor que é saber que sua mãe, seus amigos, aqueles que convivem com você sentem-se responsáveis e insuficientes. Coloque-se no lugar de uma pessoa que vê que a amiga está brincando de roleta-russa com a própria vida. Tente sentir o pânico de não saber o que fazer, porque não há manual, porque você não precisa aguentar, porque não se pode simplesmente salvar as pessoas. Continuando no jogo da empatia, pense como alguém que todo dia enfrenta traumas pesados, que todo dia carrega o peso de uma pele cheia de cicatrizes, uma pessoa frágil, perdida, desesperada, morrendo de medo, pode ter se sentindo vendo a série. Foi como me senti.
A nossa mente assimila mídias automaticamente, internalizando o discurso passado. Então, é urgente pensar na repercussão para pessoas que vivem na situação retratada. Quando não há esse cuidado nem essa sensibilidade, é reforçada a ideia de que o suicídio é a única opção, que é a única forma de calar o sofrimento. Ideia equivocada! É possível, sim, sobreviver. É possível, sim, aprender a lidar e a superar o sofrimento, mesmo quando isso parece difícil demais. É nisso que devemos focar. Há tratamento, há chances, há um futuro. Para Hannah Baker e para todas nós. O primeiro passo é falar sobre, pedir ajuda. Eu sei que dá muito medo e parece que algo nos paralisa, mas é assim que se começa uma superação. Com esse ato de coragem, começa-se a andar na direção contraria às angústias, e sempre há uma estrada pela frente.
Faltou tudo isso em 13 Reasons Why... Faltou olhar para as Hannahs da vida real que assistiriam à Hannah da ficção. Faltou olhar para mim.
**Este depoimento foi escrito por uma garota que enfrentou os mesmos problemas que Hannah Baker enfrenta no seriado e sobreviveu, apesar de tentar o suicídio. Esta é a opinião dela sobre 13 Reason Why.
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