Ex-funcionária de Preta Gil é membro da igreja Pentecostal Ana Batista, no Rio. Ela contou história para o EGO: 'Cheguei a pedir para Deus me levar'
Laís GomesDo EGO, no Rio
Sal Moretti (Foto: reprodução/instagram)
Desde criança, Salvador Moretti sabia que era diferente dos outros meninos. O menino de Suzano, na Grande São Paulo, usava as roupas, sapatos e bijuteria das irmãs, não gostava de brincar de bonecos, pipas e sofria bullying na escola. Aos 9 anos, ele foi pela primeira vez a uma igreja evangélica levado por uma vizinha. Lá, ele frequentava os cultos e estudos e achava que seus sentimentos homoafetivos eram uma fase.
Aos 14 anos, Salvador teve certeza da sua homossexualidade. Foi quando decidiu contar aos seus pais. "Eu só tinha amigas mulheres, só andava com meninas, comecei a perceber que o que eu sentia era desejo por homens. Quando a puberdade chegou e começaram nascer os pelos em mim, fiquei incomodada. Eu achava que o meu desenvolvimento seria como o das minhas amigas e aquilo criou um conflito na minha mente. Eu já tinha percebido que era gay, não queria viver escondida, sempre tive uma liberdade grande, mas tinha medo da reação dos meus pais. Contei para minha mãe de uma forma espontânea. Ela ficou chocada, calada, mas entendeu. Para o meu pai contei alguns meses depois e a reação foi diferente, ele ficou um ano sem falar comigo. Meu pai nasceu em 1934, teve um pai algoz, uma infância pobre, catava lixo e eu tinha medo de como seria essa relação com a minha família. Minhas irmãs também não aceitaram, criticaram e ficavam na cabeça do meu pai dizendo que ele tinha que dar um jeito em mim, me levar para o psicólogo. Com essa crise me sentia invadida e incomodada e não achava que elas tinham esse direito", disse ao EGO.
Bullying na escola
A partir do momento que se assumiu, Sal passou a se vestir como mulher. Ia para escola usando calça de lycra, salto, cabelo vermelho. Até o dia que sofreu seu maior bullying, na escola. "Lembro que fui com uma calça verde abacate para o colégio, estava na 8ª série. Fui vaiada pela escola interia no intervalo. Eram 1.500 alunos. Foram dez minutos de vaias, só as duas amigas que andavam comigo ficaram do meu lado. Fiquei em choque. Elas me levaram para a diretoria. Chamaram meu pai, fiquei uma semana com febre, abalada, mas entendi que a vida seria daquele jeito e que eu precisava ser forte. Desde esse dia nada mais me intimidou", conta.
Afastamento da igreja
Aos 15 anos, Sal voltou para a igreja a convite de outra tia, mas, os pastores disseram que ele precisava se libertar. Ele conta que fez de tudo para se livrar da homossexualidade. "Eu creio que Deus pode fazer o que ele quiser. Sei que existem propósitos de Deus, então fui buscar essa libertação. Quero que fique claro que eu acredito. Eu vivi nesse conflito por três anos, deixei todos os meus amigos e fui buscar essa libertação que disseram que eu precisava. E eu realmente aceitei isso, pedia isso pra Ele, pra tirar esse sentimento de mim, do meu coração. E isso não acontecia, mas não porque Deus não pode, era porque não era isso o que Ele queria para mim". Mais uma vez, Salvador saiu igreja. Foi aí que começou a estudar e depois passou a trabalhar como maquiador em uma emissora de televisão.
Depois, Salvador conheceu e passou a trabalhar com a Bispa Sônia Hernandes, da Igreja Renascer em Cristo, onde ficou por dois anos. "Frequentei a Renascer por 2 anos. Sou muito grata a Bispa. Ela dizia para eu ser eu quem eu sou e não deixar Jesus, também dizia para eu não entregar o meu corpo para qualquer pessoa, porque nosso corpo é templo, lugar onde mora o Espirito Santo. Até hoje seleciono muito as pessoas com quem vou me relacionar", diz.
Algumas das artistas com quem Sal trabalhou
(Foto: reprodução/instagram)
(Foto: reprodução/instagram)
O reconhecimento profissional
Aos 23 anos, quando conheceu a atriz Paloma Duarte, Sal Moretti se mudou para o Rio de Janeiro. Foi então que ele conheceu também a cantoraPreta Gil, com quem trabalhou por sete anos. "A Paloma me ajudou muito! Ela pagou minha mudança e por um tempo me deu dinheiro para pagar minhas contas. Depois conheci a Preta. Viramos amigos. Ela estava começando a carreira dela quando começamos a trabalhar e viajar juntos. Sou eternamente grata às duas. Morei com a Preta por dois anos, ela é minha irmã de alma, me abriu muitas portas. Conheci o Brasil todo, vários países do mundo, fiquei de frente com muita gente importante, fiz o meu nome", conta ele que também já trabalhou com Anitta, Fernanda Paes Leme, Giovanna Ewbank e Adriane Galisteu, entre outras famosas.
A 'separação' de Preta Gil
Apesar do sucesso profissional, Sal Moretti desenvolveu uma depressão profunda e teve vontade de morrer. Foi quando decidiu que devia deixar de trabalhar com Preta Gil e cuidar mais de si mesmo. "Passei a sentir uma angustia, achava que era porque eu não estava indo à igreja e que Deus estava me castigando. Viajei o mundo todo, conheci pessoas importantes, mas tinha um vazio grande, vontade de morrer, comecei a ter uma depressão que virou síndrome do pânico, fiz terapia e quando a Preta casou cheguei a conclusçao de que precisava de tempo pra mim. Eu não me aceitava mulher porque não aceitava que Deus me aceitava sendo gay. Eu não me reconhecia. No dia do meu aniversário de 30 anos pedi a Deus para morrer. Ouvi uma voz muito forte e Deus me deu direcionamentos. Fui padrinho de casamento da Preta e quando ela voltou decidi conversar com ela, me sentia seguro porque ela tinha o Rodrigo e não ficaria sozinha. Ela mais uma vez foi maravilhosa comigo. Continuamos amigos, nossa relação vai muito além de patrão e empregado. Somos irmãs de alma."
Sal Moretti antes e depois
(Foto: Instagram / Reprodução)
(Foto: Instagram / Reprodução)
O Recomeço
Sal passou a tomar hormônios femininos e a se aceitar e se vestir como uma mulher. E o destino o levou de volta a uma igreja evangélica alguns anos depois. "Eu não queria mais saber de igreja, mas de uma maneira muito louca a minha atual pastora me conheceu e conseguiu me levar até a Igreja Pentecostal Ana Batista. A princípio não queria ir, mas encontrei uma família e um lugar que não me julgou e me acolheu. Recomecei e desde então tem sido maravilhoso. Eu tive uma conversa com o meu pastor, disse a ele que não sou gay, que eu sou uma mulher, que minha alma é feminina, mas meu corpo é masculino e eu não era feliz assim. Eu mesma comecei a me referir a mim no feminino e as pessoas foram naturalmente me respeitando e aceitando. Nas igrejas as pessoas querem tirar o direito das pessoas de ter uma vida com Jesus, mas Ele não veio para julgar o mundo, e sim justificar, a pregação da minha igreja é: Ame ao outro, ame o outro como Deus mandou. Desde que me aceitei como trans minha vida mudou."
Sal Moretti (Foto: reprodução/instagram)
Cirurgia, silicone e casamento
Assim como a mudança no visual, na maneira como as pessoas o chamam, Sal Moretti também está passando por uma mudança física. A maquiadora está tomando hormônios e se preparando para a cirrugia de mudança de sexo. "Tomo hormônio feminino toda semana, o meu corpo esta se transformando, uso sutiã, meus seios estão crescendo. Eu sou uma mulher e isso não é de agora. Isso é desde sempre. Estou esperando meus seios crescerem, vou colocar silicone, mudar meu nome. Ainda não operei. Tenho que esperar o tratamento com o hormônio, para fazer as mudanças que eu quero. Diminui o nível de testosterona e substitui por hormônios femininos. Quando fizer o efeito completo então vou ver o que eu quero. A princípio não quero fazer nada, não quero botar bunda, quadril, sou muito delicada, não quero ficar grandona. Minha inspiração é a Victoria Beckham", diz, orgulhosa. A maquiadora falou também sobre seus sonhos. Assim como toda mulher, Sal planeja se casar. "Sou seletiva e estou esperando no senhor, acredito que Deus vai preparar meu marido e que o senhor vai trazer o melhor pra mim".
Primeira bispa transexual do país
Primeira bispa transexual do país
Sal faz um trabalho voluntário em presídios falando para adolescentes e usa suas redes sociais para contar sobre sua transformação e testemunho. Mas ela quer mais. "Creio e acredito que serei a primeira bispa trans do Brasil. Na verdade missionária, na minha igreja os homens são bispos/pastores e as mulheres missionárias. Ser missionária é uma responsabilidade muito grande, ainda estou me preparando. Eu tinha tudo pra dar errado e dei certo. Sou assessorada pelos meus pastores, almoço com eles, sou tratada como filha. Vou estar num altar evangélico. Isso é honra de deus, é restituição.O que eu quero é falar do amor de Deus. Eu quero ser luz".
Mensagens de Sal Moretti nas redes sociais (Foto: reprodução/instagram)
Sal Moretti mostrando um dos looks do dia (Foto: reprodução/instagram)
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