sexta-feira, 15 de abril de 2016

Cuidado! O Bullying existe e pode matar!

Filipa Sáragga


Este mês escrevo sobre um tema que me é particularmente familiar: o bullying. Foi um tema sobre o qual me debrucei e que estudei para escrever o meu último livro A Princesa Azul e a Felicidade Escondida – um livro que foi incluído no Plano Nacional de Leitura, precisamente por abordar questões emergentes e actuais.

Acabo também de fundar a Associação Princesa Azul, que visa precisamente identificar e apoiar alunos que são vítimas de bullying nas escolas. Esta Associação tem também o intuito de prevenir e sensibilizar os agressores, através da história do livro. Pretendemos tornar heróis os frágeis, ou seja, aqueles que são normalmente o alvo de brincadeiras intimidadoras, e não aqueles que agridem e que utilizam a sua superioridade física para intimidar.

Li recentemente a história impressionante de um rapaz de 11 anos, que saltou de um quinto andar, em Leganés, Espanha, por não aguentar mais o sofrimento que era para ele ir ao colégio. "Não aguento ir ao colégio e não há outra maneira de não ir", escreveu numa carta de despedida. "Pai e mãe... espero que algum dia me possam odiar um pouco menos. Eu não aguento mais ir ao colégio e não há outra maneira de não ir".

Infelizmente, este sofrimento não é um caso único; como este rapaz, existem muitas mais crianças que sofrem torturas às mãos de outras crianças. Sim, porque o bullyingé muitas vezes uma tortura silenciosa, que pode durar anos, e que se não for impedida, irá condicionar a vida do agredido para sempre. São crianças e jovens que crescem inseguros, sem confiança, com traumas que ficam para sempre.

Recordo uma conversa recente que tive com uma adolescente. Quando soube da criação da Associação Princesa Azul, desatou a chorar. Perguntei-lhe porque chorava mas ela apenas respondia que precisava de colaborar, de salvar os "meninos azuis". Acabou por me revelar que tinha sido vítima de bullying durante anos seguidos, desde os 10 até aos 17. Sempre que saía da escola, era empurrada para um beco onde era abusada sexualmente por um grupo de jovens (rapazes e raparigas adolescentes, com mais seis ou sete anos do que ela). A jovem nem conseguia falar, apenas chorava e depois disse-me: "percebes agora porque sou distraída? Porque não sou a melhor da aula?". Contou-me também que eu era a primeira pessoa a quem ela contava esta história; nem aos pais tinha tido coragem de contar, em pequena por medo, em adolescente por vergonha.



bullying pode transformar a vida de uma pessoa para sempre e condicioná-la a uma infelicidade permanente. Por isso é urgente estarmos atentos aos comportamentos dos nossos filhos: não só tentar perceber a timidez de alguns, mas também tentar perceber o excesso de confiança de outros. Podemos estar perante a vítima ou perante o agressor.

A escola pode ser sim um palco de terror para muitas crianças e muitos jovens. Neste momento da história da humanidade, julgo que este tema se deve tornar prioritário. Deveria mesmo existir uma disciplina apenas para educar os alunos para a paz. Que mundo é este em que vivemos, onde criamos terroristas se fazem explodir, onde permitimos "terrorismo" dentro das escolas, sem que haja para isso punições verdadeiramente severas?

Lembro-me de ter ido falar para quatro turmas há uns meses atrás, numa escola em Aveiro. Crianças que teriam entre os cinco e os sete anos. Quando cheguei perguntei-lhes se se sentiam azuis. Perguntaram-me o que era ser azul. E eu expliquei-lhes que ser azul é ser "diferente" e em seguida contei-lhes a história da Princesa Azul. Esta princesa tem uma cor diferente das outras, o que a faz sofrer muito e ser alvo de bullying e discriminação, mas com a ajuda da sua amiga Libelinha Aurora, aprende a enfrentar os seus medos e descobre não só que o azul é uma cor linda, mas também a beleza de "ser diferente". Todos somos lindos, porque todos somos seres únicos. Que pena sermos ensinados desde muito novos a criar e idolatrar determinados padrões de beleza.

No final voltei a perguntar se alguém se sentia azul, e pouco a pouco as crianças foram pondo os dedos no ar. Lembro-me do primeiro aluno que falou: tinha cinco anos e disse-me " Professora afinal eu acho que eu sou azul e por isso tive que mudar de escola, porque na outra escola onde eu andava, por ser gordo, os meus colegas na hora do recreio batiam-me sempre". Logo em seguida, uma menina, que mais parecia uma boneca, disse-me: "Professora eu também devo ser azul porque sou adoptada, e não tenho pais verdadeiros como os meus amigos".

Depois da apresentação do livro e da conversa que se seguiu, gerou-se entre aquelas crianças um clima de compaixão e de compreensão. No final da sessão, muitos colegas foram ter com o rapaz, que era vítima de bullying e alcunhado de "baleia", para brincarem juntos no recreio.

Andamos preocupados em "fabricar" máquinas trabalhadoras, crianças "geniais", que têm que ser os melhores em tudo; e esquecemos que o importante não é ser o melhor mas cada vez melhor.

Não seremos nós adultos, pais e educadores responsáveis por muitas das tragédias e sofrimentos que acontecem às nossas crianças? Será que não devemos nós também rever os nossos valores e as nossas prioridades?

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