Agressões, físicas ou psicológicas, são corriqueiras em escolas brasileiras e mundo afora. Recentemente, a assunto entrou na pauta de discussões internacionais. Em 2011, após o atentado de Realengo, no Rio de Janeiro, ele tem sido discutido amplamente no Brasil. Mas só o debate não basta, como lembra o professor -doutor Altemir José Gonçalves Barbosa, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), que esteve em Maringá ministrando um curso sobre o tema .
Nos mesmos moldes do ‘bullying tradicional’, o ciberbullying - disseminado com ajuda das tecnologias de informação – ainda não tem receita para ser combatido. O alerta do especialista é para que as escolas parem de negar a existência de casos bullying e que também se sinta responsável por situações de ciberbullying.
Barbosa garante que esse comportamento só pode ser prevenido. Pais e escolas precisam se informar a respeito do bullying e discutir o assunto com crianças e adolescentes.
Para o psicólogo, a família tem um papel fundamental nesse processo. Os pais devem monitorar os filhos e o uso da internet e. Mas a intimidade não pode ser invadida. Por isso, Barbosa indica que os familiares utilizem as mesmas ferramentas para dialogar e se aproximar dos jovens, melhorando o relacionamento familiar. Se um adolescente utiliza muito o Facebook, por exemplo, pai e mãe também podem ingressar na rede social. Se houver qualquer indício de que ele está sofrendo ou cometendo uma agressão, é preciso verificar.
"Faltam pesquisas sobre o bullying tradicional e mais ainda sobre o ciberbullying. Tanto em quantidade como em qualidade"
"O bullying é parte do cotidiano de crianças e adolescentes. É parte da escola. Então, às vezes, a escola e os pais fingem que isso não ocorre"
O Diário - O que é o bullying e como ele se caracteriza?
Altemir José Gonçalves Barbosa - O bullying é uma forma de agressão entre pares. Ele ocorre principalmente no ambiente escolar ou no trajeto para esse ambiente, com estudantes independentemente de faixa etária. Da educação infantil até a universidade. Como características básicas há a repetição. É uma agressão que se repete; a duração, ela não é algo esporádica, é constante; é intencional porque tem certas agressões que não são necessariamente intencionais. No bullying, ela é intencional. Ainda há uma quarta característica fundamental, que é a diferença de poder ou de força entre os envolvidos. Não é só uma questão da força física, é mais a questão de poder. De indivíduos que têm diferentes forças sociais, por exemplo.
O Diário - E qual é a diferença do bullying para o ciberbullying?
Altemir José Gonçalves Barbosa - O ciberbullying é um desdobramento do bullying e tem como característica específica o ambiente virtual. A relação de poder continua existindo, mas não de forma física, não é preciso ser mais forte. O agressor é aquele que domina as novas tecnologias. Principalmente computadores, rede de computadores, telefones móveis. E pela característica do meio, a frequência também é diferente porque uma única agressão pode se tornar perene. Você pode divulgar um vídeo difamando alguma pessoa uma única vez. Talvez aquilo acabe ali e não se configure um ciberbullying. Mas esse vídeo pode ser copiado, pode ser reproduzido, com milhares, milhões de cópias e pode permanecer por tempo indeterminado.
O Diário - Em quais ferramentas o ciberbullying acontece?
Altemir José Gonçalves Barbosa - Ainda não sabemos muito sobre o que acontece entre os estudantes brasileiros. Mas, nos poucos estudos que temos e com observação, verificamos que ele acontece em ferramentas sociais de internet. Espaços como Facebook, Orkut, MSN. Porque nesses espaços há muitas relações pessoais, inclusive em tempo real. As pessoas acessam, interagem em tempo real. Mas ainda não temos certeza de como acontece. Faltam pesquisas sobre o bullyingtradicional e mais ainda sobre o ciberbullying. Tanto em quantidade como em qualidade.
O Diário - Quem é o agressor?
Altemir José Gonçalves Barbosa - O agressor é uma figura, geralmente, pobre em certas características. Principalmente em empatia. Ao contrário do que a gente pensa que é só aquele indivíduo com porte físico forte, em que o indivíduo é mais alto e forte. Porque não há agressão física no ciberbullying, principalmente porque o agressor não é só o mais forte. Ele é um indivíduo que tem pobreza em certas características pessoais. Como a empatia, que é a capacidade de você reconhecer as emoções, o sentimento do outro, reconhecer o quanto as ações que você empreende tem consequências para o outro e de poder fazer esse processo de experienciar o quanto aquilo pode ser agradável ou não para o outro. E aí sim decidir se você vai adotar ou não aquele comportamento. O agressor não consegue resolver problemas interpessoais. Por exemplo, o adolescente que foi abandonado por um namorado, uma namorada, e acaba, muitas vezes por não ter competências sociais, tendo comportamentos agressivos para resolver seus problemas pessoais. Por não ter competências sociais para resolver a frustração, ele acaba usando formas agressivas para tentar resolver este problema social.
O Diário - Quem comete o bullying já foi uma vítima?
Altemir José Gonçalves Barbosa - Não necessariamente. Há, claro, aqueles que são vítimas agressoras. Mas existem aqueles que são só agressores e não foram vitimizados. Existe muita polêmica, principalmente aqui no Brasil, por ser baseado no senso comum, se o indivíduo que é agressor não não foi vitimizado, por exemplo pelos pais. É uma hipótese muito forte, mas ainda há pouco conhecimento e estudos sobre se a pessoa vitimizada pelos pais tem comportamento agressivo na escola. O que a gente sabe é que existe uma probabilidade grande sim. Pais que são extremamente autoritários, negligentes, que fazem uso de força física para lidar com filhos, tendem a gerar filhos agressivos nas relações com os colegas.
O Diário - Como que os pais e a escola podem evitar que ambos aconteçam?
Altemir José Gonçalves Barbosa - Eles precisam estar atentos. Perceber que isto acontece muito mais do que nós, adultos, percebemos. O bullying é parte do cotidiano de crianças e adolescentes. É parte da escola. Então, às vezes, a escola e os pais fingem que isto não ocorre. Eles também precisam assumir responsabilidades perante isso. É responsabilidade da escola e dos pais evitar que isso ocorra. Quem não tem muito conhecimento a respeito do bullying pode buscar ajuda de outros profissionais que têm esse conhecimento. E seja qual a forma adotada para prevenir ou solucionar esse problema, ela precisa se basear em um diálogo com as crianças e adolescentes. A punição não resolve. Ela também é uma forma de agressão. É evidente que não existem estratégias específicas, mas se o meu filho é agressor, ou se na minha escola há um agressor, então é interessante desenvolver neste ambiente habilidades sociais, interpessoais e envolver alunos no processo de prevenção e controle.
O Diário - Como pais e educadores podem perceber que seu filho ou aluno está sendo vítima de ciberbullying?
Altemir José Gonçalves Barbosa - Eles podem observar mudanças significativas no comportamento. As vítimas começam a apresentar estados de tristeza. Podem deixar de se alimentar. dores de cabeça. Isso é o começo. Se os pais não tiverem atentos, pode-se chegar a mudanças mais críticas de comportamento, como a depressão. Outro indicador muito importante é se recusar a ir para a escola, apresentar problema de desempenho, indisciplina: aquele aluno que gostava de ir para escola e de repente começa a criar problemas na escola.
O Diário - As escolas estão preparadas para combater o bullying e o ciberbullying?
Altemir José Gonçalves Barbosa - Não. As escolas, tanto públicas como privadas, não estão preparadas para lidar com esse problema. Principalmente no caso do ciberbullying, que não se dá diretamente no ambiente escolar. No caso do bullying tradicional, a escola não pode negar que ele acontece e percebe isto como sendo uma responsabilidade dela. Mas quanto ao ciberbullying, ela sequer acha que é sua responsabilidade dela. Mas não é culpa dos educadores. É um fenômeno que está sendo discutido só agora no Brasil.
O Diário - Os pais devem vigiar os filhos quando eles estão utilizando computadores e celulares?
Altemir José Gonçalves Barbosa - Mais do que vigiar. É importante monitorar. Não com o intuito de descobrir o que o filho está fazendo. Monitorar no sentido de estabelecer diálogo com os filhos. O diálogo e uma relação parental são fundamentais, não só para para prevenir esse problema, mas para outros problemas que podem ocorrer nessa faixa etária, como uso de drogas e referente à sexualidade. Então, vigiar e fiscalizar não são muito bons, mas monitorar sim. Diálogo, respeito mútuo, pais atentos. Não podemos ser negligentes nesse sentido. Estar atento a isso é muito importante, ainda que o universo dos filhos não seja completamente acessível aos pais. A privacidade tem que ser respeitada. Ajuda na forma autêntica, sem punição. Assim, os próprios filhos vão recorrer aos pais em momentos de dificuldade. O pai e a mãe precisam ser vistos como parceiros.
Fonte: O Diário.Com
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