Esta prática pode estar na base de uma relação conflituosa com a alimentação e com a imagem corporal, podendo levar à obesidade e a patologias associadas como a depressão
O estudo, sem precedentes, envolveu 609 adolescentes do sexo feminino, 5475 mulheres adultas e 335 homens.
A investigação, que integrou diversas abordagens sobre os problemas de comportamento alimentar, foi realizada, entre 2013 e 2017, por investigadores da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) e da Faculdade de Medicina e Saúde da Universidade de Leeds, Reino Unido.
Numa primeira fase, os investigadores focaram-se em perceber quais os fatores de risco para o desenvolvimento de problemas de comportamento alimentar na adolescência, acompanhando, ao longo de três anos, 609 adolescentes do sexo feminino de escolas rurais e urbanas da Região Centro do país, com idades compreendidas entre os 12 e os 18 anos.
Concluiu-se que adolescentes que passaram por experiências de bullying tendem a desenvolver sentimentos de vergonha em relação à sua imagem corporal e a iniciar comportamentos desregulados com a comida.
Ou seja, o bullying está na base de “uma relação complicada com a ingestão de comida. Quando as adolescentes atribuem ao corpo a razão pela qual são vítimas de bullying podem começar a adotar comportamentos alimentares desregulados, como forma de corrigir aquilo que percecionam como uma inferioridade e que poderá estar na base dessas interações negativas com pares”, explica Cristiana Duarte, investigadora principal do projeto do qual resultou a sua tese de doutoramento, orientada por José Pinto-Gouveia, Professor Catedrático e Coordenador do Centro de Investigação do Núcleo de Estudos e Intervenção Cognitivo-Comportamental da UC (CINEICC), e James Stubbs, Professor e Investigador da Faculty of Medicine and Health da Universidade de Leeds.
A equipa avaliou também o problema na população adulta, a partir da autoavaliação com base em memórias de experiências negativas da infância e da adolescência, bem como em experiências na idade adulta associadas a vergonha e a dificuldades de regulação emocional e do comportamento alimentar. Foram realizados vários estudos que envolveram 3125 mulheres e 335 homens da população geral portuguesa com diversos graus em termos de peso (desde magreza, peso normal, a obesidade), 2.236 inglesas com excesso de peso e obesidade e 114 mulheres diagnosticadas com Perturbação de Ingestão Alimentar Compulsiva.
De uma forma geral, observou-se que “memórias deste tipo de experiências negativas na infância e adolescência se associam também a vergonha corporal na idade adulta”, afirma Cristiana Duarte, mas a situação agrava-se em mulheres com excesso de peso e obesidade: “a vergonha corporal, o autocriticismo e tentativas de evitamento destes estados internos negativos parecem estar relacionados com uma pior regulação do comportamento alimentar, nomeadamente com sintomas de ingestão alimentar compulsiva, e a dificuldades na perda de peso. Estas dimensões parecem ser também muito importantes na ocorrência de episódios de descontrolo alimentar no sexo masculino”.
“Estes episódios de ingestão compulsiva são posteriormente seguidos de culpa, vergonha e autocrítica, aumentando a probabilidade de ocorrência de novos episódios de descontrolo, alimentando-se assim um círculo vicioso”, frisa a investigadora.
Com base nos resultados obtidos, os investigadores desenvolveram o programa CARE, um programa de intervenção psicológica de curta duração (quatro semanas) focado no desenvolvimento de competências para fomentar uma gestão equilibrada da alimentação.
Foi, depois, testado num estudo piloto em 20 mulheres com Perturbação de Ingestão Alimentar Compulsiva e revelou-se eficaz. No final da intervenção notou-se uma redução significativa de sintomas de ingestão alimentar compulsiva e de outros sintomas de comportamentos alimentares perturbados, de dificuldades relacionadas com a imagem corporal, autocriticismo e indicadores de depressão.
Os diversos resultados obtidos ao longo de todo o estudo revelam a necessidade de se “incluir no Sistema Nacional de Saúde abordagens inovadoras que complementem as terapêuticas convencionais de prevenção e tratamento destes problemas de saúde pública”, refere Cristiana Duarte.
O que distingue este estudo, conclui, é o facto de “estas dificuldades terem sido analisadas num contínuo de severidade desde adolescentes e mulheres e homens adultos da população geral, até casos onde estas problemáticas adquirem um caráter mais severo, como em pessoas com excesso de peso e obesidade, até doentes com Perturbações do Comportamento Alimentar”.
Comunicado de Imprensa
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