Parece uma história de filme negro. E Rui conta-a nervoso. Um grupo de
colegas da residência de estudantes onde vive planearam colocar-lhe
drogas na comida e envenenar outro colega. A denúncia chegou até aos
Serviços de Acção Social da Universidade de Lisboa (SASUL). Mas o
ambiente de perseguição continuou. Só agora denuncia porque está
finalmente, aos 37 anos, a concluir o curso - interrompeu os estudos
para trabalhar.
Contactados os SASUL, a administradora Valentina Matoso diz que o
episódio tem três anos. A queixa sobre o que se passou na Residência
António Aleixo, em Lisboa, foi "reportada ao administrador, tendo sido
objecto de análise com audiência dos envolvidos". Não adianta detalhes.
"Na altura foram aplicadas sanções consideradas adequadas pelo
administrador. Por comportamento erróneo, foi decidida a expulsão de um
elemento, que não chegou a concretizar-se, porque o aluno entretanto
saiu da residência." Por fim, o queixoso "insiste em falar sobre o
acontecimento, que foi encerrado e teve as consequências tidas por
necessárias".
Rui não percebe por que não o ouvem quando diz que é "vítima de bullying". Queixa na polícia nunca houve. Porque queriam alguns colegas drogá-lo? "Acho que queriam levar-me ao suicídio." Rui já teve depressões. Admite que "o clima de perseguição" decorre das suas tentativas de acabar com as regras da praxe na residência. Que praxe é esta? "A praxe é alunos seminus, com uma toalha à cintura e um dildo gigantesco com o qual têm de simular sexo oral, enquanto lhes vai sendo entornado um líquido. No final, os alunos que praxam dão aos praxados comida para gato, para disfarçar o sabor... Tirei fotografias desta praxe e mostrei-as ao antigo administrador. E também já mostrei à actual administradora."
Nos dois primeiros anos de residência, Rui, que não foi praxado, teve de ficar com o "pior quarto" da casa. Hoje tem o melhor, porque é o residente mais velho.
No final de Junho, o PÚBLICO enviou várias perguntas à administradora dos SASUL, Valentina Matoso. Depois de um segundo contacto insistindo numa resposta, os SASUL responderam em meados de Julho, num email que lembra que o aluno em causa é bolseiro há dez anos, ao abrigo de um despacho (o nº 12780-B/2011) que prevê condições especiais de atribuição de bolsas a estudantes que não obtenham aproveitamento escolar por motivo de doença grave prolongada, "ou outras situações especialmente graves ou socialmente protegidas".
Rui, aluno de Arte e Multimédia, não gosta muito de falar do seu passado. Diz que nunca teria meios para estudar, se não estivesse na residência. "Estou ali porque a vida não me deu outras possibilidades."
A administradora dos SASUL lembra que "as condições de alojamento nas residências pressupõem a partilha de espaços, quartos e áreas comuns, pelo que é indispensável a existência de algumas regras, definidas no Regulamento do Alojamento, no Contrato e nos Estatutos da Residência". Os estatutos da António Aleixo - propostos pela comissão de residentes, eleita pelos estudantes - "fazem alusão à figura da praxe e salvaguardam todos os que não queiram participar neste ritual académico". O PÚBLICO consultou os estatutos e o que neles se lê é que "durante a praxe nenhum residente poderá ser obrigado a realizar algo que não queira, devendo este, ainda assim, não prejudicar a festa de tal modo redutor que impossibilite a prossecução da praxe."
Contudo, quem não é praxado pode ser prejudicado. O artigo 14.º estabelece as regras da "escolha de quartos e armários" e determina que quem tem mais anos de residência escolhe primeiro. Mas "o residente que não tiver realizado a praxe, e numa situação de escolha idêntica à de um residente "praxado" com os mesmos anos de casa, terá de ceder perante este. Assim, o título de "praxado" servirá como critério secundário de desempate". A redacção deste texto é de 2009/10.
Lixo pendurado no armário
A universidade garante que "nem o provedor do Estudante nem os SASUL receberam qualquer reclamação de residentes por actos menos respeitáveis". Com uma excepção: Rui. "Os relatos deste aluno (...) foram averiguados e após se ter contactado com todos os residentes, individualmente, não se obteve informação que assevere os acontecimentos", afirma Matoso.
"Não tenho nada contra praxes, em geral, são uma forma de as pessoas conviverem e se conhecerem... mas na residência a praxe serve para dividir os estudantes", diz Rui. "Se entro na sala de estudo, é só risadinhas. Se está a haver uma reunião, eles interrompem. Já me sujaram a roupa lavada e arrombaram-me o móvel da cozinha mais do que uma vez. Uma vez foi no dia do meu aniversário. Era para me estragar o dia. Resultou."
Nos dias que se seguem ao encontro com o PÚBLICO, Rui foi relatando por email: "Esta semana puseram três vezes lixo pendurado no meu armário da cozinha. Três vezes em 15 minutos. Era só eu ir ao quarto que quando voltava já lá estava outra vez." Não são todos os alunos. São alguns - a casa tem capacidade para 32 rapazes, dois por quarto, em geral. Em Setembro chegam novos residentes. Rui diz que só quer garantir que "não lhes fazem a vida negra" como a ele.
Rui não percebe por que não o ouvem quando diz que é "vítima de bullying". Queixa na polícia nunca houve. Porque queriam alguns colegas drogá-lo? "Acho que queriam levar-me ao suicídio." Rui já teve depressões. Admite que "o clima de perseguição" decorre das suas tentativas de acabar com as regras da praxe na residência. Que praxe é esta? "A praxe é alunos seminus, com uma toalha à cintura e um dildo gigantesco com o qual têm de simular sexo oral, enquanto lhes vai sendo entornado um líquido. No final, os alunos que praxam dão aos praxados comida para gato, para disfarçar o sabor... Tirei fotografias desta praxe e mostrei-as ao antigo administrador. E também já mostrei à actual administradora."
Nos dois primeiros anos de residência, Rui, que não foi praxado, teve de ficar com o "pior quarto" da casa. Hoje tem o melhor, porque é o residente mais velho.
No final de Junho, o PÚBLICO enviou várias perguntas à administradora dos SASUL, Valentina Matoso. Depois de um segundo contacto insistindo numa resposta, os SASUL responderam em meados de Julho, num email que lembra que o aluno em causa é bolseiro há dez anos, ao abrigo de um despacho (o nº 12780-B/2011) que prevê condições especiais de atribuição de bolsas a estudantes que não obtenham aproveitamento escolar por motivo de doença grave prolongada, "ou outras situações especialmente graves ou socialmente protegidas".
Rui, aluno de Arte e Multimédia, não gosta muito de falar do seu passado. Diz que nunca teria meios para estudar, se não estivesse na residência. "Estou ali porque a vida não me deu outras possibilidades."
A administradora dos SASUL lembra que "as condições de alojamento nas residências pressupõem a partilha de espaços, quartos e áreas comuns, pelo que é indispensável a existência de algumas regras, definidas no Regulamento do Alojamento, no Contrato e nos Estatutos da Residência". Os estatutos da António Aleixo - propostos pela comissão de residentes, eleita pelos estudantes - "fazem alusão à figura da praxe e salvaguardam todos os que não queiram participar neste ritual académico". O PÚBLICO consultou os estatutos e o que neles se lê é que "durante a praxe nenhum residente poderá ser obrigado a realizar algo que não queira, devendo este, ainda assim, não prejudicar a festa de tal modo redutor que impossibilite a prossecução da praxe."
Contudo, quem não é praxado pode ser prejudicado. O artigo 14.º estabelece as regras da "escolha de quartos e armários" e determina que quem tem mais anos de residência escolhe primeiro. Mas "o residente que não tiver realizado a praxe, e numa situação de escolha idêntica à de um residente "praxado" com os mesmos anos de casa, terá de ceder perante este. Assim, o título de "praxado" servirá como critério secundário de desempate". A redacção deste texto é de 2009/10.
Lixo pendurado no armário
A universidade garante que "nem o provedor do Estudante nem os SASUL receberam qualquer reclamação de residentes por actos menos respeitáveis". Com uma excepção: Rui. "Os relatos deste aluno (...) foram averiguados e após se ter contactado com todos os residentes, individualmente, não se obteve informação que assevere os acontecimentos", afirma Matoso.
"Não tenho nada contra praxes, em geral, são uma forma de as pessoas conviverem e se conhecerem... mas na residência a praxe serve para dividir os estudantes", diz Rui. "Se entro na sala de estudo, é só risadinhas. Se está a haver uma reunião, eles interrompem. Já me sujaram a roupa lavada e arrombaram-me o móvel da cozinha mais do que uma vez. Uma vez foi no dia do meu aniversário. Era para me estragar o dia. Resultou."
Nos dias que se seguem ao encontro com o PÚBLICO, Rui foi relatando por email: "Esta semana puseram três vezes lixo pendurado no meu armário da cozinha. Três vezes em 15 minutos. Era só eu ir ao quarto que quando voltava já lá estava outra vez." Não são todos os alunos. São alguns - a casa tem capacidade para 32 rapazes, dois por quarto, em geral. Em Setembro chegam novos residentes. Rui diz que só quer garantir que "não lhes fazem a vida negra" como a ele.
Por Andreia Sanches
Fonte: Público PT
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