quinta-feira, 14 de maio de 2015

Agressores também estão em profundo sofrimento, alertam psicólogos


Shutterstock
Agressores também estão em profundo sofrimento, alertam psicólogos

As duas agressoras do jovem da Figueira da Foz cujo vídeo está a circular nas redes sociais estão a ser alvo de ameaças, insultos e até cartazes com a divulgação da sua fotografia e palavras de ordem como “procuram-se: mortas ou vivas”. Uma incitação à violência que não ajuda a resolver o problema e “só gera mais violência”, alertam os especialistas ouvidos pelo SOL.
“O modelo de agressão-retaliação tem feito muito caminho na nossa sociedade. Infelizmente, perdemos a capacidade de perceber o outro lado. Claro que o que aconteceu foi terrível e é muito mais fácil pormo-nos do lado da vítima. Mas devemos interrogar-nos que tipo de sofrimento estavam a passar estas duas jovens para chegarem ao ponto de descarregar assim noutro jovem”, afirma Augusto Carreira, director do Serviço de Pedopsiquiatria do Hospital Dona Estefânia.
O pedopsiquiatra diz não conhecer o caso em concreto da agressão de um rapaz de 17 anos por duas jovens que foi filmada e divulgada na internet. Nem tão pouco as características das jovens que cometeram as agressões. Mas assegura: “são jovens que cresceram mal, que emocionalmente se estruturaram mal. Têm, certamente, um sofrimento muito grande e não o conseguem gerir nem expressar de forma adequada”. O especialista que diariamente lida com casos de crianças e jovens acrescenta ainda: “Estes jovens não têm uma falha anatómica ou fisiológica mas uma falha grave nas suas experiências relacionais”.
Melanie Tavares, coordenadora do gabinete de apoio aos alunos e famílias do Instituto de Apoio à Criança (IAC), partilha esta opinião. “Um jovem que faz uma coisa destas também não está bem”, diz a psicóloga. “Muitas vezes, estes agressores já foram vítimas de alguma forma, por exemplo do modelo, a que assistiram em casa. Sofrem em silêncio e a forma que encontram de purgar a sua dor é infligir dor aos outros. Por isso também têm de ser acompanhados”.
Melanie Tavares diz que a sua experiência na mediação escolar mostra que os jovens que cometem bullying não têm um desenvolvimento emocional equilibrado, vêm de famílias desestruturadas e não estão integrados socialmente. Nos 25 gabinetes de mediação escolar que o IAC tem nas escolas surgem todos os anos dezenas de casos de bullying. No ano passado, num universo de cerca de 2300 alunos, 4% foram vítimas de bullying e mais 4% foram agressores. Aqui todos têm acompanhamento psicológico para conseguir superar a situação traumática que viveram.
O pai de uma das agressores já veio a público pedir desculpa pelo comportamento da filha. Numa entrevista à SIC, confessou estar surpreendido com o que aconteceu e não perceber o que levou a filha a participar numa cena desta natureza. O pedopsiquiatra Augusto Carreira diz que esta realidade também se tem vindo a acentuar entre as crianças e jovens que acompanha. “Os pais conhecem mal os filhos, não têm noção do sofrimento por que passam. As pessoas vivem em família mas muito isoladamente. As transacções físicas, o estar na presença do outro, e a troca de emoções e sentimentos dentro da própria família estão a desaparecer”, afirma o especialista. “Hoje em dia, com todas as tecnologias disponíveis, os jovens têm o mundo dentro do quarto. Podem estar sozinhos, isolados, com a sensação de que estão em contacto com o mundo. Isso está a substituir as relações entre as pessoas”, alerta.
Adultos devem conter  situação nem incitar à violência
O episódio chocou o país e gerou uma onda de indignação, com milhares de pessoas a sair em defesa da vítima, a pedir a condenação dos seus agressores e a reclamar a actuação das autoridades policiais e da comissão de protecção de crianças e jovens. As imagens das duas agressoras foram divulgadas com mensagens ofensivas que apelavam à sua detenção e punição.
A psicóloga especialista em mediação escolar pede contenção na divulgação deste tipo de mensagens que incitam à vingança e apela aos pais que aproveitem este episódio mediático para abordar o tema de modo pedagógico junto dos filhos. “Partilhar este tipo de mensagens é empolar a situação. Acredito que as pessoas o façam numa atitude de protecção de vítima e para denunciar este tipo de casos. Mas os conflitos não se resolvem com mais violência. E é isso que os pais devem explicar aos filhos”.
Quanto aos comentários e reacções que têm vindo a público, nomeadamente nas redes sociais, Augusto Carreira diz que reflectem o que se passa também na vida dos adultos que “aproveitam estes casos para despejar, sem filtro e de forma instintiva, os sentimentos que têm dentro de si”.
Ministério Público já está a investigar o caso
O episódio foi registado num vídeo com a duração de 13 minutos onde há estalos, murros e pontapés, e terá acontecido no verão passado. Mas foi posto a circular na terça-feira nas redes sociais, provocando uma onda de indignação por todo o país. O caso já deu origem a dois processos de averiguações: o Ministério Público abriu um inquérito tutelar educativo aos menores de 16 anos que surgem na filmagem e o Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) da Comarca de Coimbra também está a investigar o envolvimento de jovens com mais de 16 anos, uma vez que estes já estão abrangidos pelo Código Penal.
O jovem agredido apresentou hoje queixa na PSP. A polícia decidiu reforçar a segurança junto às escolas da Figueira da Foz, de forma a prevenir represálias e mais episódios de violência.

Nenhum comentário:

Postar um comentário