Por Sara R. Oliveira
Uma das autoras da violenta agressão a uma adolescente e o rapaz que filmou o momento, veiculado no YouTube e no Facebook, estiveram em prisão preventiva. Têm 16 e 18 anos. A medida de coação mudou entretanto para prisão domiciliária. Um aviso para o país ou uma "pena" demasiado severa?
Os dolorosos minutos em que duas jovens de 15 e 16 anos batiam e pontapeavam uma rapariga de 13 anos deixaram o país de boca aberta. O filme dessa violenta agressão numa rua de Benfica, perto do centro comercial Colombo, em Lisboa, foi gravado e colocado no Facebook e no YouTube. Com as imagens na mão, e depois do assunto ter sido notícia em toda a imprensa nacional, as autoridades policiais identificaram as agressoras e o autor do vídeo. Interrogatórios realizados, prisão decretada - entretanto substituída por prisão domiciliária.
O que aconteceu? Muita coisa. A agressora de 16 anos e o autor do filme, um jovem de 18 anos com antecedentes criminais pela prática de crimes violentos, estiveram em prisão preventiva durante algumas semanas. O juiz responsável considerou tratar-se de um crime de extrema violência e altamente censurável. Alarme social, perigo de continuação da atividade criminosa e antecedentes criminais pesaram para a decisão. A agressora de 15 anos, menor perante a lei, foi internada numa instituição de reinserção social. Entretanto, os dois jovens saíram da prisão. A jovem de 15 anos está obrigada a permanecer na habitação, sob vigilância policial, e não pode contactar com os restantes intervenientes no processo. O autor do vídeo está também obrigado a ficar em casa, sem pulseira eletrónica. Os jovens podem ser acusados de um crime de ofensas corporais qualificadas.
O caso está ainda a ser investigado e a acusação ainda não foi formalizada pelo Ministério Público. De qualquer forma, dois jovens em idade escolar estiveram em prisão preventiva. O que pode acontecer? A psicóloga Eva Delgado-Martins lembra que há uma legislação para cumprir e que as medidas de apoio devem, nesta situação, incluir a vítima e os agressores. "Se não há dúvidas sobre a autoria dos crimes cometidos - ainda não há sentenças de culpabilidade - as decisões do tribunal de acordo com a legislação respetiva terão de ser aplicadas", refere.
"O eventual efeito dissuasor das penas a aplicar é provavelmente menos eficaz do que medidas que visam identificar as razões do comportamento dos jovens em causa e, por essa via, tentar a sua recuperação para a sociedade. As medidas de apoio devem incluir agressores e vítima", sustenta. Na sua opinião, a análise do passado dos jovens agressores pode detetar problemas e ajudar a planear medidas de prevenção. Há várias perguntas a fazer. Como, exemplifica, por que razão os jovens não cumpriram a escolaridade obrigatória e o que foi feito a esse respeito? Qual o seu ambiente familiar?
Incidindo sobre o episódio da violência, há outras questões que precisam de respostas. Por que razão quiseram publicitar a agressão? Para terem poder dentro do seu grupo? E como é esse grupo? As perguntas podem ser feitas em várias direções, nomeadamente sobre qual o papel das escolas, se têm programas dedicados à prevenção da violência doméstica. E será que a lei devia ser revista? "Há uma certa indefinição sobre conceitos como bullying, violência e indisciplina que convém clarificar", defende a psicóloga.
A psicóloga e professora catedrática Margarida Gaspar de Matos defende que os jovens têm de ser responsabilizados e que o cenário da violência deve ser penalizado socialmente. "Temos de evitar que seja valorizado enquanto modo aceitável de resolver problemas, de comunicar ou de divulgar desavenças ou espetáculos tristes." "Estas pessoas têm de ser vistas como incapazes de lidar com situações de litígio de modo civilizado. Os que espreitam têm de ser vistos como pessoas que não se conseguem organizar para evitar um ato cruel - e além do mais ilícito", acrescenta.
Em seu entender, as medidas judiciais devem ser educativas se "a sociedade não responsabiliza e educa na família, na escola, nas autarquias, nos centros de jovens". Medidas de prestação de serviços à comunidade, de acompanhamento psicoeducativo, de frequência na escola ou na formação profissional, em regime "aberto", seriam, na sua perspetiva, mais eficazes. Num estudo que coordenou, há vários dados que fazem pensar. Em situação de provocação, os jovens que assistem a essas situações preferem não interferir e afastar-se (61,9%) ou então ficar a ver (54,8%). E a relação com os pais, com os irmãos e com a família, tem a sua importância, porque quanto mais diálogo menos hipóteses há de se tornarem provocadores ou vítimas.
Os programas de prevenção da violência podem ser uma ajuda importante, nomeadamente no que diz respeito à resolução de conflitos, na medida em que as crianças e jovens compreendem os "choques" interpessoais e desenvolvem competências relacionadas, por exemplo, com o pensamento crítico, comunicação, empatia, gestão de raiva, resolução de problemas e controlo da impulsividade. Para pensar sobre os problemas, gerar soluções alternativas e antecipar as consequências das escolhas. Há também programas de prevenção do crime em que os alunos analisam e aplicam formas de reduzir as suas hipóteses de virem a ser vítimas, aumentando os seus conhecimentos sobre circunstâncias e tipos de crime cometidos em contexto escolar ou comunitário.
Margarida Gaspar de Matos salienta ainda a educação para a redução da agressividade e a gestão da ira. "Estes programas transmitem a noção de que a raiva é uma emoção humana normal, explorando formas saudáveis e menos saudáveis de expressar a raiva. Em qualquer caso, examina-se a violência como uma possível consequência." Aprende-se a gerir a ira para que não conduza à prática de atos violentos.
O bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto, foi a voz mais crítica à atuação da justiça, criticando a aplicação da prisão preventiva aos dois jovens. "Estou estupecfato. É terrível. Isto é um sistema judicial da Idade Média", referiu, durante um discurso sobre a evolução dos direitos humanos após a Revolução de Abril. "Veja-se o que ocorreu ao decretarem a prisão preventiva a uma jovem de 16 anos por causa de uma situação daquelas. É terrível quando temos aí crimes, assassinatos, assaltos a ourivesarias, a caixas multibanco permanentemente". "Podemos ter uma ideia dos nossos tribunais e da nossa justiça", acrescentou.
Fonte: educare.pt
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário