sábado, 28 de julho de 2012

Lei que institui FAP cria bullying empresarial


No ano de 2001, três economistas dividiram o Prêmio Nobel com a tese de que a existência de “Informações Assimétricas” nos negócios é muito ruim para as relações econômicas.

O problema da assimetria de informações pode ser facilmente compreendido, por ex., quando se adquire um carro usado com base nas informações do vendedor, e pouco depois, se constata que comprou uma bomba. Ou seja, quando uma das partes dispõe de informações que a outra não tem condições de saber, é muito arriscado para o equilíbrio nos negócios.

A assimetria de informações tem como subproduto o chamado “risco moral”, que surge como consequência da falta de transparência, o que favorece a concretização de manobras oportunistas. E os prejuízos são grandes. Quando se paga mais do que o justo por qualquer coisa, o custo envolvido aumenta. Medidas compensatórias (e até mesmo retaliatórias) costumam ser desencadeadas por quem se sentiu lesado. Muitas vezes incluem ações judiciais, contratação de experts, e outros esperneios bem onerosos.

A Lei 10.666/2003 (que instituiu o Fator Acidentário de Prevenção — FAP) se concretiza em um ambiente sobrecarregado de informações assimétricas, o que eleva ao extremo o problema do risco moral. E a falta de confiabilidade da base de dados do INSS só faz aumentar este dilema.

O cálculo do FAP é alimentado por dados sigilosos e o seu processamento não está sujeito a monitoramento algum. Uma empresa pode ter a sua alíquota catapultada em até 600%, com base em dados cadastrais de milhares de pessoas e de empresas que ela desconhece. Não se sabe sequer se esses dados realmente existem ou se resultam de fraudes. Os únicos dados acessíveis são os do próprio contribuinte. Também pudera! A situação é comparável a estar num observatório intergaláctico com a permissão de enxergar apenas uma estrelinha.

O FAP propõe um ranqueamento tarifário, diz o regulamento, com base numa “performance” das empresas, comparadas umas com as outras. Mas a ausência de divulgação dos dados que compõem os cálculos gera grande insegurança. É como se o piloto Felipe Massa fosse obrigado a aceitar a sua posição no grid sem que tivesse acesso ao tempo dos demais concorrentes. Isto é demais! A pessoalidade na tributação também fica totalmente prejudicada. O problema da assimetria de informações se agrava diante da metodologia idealizada pelo MPAS. A metodologia do FAP foi engendrada com abuso de forma e se ressente de praticidade material. A leitura das resoluções previdenciárias é de anestesiar o raciocínio! Algo assim como tentar “aprender japonês em braile”.

Por essas e outras é que entendemos que o FAP é radicalmente inconstitucional. O problema da assimetria de informações repercute seriamente em princípios como o da legalidade tributária, da segurança jurídica, da publicidade, da motivação, da razoabilidade, entre outros. A Lei 10.666 também acentua o risco moral — no caso, o risco de imoralidades administrativas —, como fraudes e manipulação de dados, a despeito da bem elaborada retórica dos “vendedores de seguro” da poderosa Seguradora Estatal.

Note-se que hoje, como dantes, o Executivo usa o mesmo álibi teórico para tentar corromper o sistema tributário. Lamentavelmente, no passado, o Judiciário simplesmente reverberou o discurso administrativo, que alegava fazer uma análise criteriosa das estatísticas com a efetivação de objetivos extrafiscais. O argumento de cunho social emplacou, e, de forma temerária, foi admitida, na ocasião, uma “flexibilização da legalidade” na regra matriz do SAT.

O momento atual é extremamente oportuno para que se descortine o paradigma de conduta administrativa que despontou no espaço de liberdade discricionária tolerado na abertura conceitual das leis de regência anteriores. Um quadro escandaloso. Um exame mais detido dos sucessivos enquadramentos que vigoraram entre os anos 1976 até 2007 (decretos 7.903/76, 83.081/79, 356/91, 612/92, 2.173/97 e 3.048/99) permite constatar que a Administração jamais realizou qualquer análise de risco das atividades empresariais, e que as tabelas de enquadramento não passavam de cópias xerox uma das outras, sem qualquer correlação com as estatísticas de acidentes. A práxis administrativa escondia uma fraude. Os graus de risco foram escalonados com base no “achômetro”, durante mais de 30 anos, ocasionando o reverso da extrafiscalidade alegada.

Como numa crônica anunciada, o FAP, agora, reproduz vícios semelhantes, também escudado em informações assimétricas. Cita-se aqui, apenas o exemplo das manobras cabalísticas que acompanharam a divulgação do índice do FAP/2010: (i) No dia 30.09.2009, o MPAS divulgou o índice do FAP das empresas, acompanhado de um extrato com os dados que teriam sido utilizados para alimentar a metodologia de cálculo; (ii) surpreendentemente, no dia 13 de outubro de 2009, foi divulgado um segundo extrato, exibindo dados diferentes do extrato original, mas mantendo o mesmo índice do FAP; (iii) por incrível, no dia 28 de outubro de 2009, foi divulgado ainda um terceiro extrato, exibindo dados diferentes dos extratos anteriores, mas mantendo o mesmo o índice do FAP. Como isso é possível? Que fórmula é esta que mesmo sendo alterada a sua base de cálculo, por diversas vezes, sempre exibe o mesmo resultado? O superego previdenciário explodiu. 

A Lei 10.666 está produzindo uma espécie de bullying fiscal.

A omissão do controle judicial nesta questão, permite que o risco moral da assimetria de informações se converta em verdadeiro sarcasmo à ordem jurídica. E ficará ainda pior, se a legalidade tributária sair de moda, como sugerem alguns.

Rodrigo Bueno é advogado tributarista do escritório Pereira e Pereira Advogados Associados.

Fonte: Revista Consultor Jurídico

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