sábado, 19 de novembro de 2011

Alunos aprendem a respeitar diferenças

Selma Viana 
Do Diário do Grande ABC

Em anos de magistério, a professora Adriana Maria Pugliese havia presenciado casos de discussões entre alunos na Emeief Julio Nunes Nogueira, no bairro Jardim do Estádio, em Santo André. Junto com outros educadores decidiu criar uma sexta-feira diferente, à qual chamou de ‘convivência'. No trabalho desenvolveu dinâmicas que fizessem os alunos perceber a importância de cada um no espaço coletivo e respeitassem as diferenças.

Os alvos iniciais foram as turmas do 5º ano. "Especialmente porque no ano seguinte não pertenceriam mais à escola. Estavam em fase de transição de local e de imagem", conta a professora Adriana. Os alunos criaram ainda oração ecumênica, aprovada também pelos pais, que era rezada antes das atividades.

No começo deste ano, levou para todo o corpo docente a ideia de ampliar o projeto para os quase 400 alunos da unidade escolar de Santo André.

Aceita a proposta, surgiu o projeto Bullying: como posso ser melhor como cidadão. Adriana viu que a maioria já tinha ouvido falar sobre o tema, mas ela se surpreendeu quando em uma ocasião vários alunos disseram que não sabiam que praticavam bullying. Para alguns, chamar o colega de gordinho, dentucinho e outros termos não era ofensa, mas simples ‘tiração de sarro'. Segundo a educadora, teve até aluno que, por iniciativa própria, foi pedir desculpas ao companheiro de classe.

COBRANÇA FÍSICA
A professora relata que os tipos de ofensas mais comuns são os que fazem referência ao corpo da pessoa e não comportamental. Ela percebeu que os meninos têm tolerância e são solidários ao aluno de inclusão, como o cadeirante, mas não toleram a própria espinha no rosto. "A cobrança física está muito forte na nossa sociedade. Eu acho que o problema principal é a própria mídia que nos diz nas entrelinhas que o cadeirante eu posso e devo aceitar, mas o gordinho não", avalia a educadora.

No trabalho desenvolvido com o projeto há pesquisa, leitura, roda de conversas, elaboração de regras para convivência, produção de cartazes e textos com depoimentos. Os alunos do 5º ano da unidade escolar de Santo André visitam as salas de outros turnos para fazer campanha sobre o assunto.
 

Henrry Rodrigues de Medeiros, 10 anos, é um dos voluntários. Ele conta que presenciou o início de uma briga entre dois colegas, que se empurravam. Outros dois tiveram de segurá-los. "Eu fiquei muito chateado", lamenta.

O aluno cantará à capela a música que será tema do evento para celebrar o término do projeto, no dia 26. Os participantes da festa serão simbolicamente imunizadas com vacina que vai combater vírus e bactérias que podem destruir sentimentos como o respeito, a tolerância, a fraternidade a amizade e o amor.

Festa irá celebrar fim da etapa do aprendizado
O projeto foi tão bem-sucedido que envolveu todos os funcionários da escola. Uma delas é a merendeira Maria Cecília de Oliveira. Enquanto prepara o lanche e o almoço das crianças, as ideias brotam. Quando termina as tarefas da cozinha, se dedica à ação do fim deste mês.

Ela mostrou para as professoras a música Paz pela Paz, do pernambucano Nando Cordel. "A paz do mundo / Começa em mim / Se eu tenho amor, /Com certeza sou feliz / Se eu faço o bem ao meu irmão, / Tenho a grandeza dentro do meu coração", diz o início da canção. A música será cantada por coral formado por 51 alunos do 5º ano. Roupas e coreografias são ideias dela. "Temos a pomba como símbolo da paz, então decidi transformar as crianças no próprio símbolo. No final será pendurada a bandeira de Santo André", conta Maria Cecília, toda orgulhosa.

Caráter é mais importante que cor da pele 
A professora Andréa Abrahão de Almeida, da Emeief Vinicius de Moraes, do bairro Camilópolis, em Santo André, sempre se intrigou com a definição da chamada cor de pele, também usada como cor salmão ou bege. Nas atividades escolares, ela percebeu que muitos alunos ainda identificavam os lápis e as canetas hidrocor desse modo, o que causava-lhe estranheza por restringir apenas a uma cor algo tão plural como os tons de pele, principalmente no Brasil.

Ainda mais atenta a comportamentos na sala de aula que poderiam vir a se tornar, entre outras coisas, bullying, ela teve então a ideia de usar essa observação da cor de pele para provocar entre as crianças um questionamento maior sobre as diferenças pessoais, sociais, étnicas, econômicas, entre tantas outras que fazem parte da vida delas.

"O objetivo era mostrar que mais do que bonito ou feio existe o diferente, e a partir daí trabalhamos o respeito e a tolerância entre eles", conta Andréa. Do ponto de vista prático, ela conseguiu aumentar a aceitação entre alunos, evitando exclusões, entre eles sob justificativas do coleguinha ser gordinho, de etnia diferente, tímido ou coisas ainda mais banais como de time de futebol concorrente.

"Eu os questionava sobre o que aconteceria se todos eles torcessem para o mesmo time, lembrando que não seria possível ter jogos, campeonatos...", lembra a professora Andréa, acrescentando: "É aí que eles percebem a importância dessas diferenças, ficam mais tolerantes e melhoram a convivência entre si".

NA PRÁTICA
Utilizando linguagem e atividades apropriadas para a média de 5 anos de idade dos alunos, Andréa trabalhou bastante com materiais de conteúdo artístico e rodas de conversa. Para isso, ecorreu a pesquisa, recortes de revistas, montagem, desenho e colagem. Os trabalhos foram concentrados em reunir perfis de pessoas bem diferentes, abordando desde os aspectos físicos, como cor dos olhos, tom de pele, tipo de cabelo, idade, altura e peso, sendo ampliado para outras questões, como quantidade e preferências por times de futebol, gostos alimentares, formas de se vestir, entre outros.

O ponto alto do trabalho foi quando a professora dividiu duas atividades, aparentemente sem conexão para os alunos. Primeiro eles foram solicitados a fazer desenhos com colagens, usando pedacinhos de papel da mesma cor e cortados no mesmo formato e do mesmo tamanho. Em seguida, tinham de fazer o mesmo procedimento, só que dessa vez usando pedaços de papel coloridos e em formatos geométricos e de tamanhos diferentes.

"Quais os desenhos que vocês mais gostaram?", perguntou Andréa à turma, ao fim das atividades. E ela ficou muito satisfeita ao ouvir, em unanimidade, que o preferido eram os cartazes montados com pedaços de papel diferentes. Lição mais do que aprendida. (Mirela Tavares)

É na infância que se forma cidadãos corretos
"Esse é um tipo de projeto muito importante, até mesmo por conta de outros trabalhos que temos aqui, como a campanha pela paz", afirma a vice-diretora Denise Marreiro de Oliveira, ressaltando a importância de se abordar desde cedo questões como essa, com o objetivo de aumentar a tolerância e o melhor convívio entre as pessoas. Para a professora Andréa, uma vez conscientes desde pequenos de que todos podem conviver mesmo sendo ou tendo preferências diferentes, fica ainda mais fácil dar os próximos passos na busca por mudanças de atitudes mais positivas em relação ao outro.

Pelo menos na Emeief Vinicius de Moraes, sentados à mesa em uma roda de conversa para lembrar do projeto Lápis Cor de Pele, as crianças se dividiram entre corintianos e são-paulinos, mas todos estavam felizes em ser colegas e ter com quem brincar na escola. (Mirela Tavares)

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