domingo, 17 de julho de 2011

Conflitos nas escolas: um dever de casa pós-férias

Ao cruzar o portão que dá acesso à parte externa da escola, João Sousa, 16 anos, (nome fictício), tira a farda e a guarda dentro da mochila. No dia seguinte a cena se repete. Desta vez, na chegada. O garoto tira a camisa que havia guardado na bolsa e a veste. O uso da farda é item obrigatório dentro de qualquer instituição de ensino. A ação do jovem chama atenção para um problema que vem tomando grandes proporções e que deve retornar à cena com a volta às aulas após as férias de julho - o que força o atual governo do Estado a criar medidas rígidas e imediatas para combatê-lo.

O medo e tudo que cerca muitos estudantes de cuidados tem a finalidade de evitar que eles se tornem vítimas de qualquer ação ilícita. Em casos recentes, estudantes de outras escolas veem dentro de um espaço onde se pratica a educação, o ambiente que serve de abrigo aos adversários.

Mas o que tem a ver a farda na mochila com os envolvidos em situações negativas? Agora tudo. É uma questão de honra esconder a identidade escolar. Muitos estudantes já pagaram com punições violentas nas ruas de Belém simplesmente por estarem trajando a camisa da escola onde estudam, vista como “inimiga” pelos infratores, na maioria adolescentes e ex-alunos.

João disse que segue à risca as orientações que recebe em casa, dos pais e dos professores, na escola. “Não quero correr o perigo. Já vi agressões em que o aluno, inocente, foi pego logo após a saída porque estava fardado. Os agressores o chutavam e diziam que a escola não prestava e por isso estava apanhando, para não voltar lá. O menino ficou traumatizado e deixou de frequentar o colégio por algum tempo”.

O DIÁRIO teve muitas dificuldades de encontrar quem se identificasse para falar sobre o assunto. O medo fez os entrevistados fornecerem nomes fictícios e se transformarem em códigos. A única mãe que revelou o nome, responsável por uma aluna da Dom Pedro II, no bairro do Marco, falava com receio do assunto. Mas apontou a importância do tema ser debatido dentro do espaço escolar com a participação de pais e da administração pública. “É preciso que algo seja feito. Graças a Deus minha filha estuda aqui [Dom Pedro II] e nunca foi vítima, mas sabemos de casos que merecem a atenção”, diz a autônoma Irene Reis.

Três estudantes da escola Dom Pedro II pediram para que os chamássemos pelos números de 15, 16 e 17. Eles relataram uma briga ocorrida dentro da escola entre duas jovens, no final do primeiro semestre letivo deste ano. Ação desta natureza não é mais novidade. Eles dizem que assistem frequentemente esse tipo de ocorrência nas dependências da escola e fora dela. “Na saída, no horário da tarde principalmente, é muito polêmico. Alunos de outras escolas já acostumaram a esperar lá fora algum aluno daqui e travam a briga envolvendo quem nada tem a ver com a situação. Soltam bombas caseiras e nos assustam”, conta 16, ao acrescentar que o prazer que sentia de vir à escola, hoje se transformou em frustração e medo de ser punido por algo que não fez. “Uma coisa é estar ciente de pagar pelo que fez, a outra é morrer de graça”.

No carro, o pai de 15 o espera nas saídas. Garante que abandona o trabalho, em horário de expediente, para buscar o filho e deixá-lo em porto seguro (em casa). “Só assim consigo continuar o trabalho, sabendo que ele está em casa”, desabafa ao revelar que o problema não mora apenas em escolas da rede pública de ensino. “Transferi meu filho de uma escola particular por causa justamente da violência. Não era tão preocupante quanto na pública, mas na particular também existe com toda certeza”.

FACADA

Um dos casos mais recentes de agressão, cujo aluno saiu ferido, ocorreu dia 6 de junho. Um estudante recebeu uma facada no braço. O golpe foi desferido por um aluno da escola Doraci Leal e a agressão foi na frente da Escola Municipal Felipe de Paula, no município de Santa Izabel. Os motivos que levaram o jovem a partir para a agressão são desconhecidos, mas a vítima, Carlos Adriano Teixeira, 19, teria recebido um recado. “Um menino foi me avisar que ele [um adolescente de 15 anos] estava me esperando lá na frente e queria me pegar. Aí eu fui lá na frente saber ”, conta Carlos.

Carlos atendeu o chamado e recebeu o golpe. Precisou de ajuda, que conseguiu junto à secretaria da escola. “Ele chegou gritando dizendo que tinha sido ferido e que o menino estava armado. Nisso eu e outros funcionários corremos para evitar mais violência”, disse Conceição da Costa, diretora da escola Felipe de Paula.

O jovem ferido não sabe explicar o motivo para a agressão. Diz apenas que três semanas antes passou a ser encarado pelo adolescente, que ficava na frente da escola onde estuda, monitorando seus passos.

Medidas aguardam volta às aulas

Os registros constantes de situações de violência dentro e fora das escolas envolvendo estudantes de instituições públicas levou a Secretaria de Estado de Educação (Seduc), por meio da Assessoria de Segurança Escolar, a apresentar propostas com a intenção de reforçar a segurança nas escolas e combater a violência.

A proposta, que já foi apresentada aos gestores, começa pelo acesso às escolas, que deverão manter os portões fechados. Os alunos terão acesso às dependências devidamente uniformizados. Em situações de aulas extras, um comunicado entre a secretaria e a portaria identificará os alunos em horário especial.

Os servidores deverão ser identificados ao acessar as escolas. No caso de ex-alunos e responsáveis, a proposta prevê agendamento prévio, quando isso envolver busca de documentação. A Segurança Escolar determina ainda evitar ao máximo a comercialização nas dependências e no entorno das unidades de ensino. Para identificar visitantes a proposta recomenda o uso de crachá de acordo com a cor do setor a ser visitado.

A proposta destina também atenção aos que usam bicicletas, carros e motos. Nos dois últimos casos está previsto o ingresso nas escolas apenas para servidores e com as placas fornecidas preliminarmente pela direção à portaria.

REGISTROS

Sobre as ocorrências no interior da escola, a assessoria da Seduc informou que o órgão recomenda que os casos sejam registrados na polícia, na Seduc e aplicado o regime disciplinar da instituição de ensino.

Escolas temem riscos, mas algumas não querem falar

Nas dependências de cinco escolas que visitamos, outra dificulda do DIÁRIO. Algumas pessoas que poderiam fornecer informações, uma vez que lidam com o problema no dia a dia, se recusaram a falar. Outras deram poucas informações, pois temem represálias por causa da questão hierárquica na rede de ensino. “A diretora não pode dar entrevista. Pediu para que fosse na Seduc. Só lá você consegue informações”, disse o porteiro de um dos colégios ao arriscar uma rápida conversa com a reportagem, sem esconder a preocupação da violência que impera entre alunos de distintas escolas.

Na manhã de uma quinta-feira da última quinzena de junho, momento em que pedíamos para falar com a direção do colégio Dom Pedro II, um pai de um aluno acabava de reclamar o furto de objetos que sumiram de dentro da mochila do filho, em sala de aula. No lado de fora da escola a doméstica Selma Farias (nome fictício), ao saber da situação, afirmava que o simples fato de reclamar pode colocar todos em condição de vítimas. “A própria direção da escola fica de mãos atadas. Se chama o aluno que fez o ato, pode sofrer as conseguências aqui fora. Todo mundo tem medo, né? Não vale a pena correr o risco”.

EXEMPLOS DE FORA?

O entrevistado que pediu para ser mencionado na matéria pelo número de 17 contou que não apenas a violência que mora dentro e fora da escola em que estuda o desestimula, mas também a ação de alguns educadores. “Não gosto de me envolver com nada dessas coisas, mas me sinto magoado quando sou tratado com desrespeito por pessoas que deveriam ser exemplos. Dia desses, fiz uma simples pergunta a um professor e ele me chamou de um nome que tenho vergonha de falar, apenas porque pedi pra repetir o que já havia explicado e eu não tinha entendido. A violência já começa por ai. Desmotiva a gente”.

Todos os estudantes entrevistados sempre tocavam no nome de alunos oriundos da Escola Estadual Pedro Amazonas Pedroso, na Almirante Barroso, bairro do Marco. “São alunos de lá que vêm e ficam na frente da escola e ameaçam a gente e pegam qualquer um pra fazer isso”, assegura 15.

A reportagem do DIÁRIO resolveu ir ao Pedroso e conferir a informação. O sistema rigoroso que o Estado precisou implantar já funciona por lá. Número de Identidade e qualquer documento de identificação foram solicitados da equipe. No interior da escola, alunos realizando projetos voltados à preservação do meio ambiente, foram vistos. Com nenhum contado pré-estabelecido, foi possível observar a diferença da repercussão negativa que a escola sofre do lado de fora em meio à sociedade.

A diretora da Amazonas Pedroso, Dircineide Pinto e o professor de Geografia, Marcelo Melo , explicaram que as situações que envolvem o nome do educandário ocorrem na parte externa. “Isso é um problema do poder público. Nossa parte, dentro da escola, é feita com muita dedicação e nos sentimos tristes quando vimos repercutir informações que envolvem o nome da escola de maneira negativa, sem que de fato seja esclarecido”.

Dircilene garante que atualmente consegue se sentir segura com a presença do Estado nas ações de combate à violência nas escolas. “Houve agora união e temos a participação do Ministério Público, das Policias Civil e Militar, do Conselho Tutelar, entre outros, para ajudar numa causa que não é apenas nossa”.

A Escola Pedro Amazonas Pedroso conta atualmente com 4 mil e 600 alunos nos três turnos. Está entre as mais bem estruturadas do Estado com sala de informática, de dança e quadra esportiva. As atividades são destinadas a alunos não apenas nos dias da semana e o esforço dos professores tem levado muitos a entrarem para universidades públicas com aprovação em vestibulares. “Não podemos desligar o aluno que apresenta problema, mas apontamos a saída trabalhando com ele e a família para que possamos tirá-lo da vida negativa e, isso tem dado certo”, assegurou Marcelo.

A diretora Dircilene ressaltou que antes era proibido deixar alunos entrarem com outras camisas por baixo da farda, mas agora houve necessidade de abrir a exceção. “Não deixávamos porque eles poderiam se aproveitar e ir daqui pra outros lugares, que não fosse pra casa. Mas vimos que andar fardado ao sair daqui era perigoso e agora incentivamos o uso de uma segunda camisa por baixo, para que eles deixem de correr o risco”.

Diz ainda que já houve registro de ex-alunos que tomaram as fardas dos estudantes para fazer chacota com o nome da escola. “Tivemos casos de pendurarem a farda, rasgada em lugar impróprio só para afetar o nome da escola. Eles roubam de quem tem a farda e fazem isso”.

Fonte: Diário do Pará

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