Pela violência, a escola vem perdendo seu sentido mais digno: o de bem formar cidadãos para uma sociedade da paz
Professores tentam cumprir ofício, apesar do medo de violência (DEIVYSON TEIXEIRA)
"O segredo é fazer amizade com os alunos mais problemáticos e conhecer um pouco a realidade do entorno da escola", resume um professor de matemática da rede municipal de ensino de Maracanaú e da rede estadual de Fortaleza. Na profissão há 12 anos, ele conhece os riscos do magistério e a violência que ronda as escolas. Vem tentando cumprir seu ofício “com jogo de cintura”, numa rotina calejada por vivências contrárias ao que, teoricamente, deveria ser o dia a dia de uma instituição de ensino.
Reflexivo, ele conta as diversas histórias de insegurança e temor que permeiam a carreira. “Já quebraram o para-brisa do meu carro e fui ameaçado de morte por ter comunicado à direção a situação de alunos bêbados que atrapalhavam minha aula. Já ensinei chefe perigoso de tráfico, que eu deixava sair quando quisesse da sala. Para ele, dava a nota que ele precisasse, mesmo não sendo a realidade. Só não passou, porque o tráfico matou antes. Tem escolas que a gente até evita dar aula perto da janela, com medo de ‘bala perdida’, como eles dizem quando ameaçam a gente”, relata.
Não existem estatísticas formais, no Estado, sobre violência nas escolas. No Ceará, oito casos ganharam maior repercussão e assustaram a população, neste ano. É pela experiência que o presidente do Sindicato dos Professores e Servidores no Estado do Ceará (Apeoc), Anísio Santos de Melo, arrisca palpites. “São cerca de 15 denúncias por mês que recebemos sobre diversas situações que o professor e a escola, como um todo, sofrem”. Segundo Anísio, elas se referem a ameaças e agressões de alunos contra professores, porte e uso de armas, consumo de drogas, furtos e assaltos, e violência contra o patrimônio. “É triste ver que a escola, hoje, é também território do crime, como estamos reféns das drogas, do tráfico”, lamenta.
Vítimas e algozes
Acuado, o professor, seja de escola pública ou particular, hoje, se vê à mercê do medo e da indisciplina dos estudantes, principalmente, do ensino médio. Jovens professores saem da faculdade despreparados diante da realidade que os frustra e os desmotiva para um trabalho mais eficiente de preparação dos estudantes. Diante de uma gestão que não adota medidas de socialização e maior envolvimento escola-família-aluno, a violência, que vem de fora, entra na escola, sem empecilhos.
O ponto de vista é defendido pela professora universitária Abniza Pontes de Barros Leal. Docente de cursos de formação de professores, da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e Faculdade Integrada do Ceará (FIC), ela avalia que há uma distância prejudicial muito grande entre a formação e a prática dos professores. “Hoje, eles precisam ser pais, mães, psicólogos, assistentes sociais. Grande parte dos alunos chega à escola sem uma boa formação familiar, sem educação, sem limites. Sem ter como dar conta sozinha da responsabilidade de educar, a escola abarca meninos e meninas vítimas, que logo se tornam algozes”, relata.
Abniza enxerga a violência moral, imputada por crianças e jovens, entre eles próprios e ao professor, como a pior que existe no ambiente escolar e a que mais permite a entrada de tantos outros malefícios sociais nas salas de aula. “A violência moral agride valores particulares, vai contra a ética de cada um. Isso fragiliza toda a escola. É pela boa gestão que se começa a barrar essa violência. É preciso termos consciência que é pela violência moral que vem o desrespeito à sala de aula e os outros tantos casos de violência que nos assombram hoje. Perde-se, nisso tudo, o objetivo maior da escola que é formar para a cidadania”, defende.
Com o olhar esperançoso de quem “veio da escola pública e venceu”, o professor de matemática parece entender e perdoar seus aparentes carrascos. “Esses meninos não são carentes só de família, mas de Estado também. Não tem lazer onde moram. Para eles, a escola perdeu mesmo seu objetivo e passou a ser o ponto de encontro com o outro. É lá, onde pedem a atenção que nunca veio, e a violência deles é reflexo disso”, reflete. De maneira enfática, ele relembra por que vale a pena acreditar e investir na educação. “Minha maior alegria é saber que ex-alunos estão na faculdade, conseguiram se dar bem na vida”.
Saiba mais
Violência nas escolas
2010
25/3, em Sobral – Um adolescente foi morto no Centro de Educação de Jovens Adultos Cecy Cialdini. Foi atingido por disparos na cabeça.
19/3, em Fortaleza - B andidos entraram em escola no Passaré, durante comemoração do dia das mães, renderam e assaltaram pais, alunos e professores.
8/6, em Aquiraz -Cinco assaltantes invadiram a Escola Municipal Maria de Castro Bernardo e levaram 22 notebooks .
5/10, em Fortaleza – Estudante foi baleada por um colega no Bom Jardim.
5 /10, em Maracanaú - Vigilante e professor foram rendidos, ameaçados e espancados por quatro homens.
2011
28/3, em Fortaleza – Jovem de 19 anos foi assassinado dentro de escola no bairro Prefeito José Walter.
4/5, em Fortaleza – Jovem de 23 anos foi assassinado dentro da Escola Joaquim Alves, no bairro Panamericano.
26/5, em Caucaia - Um aluno da Escola Luiza Correia Sales, na praia da Tabuba, tentou agredir com um canivete uma professora.
21/6, em Fortaleza – Adolescente de 17 anos foi assassinada e outra ficou ferida após briga com colega de sala, dentro da sala de aula, no Curió.
13/9, em Maracanaú -Professores e alunos da escola Maria de Lourdes da Silva foram assaltados dentro da sala.
9/11, em Aquiraz - Estudante de 14 anos ameaçou, com um estilete, o diretor de uma escola pública no distrito de Tapera, em Aquiraz.
9/11, em Fortaleza - Uma jovem de 16 anos, no Montese, foi flagrada na sala de aula com 50 papelotes de cocaína.
Fonte: O Povo
Sara Rebeca Aguiar
sararebeca@opovo.com.br
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