Filho de açorianos, Alcido vigia as ruas de Bristol, nos EUA, contra o bullying de crianças.
Por José Carlos Marques
Não voa, não é mais rápido do que uma bala, nem tem a força de um ciclone. Mas, à sua maneira, Alcido Daluz quer ser um herói. Um herói à escala humana, com objetivos modestos e um nome inventado por si para se apresentar à cidade de Bristol, estado de Rhode Island, nos Estados Unidos da América. Um dos destinos da emigração açoriana, tanto que o ‘administrator’ (administrador) da cidade de 22 mil habitantes é um tal de António ‘Tony’ Teixeira, um lusodescendente. Mas as razões que levaram Alcido a criar o alter ego ‘Portuguese Hero’ (‘herói português’) não têm tanto a ver com as suas raízes açorianas – a terra dos seus pais – mas antes com um acidente que presenciou há poucos anos. "Era de noite e ouvi um grande estrondo em frente à minha casa. Um carro tinha acabado de se despistar à minha porta. Saí e fui ver o que se passava." Uma condutora tinha-se despistado com o carro e gemia, enquanto dizia algumas palavras em português. Língua que ele não domina porque nasceu americano e foi em inglês que sempre falou, mesmo dentro de casa. Mas algo mudou nele nesse dia. "Foi quando, pela primeira vez na vida, percebi que podia ajudar os outros. Fui eu que chamei a ambulância, acompanhei depois a recuperação da senhora no hospital. E o facto de ela falar português inspirou-me." Nasceu assim a personagem. Alcido passou a ser o ‘Portuguese Hero’. Pensou que poderia ajudar aqueles que, como ele na juventude, sofrem humilhações e violência na escola. ‘Bullying’ é o termo inglês usado também por cá para designar essa guerra surda que faz tremer os mais fracos em tantas escolas por esse mundo fora. Realidade que Alcido viveu. "Desisti cedo da escola e em parte foi por causa disso. Tomava remédios para a asma, engordei, era gozado. Lembro-me de que um dos piores dias da minha vida foi quando fui ameaçado por dois colegas mais velhos na biblioteca. Não sabia como defender-me." Deixou os estudos no 9º ano de escolaridade. DA OFICINA PARA A RUA Alcido Daluz tem 27 anos e gere a sua própria oficina de conserto e embelezamento de automóveis. Mas o que realmente lhe dá gozo é sair para a rua, ir às escolas falar com os miúdos, dizer-lhes que "o bullying não tem de ser um castigo que dure para sempre". Alcido foi alvo de notícias nos media locais, criou a página de Facebook do ‘Portuguese Hero’ e esforça-se por fazer chegar a mensagem "Não façam do bullying um segredo. Contem aos vossos pais ou a um adulto." Uma vez por semana, Alcido sai para a rua à noite, em Bristol ou em Providence, a capital do estado. Não leva fato nem máscara e as suas armas são o telemóvel, a lanterna e uma máquina para filmar e fotografar. "Percorro as áreas onde dormem os sem-abrigo, pergunto-lhes se está tudo bem. Mas não ando a correr riscos desnecessários. Se vir algo errado ligo para a polícia", conta à ‘Domingo’ via telefone quem se orgulha de ter "estragado" um negócio de droga – foi a sua presença que levou o dealer e o cliente a fugirem. Agora que a América se afunda num espesso manto branco – esta semana a Florida foi o único estado que não teve neve –, o lusodescendente suspendeu as rondas noturnas: "Quando vier a primavera volto a sair." Pretende tirar um curso da polícia local para cidadãos que querem manter Bristol segura. Nascido numa cidade onde existe um bairro a que chamam ‘Little Portugal’ (‘Pequeno Portugal’), Alcido confessa o sonho de conhecer a terra dos pais. Até lá, vai continuar a torcer pelo "Sporting Lisbon", vibrando com o futebol num país em que o desporto-rei não é o mais popular
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