O bullying, um anglicanismo de sentido e interpretação múltipla, é tratado de forma diferente na literatura jurídica, consoante os autores que se lhe referem. Para alguns, o conceito corresponde ao assédio escolar – “uma forma particular de violência associada sempre a uma relação de poder entre alguém que se apresenta como superior e um seu igual que se considera inferior e incapaz de responder à agressão” – enquanto outros amplificam o significado do conceito, integrando nesta categoria diferentes formas de indisciplina escolar.
Refletindo sobre o “fim das ideologias” e a prevalência do “narcisismo consumista”, uma tese muito em voga no final do século passado, Victor Cunha Rego escreveu na crónica que manteve dia a dia na última página do Diário de Notícias, “O mundo de violência foi, durante séculos, o dos adultos. Desde o fim dos anos 60 passou a ser o dos jovens”.
Se hoje fosse vivo, reagiria à vaga de notícias sobre violência entre os mais jovens com o proverbial horror que lhe merecia o declínio do que chamava “o espaço humanista” lamentando, muito provavelmente, que os jovens de sessenta a que se referia, essencialmente universitários contestatários e antissistema, são hoje os pais e avós soixante-huitards cujos filhos e netos são autores e vítimas precoces dos mais variados atos de indisciplina e violência entre pares.
Sinais destes tempos, a sociedade em geral e a comunidade educativa em particular debatem há vários anos, especialmente na última década, o fenómeno da violência escolar. Mais lenta a reagir, por hábito e necessidade de assegurar objetividade nas propostas que formula, a comunidade jurídica também participa na discussão e vem dando suporte a algumas soluções legais para o problema de lidar com este fenómeno (para quem queira aprofundar o tema, vale a pena consultar a publicação do Centro de Estudos Judiciários (CEJ), disponível na sua página da Internet, “O bullying e as novas formas de violência entre os jovens – indisciplina e delitos em ambiente escolar”).
O resultado lógico deste processo foi o robustecimento da resposta jurídico-disciplinar patente no Estatuto do Aluno, cujas sucessivas revisões apontam num sentido cada vez mais disciplinador e a consensualização da ideia de que este fenómeno extravasa, nas suas causas e efeitos, os muros da escola, exigindo uma abordagem que contemple a intervenção ao nível familiar e social.
A criminalização do bullying
O bullying, um anglicanismo de sentido e interpretação múltipla, é tratado de forma diferente na literatura jurídica, consoante os autores que se lhe referem. Para alguns o conceito corresponde ao assédio escolar – “uma forma particular de violência associada sempre a uma relação de poder entre alguém que se apresenta como superior e um seu igual que se considera inferior e incapaz de responder à agressão” (Ana Teresa Leal, na publicação do CEJ citada, página 94) – enquanto outros amplificam o significado do conceito, integrando nesta categoria diferentes formas de indisciplina escolar.
A questão não é irrelevante porque o significado jurídico atribuível a “bullying” é decisivo na forma como o legislador elabora as soluções que converte em regras a cumprir.
Entre nós, a resposta mais estruturada ao nível penal que surgiu nos últimos anos foi a proposta de criminalização do school bullying, que consta da Proposta de Lei n.º 46/XI/2.ª, apresentada pelo XVIII Governo Constitucional à Assembleia da República, em dezembro de 2010.
Apesar de se tratar de uma iniciativa legislativa que caducou, vale a pena rever esta proposta que integrava no catálogo dos crimes contra a integridade física, previstos e punidos pelo Código Penal (Decreto-Lei n.º 48/95, sucessivamente alterado) um novo tipo-legal, o crime de violência escolar. Assim, com o objetivo declarado de proteger o bem jurídico “ambiente escolar”, foi proposta a criminalização das condutas de membros da comunidade escolar que, “de modo reiterado ou não”, “infligem maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais, a membro de comunidade escolar” a que pertençam. No mesmo sentido, a tipificação deste crime previa a sanção do mesmo tipo de condutas quando praticadas contra membro da comunidade escolar por pais de alunos e seus ascendentes até ao 3.º grau (ou seja, incluindo avós e tios) ou por quem fosse titular do exercício de responsabilidades parentais.
As penas previstas iam de um a cinco anos de prisão, agravadas nos seus limites mínimo e máximo para dois a oito anos de prisão no caso de resultar em ofensa à integridade física grave ou de morte da vítima, caso em que a pena prevista era de três a dez anos de prisão.
Naturalmente, da prática deste crime podia resultar uma punição superior se, num exemplo extremo, se viesse a apurar que se tratava de um hipotético crime de homicídio qualificado.
Um dos efeitos mais relevantes desta proposta era a possibilidade, criada pela tipificação do crime de violência escolar, de aplicar medidas tutelares educativas aos agentes menores com idades compreendidas entre os 12 e os 16 anos de idade que, por esse facto, são inimputáveis para efeitos da lei penal.
As medidas tutelares educativas (admoestação, privação do direito de conduzir ciclomotores, reparação do ofendido, prestação de tarefas económicas ou tarefas a favor da comunidade, imposição de regras de conduta, imposição de obrigações, frequência de programas formativos, acompanhamento educativo e internamento) são uma competência dos tribunais de família e menores e encontram-se reguladas pela Lei Tutelar Educativa (Lei n.º 166/99, alterada pela Lei n.º 4/2015).
O bullying na ordem jurídica vigente: o estatuto do aluno
Em Portugal, apesar de não existir um crime específico de violência escolar, o que poderia ter um efeito dissuasor deste tipo de comportamentos, prevenindo o surgimento de situações de bullying (desde logo porque sinalizava publicamente a punibilidade deste crime, muitas vezes socialmente desvalorizado, e porque a natureza pública do crime, tal como estava previsto, dispensava a existência de queixa para que o Ministério Público promovesse o procedimento penal), existem diferentes instrumentos jurídicos destinados a combater este fenómeno.
Em primeira linha, o Estatuto do Aluno e da Ética Escolar (Lei n.º 51/2012) prevê um conjunto de deveres do aluno, nomeadamente os previstos nas alienas i) e j) do artigo 10.º, destinados a prevenir os comportamentos normalmente associados ao bullying e cujo incumprimento faz incorrer o seu autor em infração disciplinar e na eventual aplicação de medidas disciplinares corretivas (advertência, ordem de saída da sala de aula e locais de trabalho escolar, realização de tarefas e de atividades de integração na escola ou na comunidade, condicionamento de utilização de certos espaços escolares ou equipamentos e a mudança de turma, previstas no artigo 26.º) ou de medidas disciplinares sancionatórias (repreensão registada, suspensão, transferência e expulsão da escola, previstas no artigo 28.º).
Além dos alunos, este Estatuto faz impender sobre os pais ou encarregados de educação o dever de “reconhecer e respeitar a autoridade dos professores no exercício da sua profissão” (artigo 43.º, alínea f), uma dimensão fundamental do funcionamento das escolas e da prevenção da violência, e o dever de “contribuir para a preservação da segurança e integridade física e psicológica de todos os que participam na vida da escola” (artigo 43.º, alínea h), estando previstas contraordenações para aqueles que, consciente e reiteradamente, não asseguram o cumprimento, pelos seus filhos ou educandos, das medidas disciplinares a que estejam sujeitos, nomeadamente as atividades de integração na escola e na comunidade e a comparência em consultas ou terapias prescritas por técnicos especializados.
Ainda no âmbito do Estatuto do Aluno, é importante referir o papel do diretor do agrupamento de escolas que, “perante situação de perigo para a segurança, saúde, ou educação do aluno, designadamente por ameaça à sua integridade física ou psicológica, deve (…) diligenciar para lhe pôr termo, pelos meios estritamente adequados e necessários e sempre com preservação da vida privada do aluno e da sua família, atuando de modo articulado com os pais, representante legal ou quem tenha a guarda de facto do aluno” (artigo 47.º, n.º 1), solicitando, “quando necessária, a cooperação das entidades competentes do setor público, privado ou social” (n.º 2), mesmo “quando se verifique a oposição dos pais, representante legal ou quem tenha a guarda de facto do aluno” (n.º 3), caso em que “deve comunicar imediatamente a situação à comissão de proteção de crianças e jovens com competência na área de residência do aluno ou, no caso de esta não se encontrar instalada, ao magistrado do Ministério Público junto do tribunal competente” (n.º 3). Estas disposições, para lá do efeito prático que lhes é cometido, constituem também uma importante manifestação do “dever de vigilância” e do “dever de cuidado” dos menores entregues à guarda das escolas durante o seu período de funcionamento letivo, tal como vem sendo entendido pelos tribunais portugueses.
O enquadramento penal do bullying
Como é natural, sempre que uma atuação de um membro da comunidade escolar corresponda a um facto descrito e declarado passível de pena pelo Código Penal, verifica-se a prática de um crime, mesmo tratando-se de um ato de “violência escolar”. Por exemplo, quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa pratica, em abstrato, um crime de ofensa à integridade física simples, punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa (artigo 143.º do Código Penal). O mesmo se diga para a injúria (artigo 181.º do Código Penal), um crime punível com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias.
Por conseguinte, da não criminalização do bullying não se pode concluir que a prática de alguns atos a que geralmente se atribui essa classificação não resulte a prática de crimes, puníveis enquanto tal. Vimos antes que, mesmo os menores entre os 12 e os 16 anos de idade, não gozam de inimputabilidade penal, estando sujeitos à aplicação de medidas tutelares educativas aí referidas. Também os jovens que tendo cometido um facto qualificado como crime e, à data desse facto, tenham completado 16 anos sem ter atingido os 21 anos estão sujeitos ao regime aplicável a jovens delinquentes, regulado pelo Decreto-Lei n.º 401/82.
Importa referir que algumas normas do Código Penal preveem uma proteção direta e reforçada do “docente, examinador ou membro da comunidade escolar no exercício das suas funções ou por causa delas”. É o caso do homicídio qualificado (artigo 132.º/2, alínea l), ofensa à integridade física qualificada (artigo 145.º), ameaça e coação (artigos 153.º e 154.º, por força do disposto no artigo 155º/1 al c), sequestro (artigo 158.º) e difamação, injúria e publicidade e calúnia (artigos 180.º, 181.º e 183.º, por força do disposto no artigo 184.º). Nestes casos a moldura penal aplicável é agravada nos seus limites mínimo e máximo.
O programa “Escola Segura”
A propósito do bullying e do seu enquadramento legal, é essencial fazer uma menção, necessariamente breve, ao programa “Escola Segura”. Iniciado em 1992, este programa tem um papel muito importante na dissuasão da violência em ambiente escolar, visando assegurar o policiamento de proximidade dos estabelecimentos escolares, especialmente junto de escolas inseridas em áreas problemáticas, sendo a sua execução regulada por um protocolo celebrado entre os ministérios da Administração Interna e da Educação e os seus objetivos encontram-se definidos no Despacho Conjunto n.º 25 649/2006, publicado no Diário da República em 29 de novembro desse ano.
Se hoje fosse vivo, reagiria à vaga de notícias sobre violência entre os mais jovens com o proverbial horror que lhe merecia o declínio do que chamava “o espaço humanista” lamentando, muito provavelmente, que os jovens de sessenta a que se referia, essencialmente universitários contestatários e antissistema, são hoje os pais e avós soixante-huitards cujos filhos e netos são autores e vítimas precoces dos mais variados atos de indisciplina e violência entre pares.
Sinais destes tempos, a sociedade em geral e a comunidade educativa em particular debatem há vários anos, especialmente na última década, o fenómeno da violência escolar. Mais lenta a reagir, por hábito e necessidade de assegurar objetividade nas propostas que formula, a comunidade jurídica também participa na discussão e vem dando suporte a algumas soluções legais para o problema de lidar com este fenómeno (para quem queira aprofundar o tema, vale a pena consultar a publicação do Centro de Estudos Judiciários (CEJ), disponível na sua página da Internet, “O bullying e as novas formas de violência entre os jovens – indisciplina e delitos em ambiente escolar”).
O resultado lógico deste processo foi o robustecimento da resposta jurídico-disciplinar patente no Estatuto do Aluno, cujas sucessivas revisões apontam num sentido cada vez mais disciplinador e a consensualização da ideia de que este fenómeno extravasa, nas suas causas e efeitos, os muros da escola, exigindo uma abordagem que contemple a intervenção ao nível familiar e social.
A criminalização do bullying
O bullying, um anglicanismo de sentido e interpretação múltipla, é tratado de forma diferente na literatura jurídica, consoante os autores que se lhe referem. Para alguns o conceito corresponde ao assédio escolar – “uma forma particular de violência associada sempre a uma relação de poder entre alguém que se apresenta como superior e um seu igual que se considera inferior e incapaz de responder à agressão” (Ana Teresa Leal, na publicação do CEJ citada, página 94) – enquanto outros amplificam o significado do conceito, integrando nesta categoria diferentes formas de indisciplina escolar.
A questão não é irrelevante porque o significado jurídico atribuível a “bullying” é decisivo na forma como o legislador elabora as soluções que converte em regras a cumprir.
Entre nós, a resposta mais estruturada ao nível penal que surgiu nos últimos anos foi a proposta de criminalização do school bullying, que consta da Proposta de Lei n.º 46/XI/2.ª, apresentada pelo XVIII Governo Constitucional à Assembleia da República, em dezembro de 2010.
Apesar de se tratar de uma iniciativa legislativa que caducou, vale a pena rever esta proposta que integrava no catálogo dos crimes contra a integridade física, previstos e punidos pelo Código Penal (Decreto-Lei n.º 48/95, sucessivamente alterado) um novo tipo-legal, o crime de violência escolar. Assim, com o objetivo declarado de proteger o bem jurídico “ambiente escolar”, foi proposta a criminalização das condutas de membros da comunidade escolar que, “de modo reiterado ou não”, “infligem maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais, a membro de comunidade escolar” a que pertençam. No mesmo sentido, a tipificação deste crime previa a sanção do mesmo tipo de condutas quando praticadas contra membro da comunidade escolar por pais de alunos e seus ascendentes até ao 3.º grau (ou seja, incluindo avós e tios) ou por quem fosse titular do exercício de responsabilidades parentais.
As penas previstas iam de um a cinco anos de prisão, agravadas nos seus limites mínimo e máximo para dois a oito anos de prisão no caso de resultar em ofensa à integridade física grave ou de morte da vítima, caso em que a pena prevista era de três a dez anos de prisão.
Naturalmente, da prática deste crime podia resultar uma punição superior se, num exemplo extremo, se viesse a apurar que se tratava de um hipotético crime de homicídio qualificado.
Um dos efeitos mais relevantes desta proposta era a possibilidade, criada pela tipificação do crime de violência escolar, de aplicar medidas tutelares educativas aos agentes menores com idades compreendidas entre os 12 e os 16 anos de idade que, por esse facto, são inimputáveis para efeitos da lei penal.
As medidas tutelares educativas (admoestação, privação do direito de conduzir ciclomotores, reparação do ofendido, prestação de tarefas económicas ou tarefas a favor da comunidade, imposição de regras de conduta, imposição de obrigações, frequência de programas formativos, acompanhamento educativo e internamento) são uma competência dos tribunais de família e menores e encontram-se reguladas pela Lei Tutelar Educativa (Lei n.º 166/99, alterada pela Lei n.º 4/2015).
O bullying na ordem jurídica vigente: o estatuto do aluno
Em Portugal, apesar de não existir um crime específico de violência escolar, o que poderia ter um efeito dissuasor deste tipo de comportamentos, prevenindo o surgimento de situações de bullying (desde logo porque sinalizava publicamente a punibilidade deste crime, muitas vezes socialmente desvalorizado, e porque a natureza pública do crime, tal como estava previsto, dispensava a existência de queixa para que o Ministério Público promovesse o procedimento penal), existem diferentes instrumentos jurídicos destinados a combater este fenómeno.
Em primeira linha, o Estatuto do Aluno e da Ética Escolar (Lei n.º 51/2012) prevê um conjunto de deveres do aluno, nomeadamente os previstos nas alienas i) e j) do artigo 10.º, destinados a prevenir os comportamentos normalmente associados ao bullying e cujo incumprimento faz incorrer o seu autor em infração disciplinar e na eventual aplicação de medidas disciplinares corretivas (advertência, ordem de saída da sala de aula e locais de trabalho escolar, realização de tarefas e de atividades de integração na escola ou na comunidade, condicionamento de utilização de certos espaços escolares ou equipamentos e a mudança de turma, previstas no artigo 26.º) ou de medidas disciplinares sancionatórias (repreensão registada, suspensão, transferência e expulsão da escola, previstas no artigo 28.º).
Além dos alunos, este Estatuto faz impender sobre os pais ou encarregados de educação o dever de “reconhecer e respeitar a autoridade dos professores no exercício da sua profissão” (artigo 43.º, alínea f), uma dimensão fundamental do funcionamento das escolas e da prevenção da violência, e o dever de “contribuir para a preservação da segurança e integridade física e psicológica de todos os que participam na vida da escola” (artigo 43.º, alínea h), estando previstas contraordenações para aqueles que, consciente e reiteradamente, não asseguram o cumprimento, pelos seus filhos ou educandos, das medidas disciplinares a que estejam sujeitos, nomeadamente as atividades de integração na escola e na comunidade e a comparência em consultas ou terapias prescritas por técnicos especializados.
Ainda no âmbito do Estatuto do Aluno, é importante referir o papel do diretor do agrupamento de escolas que, “perante situação de perigo para a segurança, saúde, ou educação do aluno, designadamente por ameaça à sua integridade física ou psicológica, deve (…) diligenciar para lhe pôr termo, pelos meios estritamente adequados e necessários e sempre com preservação da vida privada do aluno e da sua família, atuando de modo articulado com os pais, representante legal ou quem tenha a guarda de facto do aluno” (artigo 47.º, n.º 1), solicitando, “quando necessária, a cooperação das entidades competentes do setor público, privado ou social” (n.º 2), mesmo “quando se verifique a oposição dos pais, representante legal ou quem tenha a guarda de facto do aluno” (n.º 3), caso em que “deve comunicar imediatamente a situação à comissão de proteção de crianças e jovens com competência na área de residência do aluno ou, no caso de esta não se encontrar instalada, ao magistrado do Ministério Público junto do tribunal competente” (n.º 3). Estas disposições, para lá do efeito prático que lhes é cometido, constituem também uma importante manifestação do “dever de vigilância” e do “dever de cuidado” dos menores entregues à guarda das escolas durante o seu período de funcionamento letivo, tal como vem sendo entendido pelos tribunais portugueses.
O enquadramento penal do bullying
Como é natural, sempre que uma atuação de um membro da comunidade escolar corresponda a um facto descrito e declarado passível de pena pelo Código Penal, verifica-se a prática de um crime, mesmo tratando-se de um ato de “violência escolar”. Por exemplo, quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa pratica, em abstrato, um crime de ofensa à integridade física simples, punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa (artigo 143.º do Código Penal). O mesmo se diga para a injúria (artigo 181.º do Código Penal), um crime punível com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias.
Por conseguinte, da não criminalização do bullying não se pode concluir que a prática de alguns atos a que geralmente se atribui essa classificação não resulte a prática de crimes, puníveis enquanto tal. Vimos antes que, mesmo os menores entre os 12 e os 16 anos de idade, não gozam de inimputabilidade penal, estando sujeitos à aplicação de medidas tutelares educativas aí referidas. Também os jovens que tendo cometido um facto qualificado como crime e, à data desse facto, tenham completado 16 anos sem ter atingido os 21 anos estão sujeitos ao regime aplicável a jovens delinquentes, regulado pelo Decreto-Lei n.º 401/82.
Importa referir que algumas normas do Código Penal preveem uma proteção direta e reforçada do “docente, examinador ou membro da comunidade escolar no exercício das suas funções ou por causa delas”. É o caso do homicídio qualificado (artigo 132.º/2, alínea l), ofensa à integridade física qualificada (artigo 145.º), ameaça e coação (artigos 153.º e 154.º, por força do disposto no artigo 155º/1 al c), sequestro (artigo 158.º) e difamação, injúria e publicidade e calúnia (artigos 180.º, 181.º e 183.º, por força do disposto no artigo 184.º). Nestes casos a moldura penal aplicável é agravada nos seus limites mínimo e máximo.
O programa “Escola Segura”
A propósito do bullying e do seu enquadramento legal, é essencial fazer uma menção, necessariamente breve, ao programa “Escola Segura”. Iniciado em 1992, este programa tem um papel muito importante na dissuasão da violência em ambiente escolar, visando assegurar o policiamento de proximidade dos estabelecimentos escolares, especialmente junto de escolas inseridas em áreas problemáticas, sendo a sua execução regulada por um protocolo celebrado entre os ministérios da Administração Interna e da Educação e os seus objetivos encontram-se definidos no Despacho Conjunto n.º 25 649/2006, publicado no Diário da República em 29 de novembro desse ano.
TIAGO SALEIROLicenciado em Direito pela Universidade Católica Portuguesa. Especializou-se em Direito da Educação e Direito dos Menores, áreas em que trabalha como jurista.
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