Por Paula Torres de Carvalho
Telmo Baptista defende que crianças têm direito a falhar e a aprender com o erro (Foto: Enric Vives-Rubio)
Há muito que os psicólogos lutavam por uma Ordem. Telmo Baptista é o primeiro bastonário e está disposto a arrumar a casa. Quer criar especialidades e definir bem o que cada psicólogo deve fazer. Não basta ter um curso, diz.
Cerca de 1800 psicólogos reúnem-se, de hoje a
sábado, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, no primeiro congresso da
Ordem, que tem inscritos 18 mil profissionais.
O que mais o preocupa como bastonário dos Psicólogos?
A primeira preocupação é dar a conhecer o que os psicólogos fazem em prol do bem-estar das pessoas nas diferentes áreas. Aliás, estamos a preparar campanhas nesse sentido. Como ajudamos nos diferentes problemas que surgem na escola? Nas transições escolares, no bullying, no abandono, nas alterações de comportamento. O que fazemos na clínica, na ansiedade, na depressão, no stress, no suicídio. E nas empresas, no recrutamento, na selecção, na carreira, na transição harmoniosa entre carreiras, no assumir de reformas, na promoção da liderança; na justiça, na produção de relatórios, na reinserção. E ainda na área emergente do desporto, na optimização de rendimento das equipas de trabalho, a chamada psicologia da alta performance. Há muitas áreas, o que torna difícil a nossa tarefa. Temos de nos relacionar com muitos ministérios.
Apesar de existirem áreas tão diversas, a tendência generalizada é para resumir a psicologia à clínica.
A representação típica continua a ser a da clínica. Em Portugal e em muitos outros países porque o número de praticantes da clínica é muito maior. Cerca de 50 a 60% dos membros são de clínica.
Já não basta ser licenciado para exercer psicologia, é obrigatório estar inscrito na Ordem. Colocam-se os mesmos problemas que se têm verificado com a advocacia com os exames de acesso à profissão?
No caso da psicologia isso não se põe, porque a entrada na Ordem é sempre feita com cinco anos de base. A designação de licenciado nunca permite às pessoas inscreverem-se, são necessários dois ciclos de estudos em Psicologia e um ano de estágio profissional. É obrigatório e pensamos que é um ganho enorme na medida em que introduz as pessoas no mundo do trabalho de uma forma diferente, acompanhados por um psicólogo sénior e permite ao jovem psicólogo perceber dimensões práticas e aprender o código de ética, o que é muito importante. Um psicólogo deve ter uma atitude proactiva e esteja onde estiver deve estar atento para ver o que pode fazer. Há um consenso europeu que diz que a formação dos psicólogos deve ser assim.
Que outras prioridades tem?
Há que fazer trabalho de influência sobre os decisores políticos aos vários níveis, geralmente junto dos ministérios. Para conseguir ter uma cobertura em termos psicológicos em Portugal que seja muito melhor do que a que existe. Na área dos cuidados de saúde primários, por exemplo, há 221 psicólogos para mais de 400 centros de saúde. É muito pouco.
Porque é que isso acontece?
Continua a achar-se que a saúde mental é um luxo. Já produzimos um relatório para o ministro da Saúde que mostra o que se fez e faz em todo o mundo, por exemplo em Inglaterra, na área da saúde em termos da psicologia. A professora inglesa Gillian Hardy vem ao congresso precisamente falar disso.
As consultas de psicologia continuam a ser um luxo para muita gente, visto que não são comparticipadas.
A psicologia era quase sempre um factor de exclusão em todos os seguros de saúde. Estamos a negociar para que os seguros comparticipem as consultas de psicologia.
E como vê o facto de as consultas de psiquiatria serem comparticipadas e as de psicologia não? Há uma má compreensão do papel do psicólogo? Uma discriminação?
A psiquiatria como ramo da medicina tem outras garantias. A psicologia teve de fazer este percurso em todo o mundo, teve de demonstrar que tinha alternativas variáveis em complementaridade, teve de se impôr.
Em Portugal já se impôs?
Não.
O que falta?
Dizer o que fazemos, convencer os decisores com dados reais que temos contributos para dar. Como por exemplo, nas escolas...
Com os problemas que temos hoje nas escolas devíamos ter muito mais gente a trabalhar. Nos programas de transição de ciclos, por exemplo. Os miúdos têm problemas de adaptação sérios na transição de ciclos pela natureza dos estudos, pelos parceiros, pelos professores... Nós temos um nível de abandono escolar gigantesco, um dos maiores da OCDE, e o factor psicológico tem um papel muito importante. A intervenção do psicólogo permite que muitas dificuldades se esbatam com actividades para perceber o que está a acontecer e deixá-los organizar e facilitar todos os processos de adaptação. São coisas que não têm custos elevados e consegue-se que as pessoas permaneçam no sistema e no estudo.
E na saúde?
É preocupante o nível de perturbação mental que existe em Portugal. O nível de ansiedade, de depressão, de stress e agora crescentemente de suicídio. Isso devia preocupar-nos muito. E nós temos meios (profissionais) para dar conta a isso.
Que contributos podem dar os psicólogos que trabalham no sector empresarial?
Devíamos criar, em Portugal, mais líderes a todos os níveis. A liderança é importante para o país. Temos algum défice no que respeita a organizar e liderar processos.
Quando diz líderes, está a pensar em élites?
Não, pode ser um líder numa pastelaria, numa associação...
Diz isso porque acha que há uma grande desorganização na sociedade portuguesa?
Há uma crescente desesperança
E um líder responde à desesperança?
Responde, motivando as pessoas, mostrando caminhos e o que se pode fazer na prática. Quando falo em liderança, não estou a falar de líderes políticos. Acho que os países desenvolvidos têm líderes a todos os níveis. Nos bairros, nas associações desportivas...
Quem diz líderes, diz pais e heróis?
Não, não diz isso. Como eu entendo, é o líder que tem competências para organizar, para mobilizar as pessoas para um conjunto de objectivos. Não no sentido paternalista, esse é um tipo de liderança a que talvez nos habituámos ao longo da nossa história portuguesa mas há lideranças democráticas, partilhadas que sabem e utilizam os conhecimentos do grupo para os objectivos. É disso de que estou a falar.
E é nisso que o psicólogo pode ajudar?
Sem dúvida. A desenvolver competências para a liderança, de organização e de comunicação, um papel centralíssimo. Os nossos líderes em geral têm um défice de comunicação gigantesco. Acho que devíamos fazer isso desde cedo. Sou um grande defensor de que a escola devia ajudar a desenvolver uma espécie de aprendizagens invisíveis mas que são muito importantes para a nossa vida. Sobretudo aprendizagens que têm a ver com a capacidade de comunicar com os outros do ponto de vista das próprias emoções, aquilo a que se chama inteligência emocional. As pessoas que são bem sucedidas têm geralmente um nível de capacidade e de expressão emocional adequada, sabem dizer o que querem adequadamente, sabem envolver os outros. E isso não é difícil de fazer na escola. Uma das aprendizagens que luto muito para que se faça é a de falhar sem que nos sintamos mal com isso. Geralmente há alguém com o dedo apontado a dizer-nos que falhámos e não nos dizem que falhar é uma das formas de aprender
E as escolas não transmitem isso?
Não. Nós queremos que os nossos filhos façam tudo depressa e bem, não damos tempo a que falhem e aprendam com o que correu mal. Temos de ter um plano para ajudar as pessoas a terem iniciativas e a não ter medo de arriscar. Temos de deixar que as pessoas arrisquem e depois nos digam o que aprenderam com isso. Se alguém nos dissesse: "Erraste, o que é que aprendeste com isso? Como vais fazer diferente da próxima vez?" estariamos sempre a progredir.
Há psicólogos que exercem em áreas para as quais não têm competências, como nas terapias. Como vai Ordem actuar nestes casos? Isso será definido quando criarmos as especialidades. Ao defini-las, vamos estabelecer o percurso que as pessoas têm de fazer para se tornarem especialistas. É um trabalho que ainda está a ser feito. Mas há um preceito muito claro no nosso código deontológico que estabelece que ninguém deve exercer nenhuma função para a qual não tenha tido formação.
Desde que a Ordem foi criada quantas queixas já receberam?
Mais de 60 que estão a ser tratadas pelo conselho jurisdicional, quase todas em inquérito.
Que tipo de queixas receberam?
Queixas de doentes, de colegas sobre colegas e de psicólogos que se queixam das organizações onde estão.
Quais são as que predominam?
As que têm que ver com a regulação do poder parental e que em muitos casos já estão em tribunal. Muitas pessoas não concordam com a forma como foram feitos os relatórios e queixam-se.
O que mais o preocupa como bastonário dos Psicólogos?
A primeira preocupação é dar a conhecer o que os psicólogos fazem em prol do bem-estar das pessoas nas diferentes áreas. Aliás, estamos a preparar campanhas nesse sentido. Como ajudamos nos diferentes problemas que surgem na escola? Nas transições escolares, no bullying, no abandono, nas alterações de comportamento. O que fazemos na clínica, na ansiedade, na depressão, no stress, no suicídio. E nas empresas, no recrutamento, na selecção, na carreira, na transição harmoniosa entre carreiras, no assumir de reformas, na promoção da liderança; na justiça, na produção de relatórios, na reinserção. E ainda na área emergente do desporto, na optimização de rendimento das equipas de trabalho, a chamada psicologia da alta performance. Há muitas áreas, o que torna difícil a nossa tarefa. Temos de nos relacionar com muitos ministérios.
Apesar de existirem áreas tão diversas, a tendência generalizada é para resumir a psicologia à clínica.
A representação típica continua a ser a da clínica. Em Portugal e em muitos outros países porque o número de praticantes da clínica é muito maior. Cerca de 50 a 60% dos membros são de clínica.
Já não basta ser licenciado para exercer psicologia, é obrigatório estar inscrito na Ordem. Colocam-se os mesmos problemas que se têm verificado com a advocacia com os exames de acesso à profissão?
No caso da psicologia isso não se põe, porque a entrada na Ordem é sempre feita com cinco anos de base. A designação de licenciado nunca permite às pessoas inscreverem-se, são necessários dois ciclos de estudos em Psicologia e um ano de estágio profissional. É obrigatório e pensamos que é um ganho enorme na medida em que introduz as pessoas no mundo do trabalho de uma forma diferente, acompanhados por um psicólogo sénior e permite ao jovem psicólogo perceber dimensões práticas e aprender o código de ética, o que é muito importante. Um psicólogo deve ter uma atitude proactiva e esteja onde estiver deve estar atento para ver o que pode fazer. Há um consenso europeu que diz que a formação dos psicólogos deve ser assim.
Que outras prioridades tem?
Há que fazer trabalho de influência sobre os decisores políticos aos vários níveis, geralmente junto dos ministérios. Para conseguir ter uma cobertura em termos psicológicos em Portugal que seja muito melhor do que a que existe. Na área dos cuidados de saúde primários, por exemplo, há 221 psicólogos para mais de 400 centros de saúde. É muito pouco.
Porque é que isso acontece?
Continua a achar-se que a saúde mental é um luxo. Já produzimos um relatório para o ministro da Saúde que mostra o que se fez e faz em todo o mundo, por exemplo em Inglaterra, na área da saúde em termos da psicologia. A professora inglesa Gillian Hardy vem ao congresso precisamente falar disso.
As consultas de psicologia continuam a ser um luxo para muita gente, visto que não são comparticipadas.
A psicologia era quase sempre um factor de exclusão em todos os seguros de saúde. Estamos a negociar para que os seguros comparticipem as consultas de psicologia.
E como vê o facto de as consultas de psiquiatria serem comparticipadas e as de psicologia não? Há uma má compreensão do papel do psicólogo? Uma discriminação?
A psiquiatria como ramo da medicina tem outras garantias. A psicologia teve de fazer este percurso em todo o mundo, teve de demonstrar que tinha alternativas variáveis em complementaridade, teve de se impôr.
Em Portugal já se impôs?
Não.
O que falta?
Dizer o que fazemos, convencer os decisores com dados reais que temos contributos para dar. Como por exemplo, nas escolas...
Com os problemas que temos hoje nas escolas devíamos ter muito mais gente a trabalhar. Nos programas de transição de ciclos, por exemplo. Os miúdos têm problemas de adaptação sérios na transição de ciclos pela natureza dos estudos, pelos parceiros, pelos professores... Nós temos um nível de abandono escolar gigantesco, um dos maiores da OCDE, e o factor psicológico tem um papel muito importante. A intervenção do psicólogo permite que muitas dificuldades se esbatam com actividades para perceber o que está a acontecer e deixá-los organizar e facilitar todos os processos de adaptação. São coisas que não têm custos elevados e consegue-se que as pessoas permaneçam no sistema e no estudo.
E na saúde?
É preocupante o nível de perturbação mental que existe em Portugal. O nível de ansiedade, de depressão, de stress e agora crescentemente de suicídio. Isso devia preocupar-nos muito. E nós temos meios (profissionais) para dar conta a isso.
Que contributos podem dar os psicólogos que trabalham no sector empresarial?
Devíamos criar, em Portugal, mais líderes a todos os níveis. A liderança é importante para o país. Temos algum défice no que respeita a organizar e liderar processos.
Quando diz líderes, está a pensar em élites?
Não, pode ser um líder numa pastelaria, numa associação...
Diz isso porque acha que há uma grande desorganização na sociedade portuguesa?
Há uma crescente desesperança
E um líder responde à desesperança?
Responde, motivando as pessoas, mostrando caminhos e o que se pode fazer na prática. Quando falo em liderança, não estou a falar de líderes políticos. Acho que os países desenvolvidos têm líderes a todos os níveis. Nos bairros, nas associações desportivas...
Quem diz líderes, diz pais e heróis?
Não, não diz isso. Como eu entendo, é o líder que tem competências para organizar, para mobilizar as pessoas para um conjunto de objectivos. Não no sentido paternalista, esse é um tipo de liderança a que talvez nos habituámos ao longo da nossa história portuguesa mas há lideranças democráticas, partilhadas que sabem e utilizam os conhecimentos do grupo para os objectivos. É disso de que estou a falar.
E é nisso que o psicólogo pode ajudar?
Sem dúvida. A desenvolver competências para a liderança, de organização e de comunicação, um papel centralíssimo. Os nossos líderes em geral têm um défice de comunicação gigantesco. Acho que devíamos fazer isso desde cedo. Sou um grande defensor de que a escola devia ajudar a desenvolver uma espécie de aprendizagens invisíveis mas que são muito importantes para a nossa vida. Sobretudo aprendizagens que têm a ver com a capacidade de comunicar com os outros do ponto de vista das próprias emoções, aquilo a que se chama inteligência emocional. As pessoas que são bem sucedidas têm geralmente um nível de capacidade e de expressão emocional adequada, sabem dizer o que querem adequadamente, sabem envolver os outros. E isso não é difícil de fazer na escola. Uma das aprendizagens que luto muito para que se faça é a de falhar sem que nos sintamos mal com isso. Geralmente há alguém com o dedo apontado a dizer-nos que falhámos e não nos dizem que falhar é uma das formas de aprender
E as escolas não transmitem isso?
Não. Nós queremos que os nossos filhos façam tudo depressa e bem, não damos tempo a que falhem e aprendam com o que correu mal. Temos de ter um plano para ajudar as pessoas a terem iniciativas e a não ter medo de arriscar. Temos de deixar que as pessoas arrisquem e depois nos digam o que aprenderam com isso. Se alguém nos dissesse: "Erraste, o que é que aprendeste com isso? Como vais fazer diferente da próxima vez?" estariamos sempre a progredir.
Há psicólogos que exercem em áreas para as quais não têm competências, como nas terapias. Como vai Ordem actuar nestes casos? Isso será definido quando criarmos as especialidades. Ao defini-las, vamos estabelecer o percurso que as pessoas têm de fazer para se tornarem especialistas. É um trabalho que ainda está a ser feito. Mas há um preceito muito claro no nosso código deontológico que estabelece que ninguém deve exercer nenhuma função para a qual não tenha tido formação.
Desde que a Ordem foi criada quantas queixas já receberam?
Mais de 60 que estão a ser tratadas pelo conselho jurisdicional, quase todas em inquérito.
Que tipo de queixas receberam?
Queixas de doentes, de colegas sobre colegas e de psicólogos que se queixam das organizações onde estão.
Quais são as que predominam?
As que têm que ver com a regulação do poder parental e que em muitos casos já estão em tribunal. Muitas pessoas não concordam com a forma como foram feitos os relatórios e queixam-se.
Fonte: Público de Portugal
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