sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Cyberbullying: A Propósito do Caso Amanda Todd


Por Tito de Morais (*)


O caso recente da jovem adolescente canadiana de 15 anos que se suicidou e deixou um vídeo no YouTube relatando os 3 anos de tormenta por que passou como vítima de bullying e cyberbullying, despertou globalmente o debate sobre o tema. A convite do TeK, deixo aqui a minha opinião com algumas reflexões sobre o assunto.

O caso foi largamente noticiado na generalidade dos meios de comunicação social nacionais e internacionais. Todavia, a maioria das vezes, as notícias resumiam-se ao caso em si, pecando pela falta de enquadramento e de informação em termos de promoção da prevenção. A partir daí, todas as generalizações se tornam possíveis, o que contribui para um clima de pânico ou paranóia.

tito de morais
Um Caso Extremo
Neste contexto, parece-me importante sublinhar que, apesar de avassalador, este é um caso limite. Não é o primeiro, mas infelizmente também não será o último. E os casos limites não correspondem à maioria, isto é, o cyberbullying não pode ser tomado como sinónimo de bullycídio. Felizmente, a esmagadora maioria dos casos de bullying e cyberbullying não resultam em suicídio.

O cyberbullying é algo de grave, que deixa marcas nas vítimas, mas felizmente, a maioria das vítimas sobrevive e raramente se mata. No entanto, convém não cairmos no outro extremo, isto é, não devemos subestimar o cyberbullying como risco que pode resultar em danos limites, como no caso de Amanda.

Em Portugal, não há notícia de nenhum caso de cyberbullying com desfecho semelhante, mas o facto é que, só nos Estados Unidos, em 2010 registaram-se 34 casos de crianças e jovens em que o bullying foi apontado como o principal problema que pôs termo às suas vidas. Destas, 33 cometeram suicídio. O outro caso refere-se a um jovem que foi morto a tiro ao tentar libertar o irmão de dois agressores que o sovavam.

Outros Fatores

O cyberbullying surge nas notícias várias vezes associado ao suicídio de adolescentes, como foi agora o caso. No entanto, o cyberbullying é uma realidade mais complexa. Como já se suspeitava e foi recentemente confirmado por um estudo publicado após a notícia deste caso, a maioria dos adolescentes vítimas de suicídio são vítimas de cyberbullying, bullying presencial, e muitas também sofrem de depressão.

Da informação disponível, o caso de Amanda parece corresponder a este perfil e a conjugação destes três fatores poderá servir de sinal de alerta para pais e educadores. No entanto, importa também sublinhar que outros estudos indicam que a ciber vitimização está associada a um aumento da depressão, ideação suicidária e tentativas de suicídio.

A Realidade Portuguesa

Em 2003, quando fundei o Projecto MiudosSegurosNa.Net e comecei a escrever sobre a segurança online de crianças e jovens em geral, e sobre o cyberbullying em particular, não existia investigação nacional sobre o tema e mesmo os especialistas nacionais em bullying e violência em contexto escolar ignoravam ou desconheciam o fenómeno.

Hoje, felizmente, a realidade é substancialmente diferente. E se há coisa que aprendi ao longo destes anos é que não podemos pegar num caso e extrapolar essa situação para outros contextos.

Sobre este aspeto parece-me importante sublinhar que o caso teve lugar no Canadá e não em Portugal. E o que a investigação indica é que a realidade Portuguesa é substancialmente diferente da de países anglo-saxónicos como o Canadá, Estados Unidos, Reino Unido e Austrália e até mesmo da realidade europeia.

A este nível, apesar da investigação conduzida pelo projeto EU Kids Online revelar, na sua primeira edição (2006-2009), que a nível europeu o cyberbullying era o 4º maior risco identificado, na sua segunda edição (2009-2011), revela que Portugal é o país europeu (dos 25 analisados) com menor incidência de bullying online entre os jovens dos 9 aos 16 anos de idade.

Bullying Mais Prevalente Que Cyberbullying

Importante é também desfazer alguma ideia que possa existir de que o cyberbullying tem crescido exponencialmente, transformando-se num problema maior que o bullying presencial. Conforme o Tek noticiou recentemente e muitos outros estudos têm reforçado, esta é uma ideia exagerada. O mesmo acontece em Portugal.

Segundo o estudo EU Kids Online acima referido, embora 9% das crianças e jovens inquiridos afirmem ser vítimas de bullying (presencial), apenas 2% dizem tê-lo sido através da Internet. Perante estes números, é importante sublinhar que o cyberbullying é decididamente um problema, mas não é, de forma alguma, a "epidemia" que por vezes se poderá julgar a partir das notícias. Felizmente, a esmagadora maioria das crianças e jovens, não são vítimas de cyberbullying.

Julgar os Outros é Fácil

Perante as notícias de casos como o de Amanda, as pessoas indignam-se e revoltam-se o que é compreensível. E neste contexto emocional, é fácil julgar os pais, criticar a escola e os amigos. No entanto, é importante não nos precipitarmos em julgamentos. Não dispomos dos factos todos. Relativamente aos pais, aparentemente divorciados, não me parece que estivessem alheados da situação. Afinal, a jovem mudou de escola diversas vezes e teve acompanhamento clínico.

Não tenho informação de que tenham tido conhecimento antecipado do vídeo e mesmo que tivessem, acredito que, acompanhando o caso, não tivessem antecipado o desfecho. Mas não dispomos de toda a informação.

Relativamente às escolas que a Amanda frequentou, não dispomos de informação se souberam do problema e como lidaram com ele. O mesmo relativamente aos amigos. Mas de uma coisa tenho a certeza. Se há alguém que deve ser censurado, é (são) o(s) agressor(es) e aqueles que, tendo testemunhado, nada fizeram, ou pelo contrário, se aliaram a quem a agredia.

A terminar, os aspetos acima referidos sublinham a importância da intervenção junto, não só das vítimas, mas também de agressores, observadores, crianças e jovens em geral, pais, professores e escolas, sublinhando também a importância da disseminação de abordagens regulamentares, educacionais, parentais e tecnológicas. Mas estas mereciam outros tantos artigos.

(*) Fundador do Projecto MiudosSegurosNa.Net


Fonte: TEK

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