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As duas agressoras do jovem da Figueira da Foz cujo vídeo está a circular nas redes sociais estão a ser alvo de ameaças, insultos e até cartazes com a divulgação da sua fotografia e palavras de ordem como “procuram-se: mortas ou vivas”. Uma incitação à violência que não ajuda a resolver o problema e “só gera mais violência”, alertam os especialistas ouvidos pelo SOL.
“O modelo de agressão-retaliação tem feito muito caminho na nossa sociedade. Infelizmente, perdemos a capacidade de perceber o outro lado. Claro que o que aconteceu foi terrível e é muito mais fácil pormo-nos do lado da vítima. Mas devemos interrogar-nos que tipo de sofrimento estavam a passar estas duas jovens para chegarem ao ponto de descarregar assim noutro jovem”, afirma Augusto Carreira, director do Serviço de Pedopsiquiatria do Hospital Dona Estefânia.
O pedopsiquiatra diz não conhecer o caso em concreto da agressão de um rapaz de 17 anos por duas jovens que foi filmada e divulgada na internet. Nem tão pouco as características das jovens que cometeram as agressões. Mas assegura: “são jovens que cresceram mal, que emocionalmente se estruturaram mal. Têm, certamente, um sofrimento muito grande e não o conseguem gerir nem expressar de forma adequada”. O especialista que diariamente lida com casos de crianças e jovens acrescenta ainda: “Estes jovens não têm uma falha anatómica ou fisiológica mas uma falha grave nas suas experiências relacionais”.
Melanie Tavares, coordenadora do gabinete de apoio aos alunos e famílias do Instituto de Apoio à Criança (IAC), partilha esta opinião. “Um jovem que faz uma coisa destas também não está bem”, diz a psicóloga. “Muitas vezes, estes agressores já foram vítimas de alguma forma, por exemplo do modelo, a que assistiram em casa. Sofrem em silêncio e a forma que encontram de purgar a sua dor é infligir dor aos outros. Por isso também têm de ser acompanhados”.
Melanie Tavares diz que a sua experiência na mediação escolar mostra que os jovens que cometem bullying não têm um desenvolvimento emocional equilibrado, vêm de famílias desestruturadas e não estão integrados socialmente. Nos 25 gabinetes de mediação escolar que o IAC tem nas escolas surgem todos os anos dezenas de casos de bullying. No ano passado, num universo de cerca de 2300 alunos, 4% foram vítimas de bullying e mais 4% foram agressores. Aqui todos têm acompanhamento psicológico para conseguir superar a situação traumática que viveram.
O pai de uma das agressores já veio a público pedir desculpa pelo comportamento da filha. Numa entrevista à SIC, confessou estar surpreendido com o que aconteceu e não perceber o que levou a filha a participar numa cena desta natureza. O pedopsiquiatra Augusto Carreira diz que esta realidade também se tem vindo a acentuar entre as crianças e jovens que acompanha. “Os pais conhecem mal os filhos, não têm noção do sofrimento por que passam. As pessoas vivem em família mas muito isoladamente. As transacções físicas, o estar na presença do outro, e a troca de emoções e sentimentos dentro da própria família estão a desaparecer”, afirma o especialista. “Hoje em dia, com todas as tecnologias disponíveis, os jovens têm o mundo dentro do quarto. Podem estar sozinhos, isolados, com a sensação de que estão em contacto com o mundo. Isso está a substituir as relações entre as pessoas”, alerta.
Adultos devem conter situação nem incitar à violência
O episódio chocou o país e gerou uma onda de indignação, com milhares de pessoas a sair em defesa da vítima, a pedir a condenação dos seus agressores e a reclamar a actuação das autoridades policiais e da comissão de protecção de crianças e jovens. As imagens das duas agressoras foram divulgadas com mensagens ofensivas que apelavam à sua detenção e punição.
A psicóloga especialista em mediação escolar pede contenção na divulgação deste tipo de mensagens que incitam à vingança e apela aos pais que aproveitem este episódio mediático para abordar o tema de modo pedagógico junto dos filhos. “Partilhar este tipo de mensagens é empolar a situação. Acredito que as pessoas o façam numa atitude de protecção de vítima e para denunciar este tipo de casos. Mas os conflitos não se resolvem com mais violência. E é isso que os pais devem explicar aos filhos”.
Quanto aos comentários e reacções que têm vindo a público, nomeadamente nas redes sociais, Augusto Carreira diz que reflectem o que se passa também na vida dos adultos que “aproveitam estes casos para despejar, sem filtro e de forma instintiva, os sentimentos que têm dentro de si”.
Ministério Público já está a investigar o caso
O episódio foi registado num vídeo com a duração de 13 minutos onde há estalos, murros e pontapés, e terá acontecido no verão passado. Mas foi posto a circular na terça-feira nas redes sociais, provocando uma onda de indignação por todo o país. O caso já deu origem a dois processos de averiguações: o Ministério Público abriu um inquérito tutelar educativo aos menores de 16 anos que surgem na filmagem e o Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) da Comarca de Coimbra também está a investigar o envolvimento de jovens com mais de 16 anos, uma vez que estes já estão abrangidos pelo Código Penal.
O jovem agredido apresentou hoje queixa na PSP. A polícia decidiu reforçar a segurança junto às escolas da Figueira da Foz, de forma a prevenir represálias e mais episódios de violência.
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