aposentadoria prevista para o fim deste ano já está suspensa e o diretor da Escola Municipal Tasso da Silveira, Luiz Marduk, de 55 anos, assume agora um dos desafios mais importantes de sua vida: evitar o êxodo dos alunos aterrorizados pelo massacre na escola de Realengo, Zona Oeste do Rio. Pai de um menino de 12 anos que também estava no colégio, ameaçado pela fúria do atirador, Luiz diz que está sendo muito difícil enfrentar essa dor, mas que encontra forças no carinho que recebe da comunidade escolar. No domingo, o diretor recolheu cada mochila colorida e caderno rabiscado espalhados nas salas pelo desespero que tomou conta do colégio na quinta-feira e participou de um novo abraço à escola, que será reaberta no dia 18.
Antes que a unidade receba novamente os seus estudantes, Luiz Marduk fará uma repaginada no ambiente, que se tornou tão frio e apavorante. Os muros da escola ganharão um cimento liso para que os alunos possam pintar mensagens de saudade, paz e otimismo. No lado de dentro, as paredes também vão ganhar cor e as carteiras com nomes das crianças serão trocadas.
"Vamos viver a dor até ela acabar e vamos vencer a dor. O grande desafio vai ser afastar o fantasma do medo, que fatalmente essas crianças terão, mesmo que sejam transferidas. A fuga não vai apagar esse terror que viveram. Estranho seria se não sentissem vontade de deixar a nossa escola, mas nós vamos convencê-los de que não conseguiremos nos reerguer sem eles. Uma escola só existe se tiver seus alunos e nossa intenção é montar aqui um quartel-general, uma base de esperança", afirmou o professor, com voz calma e segura.
Cada criança receberá tratamento psicológico em casa. Algumas famílias, segundo ele, estão tão traumatizadas que não querem conversar sobre o assunto. "Vamos precisar modificar o ambiente escolar, para diminuir as recordações. Quando a escola reabrir, ela não estará só limpa do sangue. Para isso, contamos com toda a comunidade, que gosta da escola. Aos pouquinhos, vamos conseguir."
Há 32 anos na mesma escola, o professor conta que as cenas de horror não saem da sua cabeça. Seu filho, aluno do 7º ano, estava no segundo andar e precisou correr para o terceiro, onde se refugiou com colegas no auditório. O menino estava apavorado e até levou bronca da professora, porque queria sair da sala e procurar o pai. Ele lembra que a maior preocupação era tirar as crianças do prédio, no "momento de terror e tristeza" de passar pelo corpo do atirador e dos coleguinhas baleados.
"Naquele dia eu cheguei em casa bem tarde e não conseguia dormir. A última vez que olhei o relógio eram 2h30 e antes das 5h eu já estava de pé. Quando me olhei no espelho, me deparei com a realidade. Chorei, chorei, chorei, a ponto de a minha mulher levantar assustada. Fui para debaixo do chuveiro e continuei chorando. Mas respirei fundo e pensei: ′Sou o líder daquela comunidade e não posso esmorecer`. Ainda chorei nos velórios, perdi alunos que também eram meus filhos e crianças que eram minhas vizinhas e que participavam das nossas vidas. A força que tenho vem da confiança que as pessoas estão depositando em mim", disse ele.
Luiz não conheceu Wellington Menezes de Oliveira porque ficou afastado da escola, em outro projeto, entre 1986 e 2005, justamente no período em que o atirador passou por lá. Ele afirma que o massacre aconteceu não por falta de segurança do colégio, mas sabe que o crime bárbaro vai trazer discussões importantes. "Somos preocupados com a segurança, temos portão eletrônico, câmeras nos corredores. Não foi um relaxamento nosso, mas, claro, isso nos fará discutir questões como segurança e bullying. A escola, de uma maneira geral, precisa ser mais bem estruturada. Ter um setor de psicologia para detectar e encaminhar casos especiais, no sentido de minimizar esses efeitos que possam ser influenciados pelo bullying. O que aconteceu com a nossa escola marcará uma era de paz e melhorias para todas as outras unidades."
O professor conta que tem conversado muito com o filho e garante que ele voltará para a Tasso da Silveira. E só se emociona quando encerra a entrevista: "Só saio daqui quando conseguir devolver a todos os alunos o orgulho de estudar na nossa escola".
Artista volta às aulas
A abertura da escola no dia 18 contará com a presença de alguns artistas do público infantojuvenil. Um psicólogo também ficará de plantão na unidade, para todo tipo de atendimento. "Não retomaremos as aulas de imediato. Vamos pensar em atividades de reintegração e ressocialização. Os artistas, por exemplo, entrarão de mãos dadas, convidando nossos alunos a entrar também", contou o diretor Luiz Marduk. Na quarta-feira, um ato ecumênico será realizado em Realengo. A secretaria ainda estuda se o evento será feito no pátio do colégio ou em uma praça do bairro. Uma missa com o arcebispo do Rio, dom Orani Tempesta, estava prevista para esta data, mas foi suspensa. O prefeito Eduardo Paes não autorizou que a celebração fosse feita dentro da escola. Hoje, uma equipe da Companhia de Limpeza Urbana (Comlurb) fará a limpeza da escola. À tarde, os pais dos estudantes poderão retirar o material escolar deixado para trás em meio ao desespero.
Do Estado de Minas
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