segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

VIOLENCIA ESCOLAR – UMA PROPOSTA INTERDISCIPLINAR PARA ADMINISTRAR CONFLITOS


 Por Joice Mesquita

Vivenciamos hoje a busca de orientações de diversas escolas no que se refere às dificuldades de relacionamento entre os integrantes da comunidade escolar.

Nossa percepção é de que algumas das causas apontadas para as dificuldades de relacionamento no âmbito escolar encontram explicação na omissão e/ou desestruturação familiar, com reflexo direto no comportamento de suas crianças e adolescentes, na exclusão social, na violência intra-familiar, na prática do “bullying”, nos efeitos da drogadição, na carência de recursos humanos e de mecanismos e estruturas pedagógicas eficientes, uma vez que os profissionais da educação, gestores e demais servidores apontam dificuldades para enfrentar as recorrentes situações de violência, levando à fragilização do próprio ambiente escolar.

Propomos ampliar o debate sobre o assunto com o compromisso de proporcionar a reflexão que interessa não somente ao aperfeiçoamento, mas também um convite às Escolas e aos gestores educacionais a experimentar uma nova forma de perceber e enfrentar os conflitos, o que contribuirá na melhora do rendimento e desempenho dos alunos e professores.

Como nos diz Prata (2002), a vida é um exercício constante de reconstrução. A transitoriedade do belo não implica a perda de seu valor, e é justamente dessa fragilidade que podemos extrair a preciosidade da vida.

Apesar de os conflitos acontecerem continuamente em nossas vidas, a sociedade parece vê-los sempre de forma negativa e/ou destrutiva. Diante de um conflito em sala de aula ou no pátio da escola, normalmente o que procuram fazer é extingui-lo, acreditando ser essa a melhor alternativa para sua solução. É comum argumentarem que as crianças devem fazer "as pazes" e voltar a ser amigas, como eram antes da situação conflitiva.

Os conflitos são vistos muitas vezes como algo desnecessário, que viola as normas sociais e deve ser evitado. Para Johnson e Johnson, "o que determina que os conflitos sejam destrutivos ou construtivos não é sua existência, mas sim a forma como são tratados". Para eles, os conflitos tratados construtivamente podem melhorar o desempenho, o raciocínio e a resolução de problemas.

De acordo com Arantes, uma escola de qualidade deve transformar os conflitos cotidianos em espaços autônomos de reflexão e ação, permitindo que alunos e alunas enfrentem, autonomamente, a ampla gama de conflitos pessoais e sociais do dia-a-dia. Para dar conta dessa tarefa, as relações e os conflitos interpessoais do cotidiano, com os sentimentos e emoções que lhes são inerentes, exigem autoconhecimento e processos de aprendizado que permitam enfrentá-los adequadamente.

A interdisciplinaridade oferece uma nova postura, uma mudança de atitude em busca do contexto do conhecimento, em busca do ser como pessoa integral.  Para isso, será preciso uma atitude de busca, de inclusão, de acordo e de sintonia.

Os alunos, porque aprendem a trabalhar em grupo, habituam-se a essa experiência de aprendizagem grupal e melhoram a interação com os colegas. Os professores, porque se vêem compelidos pelos próprios alunos, a ampliar os conhecimentos de outras áreas; têm menos problemas de disciplina e melhoram a interação com os colegas de trabalho. A escola porque a sua proposta pedagógica é executada de maneira ágil e eficiente; tem menos problemas com disciplina e os alunos passam a estabelecer um relacionamento de colaboração e parceria com o pessoal da equipe escolar, assim como, com a comunidade onde está inserida a escola.

Propomos a criação e implementação de um Programa interdisciplinar de administração da violência escolar que venha a incentivar as escolas a criarem estruturas democráticas de enfrentamento das várias formas de violência, promovendo ao mesmo tempo o devido Treinamento em como administrar conflitos e como melhorar a relação aluno/professor.

Para tanto defendemos a adoção de medidas de mediação entre as pares, treinamento dos gestores educacionais, elaboração de regras operacionais para a turma e/ou para a escola, mantendo um Tutor turma que venha a integrar uma equipe de avaliação dos resultados e de mediação de conflitos na escola.

Este processo de mediação se dá através da capacitação de professores, gestores escolar para a aplicação de práticas restaurativas para administração dos conflitos. Partindo-se da necessária sensibilização e mobilização da comunidade escolar na implantação da Cultura da Paz e Comunicação não violenta.

A capacitação de professores e gestores educacionais será feita com a implantação de técnica e métodos que a Justiça Restaurativa oferece. São alternativas às escolas para enfrentar as situações de violência envolvendo crianças e jovens.

Isso é feito através da proposição de um método não-violento de resolução de conflitos, o que chamamos aqui de “Círculo de Compromisso”, em que com o auxílio de um coordenador os envolvidos “devem construir a partir de suas próprias percepções, uma abordagem para atingir um resultado ‘justo’ sob as circunstâncias concretas”. (Neto, 2005, p.202).

Os distúrbios disciplinares, a violência e o autoritarismo nas relações interpessoais são alguns dos maiores problemas pedagógicos e sociais da atualidade e vêm comprometendo a busca por uma educação de qualidade. São fenômenos complexos, cujo enfrentamento requer disposição e preparo para buscar caminhos não-autoritários.

Enfrentar esses fenômenos exige dos profissionais da educação uma nova postura, dialógica e democrática, que entenda os alunos não mais como sujeitos passivos ou adversários que devem ser vencidos e dominados. O caminho está no reconhecimento dos estudantes como possíveis parceiros de uma caminhada política e humana que almeja a construção de uma sociedade mais justa, solidária e feliz.

Cultura de Paz inclui modos de vida, padrões, crenças, valores e comportamentos, bem como arranjos institucionais que promovem o bem-estar, bem como a igualdade que inclui o reconhecimento das diferenças (BOULDING, 2000 apud MILANI, 2003, p. 35).

Os referenciais teóricos da educação para a paz e direitos humanos (DEL REY, 2002; GUIMARÃES, 2003, 2005; HICKS, 1999; JARES, 2002; MALDONADO, 1997; MILANI, 2006; ORTEGA; RAYO, 1994) têm demonstrado ser eficaz na prevenção da violência, possibilitando o aumento do diálogo, negociação, senso de responsabilidade e o protagonismo infanto-juvenil, reduzindo assim os riscos de vulnerabilidade social e penal.

A proposta de capacitação para professores em práticas restaurativas aponta para uma possibilidade de criação de uma alternativa de ação coletiva ante os conflitos escolares (que muitas vezes são vistos como atos infracionais dos adolescentes).

É preciso considerar que os conflitos são inerentes a todos os processos humanos, sendo sua problematicidade transferida para a forma como são enfrentados e resolvidos: violenta ou não violentamente.

O conflito deixa de ser encarado como o oposto da paz para ser visto como um dos modos de existência em e da sociedade, seja pela divergência de interesses e pela diferença de situação que isso supõe, seja pela posição ocupada na sociedade, pela disposição de recursos e pelo partido que se toma em questões de disputa (GUIMARÃES, 2003).

Devemos considerar que as iniciativas propostas de educação para a paz e justiça restaurativa incorporam valores essenciais para a cultura democrática como participação, diálogo, igualdade, justiça social, respeito à diversidade e aos direitos humanos.

Neste processo contamos com a participação de todos, vítima, ofensor e comunidade escolar de forma ativa para chegarem a um acordo, considerando o respeito como valor, pois “todos os seres humanos tem valor igual e inerente, independente de suas ações, boas ou más” (MARSHALL; BOYARD; BOWEN, 2005).

Na utilização dos Círculos de Compromisso para administração e enfrentamento dos conflitos existentes no ambiente escolar, valores como a responsabilidade, o empoderamento e a esperança emergem através da busca do ofensor pela restauração do ato que causou, ou seja, ele deverá se responsabilizar pelo seu ato, uma vez que causou dano à outra pessoa.

O empoderamento como valor é representado pela vítima quando a ela é devolvido os poderes perdidos no ato.

As vítimas têm papel ativo para determinar quais são as suas necessidades e como estas devem ser satisfeitas. Isto também dá poder ao ofensor de responsabilizar-se por suas ofensas.

Para implantação deste projeto em escolas primeiramente é necessário avaliar o clima escolar, as expressões de violência, forma de resolução de conflitos antes e após a instauração dos círculos de compromisso para avaliar o seu alcance e efetividade na prevenção da violência e grau de satisfação entre os envolvidos. A próxima etapa deve ser direcionada a capacitação de pessoas designadas pelas escolas, e que atuariam como referências para a comunidade interna em relação às iniciativas do projeto.

Essas pessoas devem participar das oficinas de capacitação e a escola deverá promover a partir de sua implementação, sistemáticas reuniões de planejamento, avaliação e reflexão com seus grupos, contando com as supervisões mensais dos capacitadores.

A realização de grupos de estudos, com a participação dos professores que integraram as oficinas de capacitação são essenciais para o sucesso no desenvolvimento das ações na escola. Cada instituição deve organizar-se levando em consideração o tempo disponível, a carga horária dos professores e a disponibilidade para a realização das atividades.

O que se torna imperativo é fazer com que a escola volte a ser um espaço protegido, onde se possa acionar o comprometimento social e incentivar formas de sociabilidade pautadas pelo respeito e pela solidariedade, e também para concretizar ações que se pautem pela prevenção e pela solução não-violenta dos conflitos, defendendo, como valores necessários, a tolerância e a solidariedade, por meio de um instrumento extremamente poderoso: o diálogo.


Referências Bibliográficas
BRANCHER, L. Manual de práticas restaurativas. Brasília: PNUD, 2006. v. 1.

BRANCHER, Leoberto. Um novo olhar sobre a violência cotidiana. Educação em Revista, Porto Alegre, v.11, n.64, p.5-7, 2007.

GUIMARÃES, M. R. Aprender a educar para a paz. Porto Alegre: EDUCAPAZ, 2003.

______. Educação para paz: sentidos e dilemas. Caxias do Sul, RS: EDUCS, 2005.


HICKS, D. (Org.). Educación para la paz: cuestiones, principios y practica em el aula. 2. ed. Madrid: Ministerio de Educación y Cultura, 1999.

JARES, X. Educação para a paz: sua teoria e sua prática. Porto Alegre: Artmed, 2002.

JOHNSON, David W. & JOHNSON, Roger T. Como reducir la violencia en las escuelas. Barcelona: Paidós, 1999.

MALDONADO, M. T. Os construtores da paz: caminhos para a prevenção da violência. São Paulo: Moderna, 1997.

MARSHALL, C.; BOYACK, J.; BOWEN, H. Como a justiça restaurativa assegura a boa prática: uma abordagem baseada em Valores. In: SLAKMON, C. R.; De VITTO, R. C. P.; PINTO, R. S. G. (Org.). Justiça restaurativa. Brasília, DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2005.

MILANI, F. M. Cultura de paz e ambiência saudáveis em contextos educacionais: a emergência do adolescente protagonista. Educação, Porto Alegre, ano 29, n. 2, p. 369-386, 2006.

NETO, Pedro Scuro. Por uma justiça restaurativa “real e possível”. Revista da AJURIS, Porto Alegre, v.32, n.99.p.193-207, set.2005.

ORTEGA, R.; DEL REY, R. Estratégias educativas para a prevenção da violência. Brasília: UNESCO, 2002.

PRATA, M. R. (2002). Transgressões e Violência na Atualidade in: PLASTINO, C. (org), Transgressões. Rio de Janeiro, Contra Capa Livraria, 2002.

RAYO, J. T. Educação em direitos humanos: rumo a uma perspectiva global. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 1994.

SIQUEIRA, A. (1999). A Violência Simbólica na Relação Criança-Criança: O Papel do Educador". Texto & Contexto - Enfermagem. UFSC, v. 8, n°. 2

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