Jornais não publicam o conjunto de reivindicações dos docentes, que criticam decreto por afastar professores sem processo prévio
Stephanie Kim Abe
do Vozes da Educação
Em agosto deste ano, o presidente Evo Morales promulgou o Decreto
Supremo 1302 de Erradicação da Violência nas Escolas, que prevê punições
para casos de abusos, maus-tratos, assédio e violência sexual contra
crianças e jovens nas escolas de todo o país. A anulação dessa lei era
um dos pontos reivindicados pelos professores rurais de La Paz, já que a
denúncia bastaria para afastar os docentes acusados, sem processo
prévio. Os professores fizeram protestos no começo de outubro,
bloqueando a principal via de acesso entre La Paz e El Alto.
Ainda que a notícia do protesto estivesse presente em três dos principais jornais bolivianos (La Razón, El Diario e La Prensa), os veículos abordaram e aprofundaram essas questões de forma diferente – como constatou a análise do Vozes da Educação das reportagens desses jornais veiculadas entre os dias 25 de setembro e 8 de outubro de 2012. Apenas um deles, o El Diario,
explicou que o motivo das críticas dos professores ao Decreto é o fato
de este permitir afastamento dos docentes denunciados sem processo
prévio.
Além da falta de informações, as reportagens também carecem de
análise e opiniões de pesquisadores, tanto sobre o Decreto em si quanto
sobre o tema da violência escolar. Também poderiam ser escutadas fontes
do sistema de Justiça, como promotores e defensores públicos.
Falta de continuidade
A notícia sobre o protesto, publicada no dia 5 de outubro, recebeu tratamento diferente em cada jornal: o El Diario publica uma manchete que enfatiza a consequência do protesto para os cidadãos; o La Prensa escolhe um título que evidencia a reivindicação de aposentadoria de 100% e o La Razón chama atenção para o próprio bloqueio e a intervenção da polícia.
O La Prensa é o único que já traz, na primeira reportagem,
os cinco pontos de reivindicação dos professores para o Ministério da
Educação: que a aposentadoria seja equivalente ao último salário
em atividade, cumprimento do acordo sobre incremento de salário pelas
horas extras trabalhadas, abolição do Decreto Supremo 1302, entrega dos
laptops aos professores da rede pública e regulamentação da Lei
Educativa Avelino Siñani-Elizardo Pérez. Os outros dois jornais apenas
citam um ou outro ponto.
Embora seja o único a apresentar o conjunto de reivindicações, o La Prensa não problematiza nem acompanha a negociação desses pontos, fazendo apenas uma cobertura pontual do evento. Nesse quesito, o La Razón se sobressai, cobrindo o desenrolar das reivindicações dos docentes: nos dias posteriores, publicam matérias que noticiam a realização das provas de ascensão e da retomada da entrega dos computadores para os professores de La Paz e Santa Cruz – notícias essas que não foram veiculadas nos outros dois jornais.
Sobre os computadores, é interessante notar que há uma
contextualização de todo o processo de entrega, desde 2006, quando o
governo doou computadores às escolas, e indicando os motivos e etapas da
entrega dos equipamentos aos professores públicos. O jornal fornece
ainda dados como o investimento do governo no programa e o número de
docentes que já receberam e devem receber os computadores, além de
dedicar um parágrafo para listar as características técnicas dos laptops
– o que permite ao leitor avaliar a qualidade do equipamento fornecido
aos professores.
Em relação às fontes, todos eles reproduzem falas do Ministro da
Educação Roberto Aguillar e o ponto de vista do dirigente da
Confederação Departamental dos Professores Rurais de La Paz Efraín
Ajllahuanca. Os jornais La Prensa e El Diario citam
também o vice-ministro do Interior sobre os três professores que foram
presos acusados de terem utilizado pedras e explosivos durante a
manifestação.
Decreto 1302
A mesma situação acontece em relação às notícias que tratam do Decreto Supremo 1302. O jornal La Razón trata dessa questão através do caso de um professor acusado de abuso sexual que foi descoberto dando aulas em três colégios da região de El Alto. A história não saiu em nenhum dos outros dois veículos.
A notícia é usada como mote e o Decreto 1302 é explicado ao final da
matéria. Segundo o jornal, desde a promulgação, em 5 de agosto de 2012,
dois professores já foram suspensos por acusações formais de estupro e
foram feitas nove denúncias de agressões sexuais A lei prevê a suspensão
sem remuneração de diretores, professores e pessoal administrativo
acusados de cometer esses crimes.
Fonte: Vozes da Educação
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