domingo, 24 de maio de 2015

A forma como lidamos com a violência

por Pedro Reis do Portugal Jornal

Nas últimas duas semanas, Portugal assistiu a alguns casos de violência fortemente mediatizados. Casos que, não sendo, de todo, uma novidade dentro das categorias em que se inserem, aliados à capacidade de divulgação e de mediatização das redes sociais entram no debate público, e geram uma onda de partilha e de discussão. Falo, em particular, do vídeo do rapaz vítima de bullying na Figueira da Foz e do vídeo das agressões por parte de um agente da polícia a adeptos em Guimarães (alargado também aos festejos no Marquês de Pomba

As redes sociais têm algumas particularidades curiosas. Assim que surge determinado acontecimento (os relacionados com violência são os predilectos) mais polémico existe logo uma atitude de rápida difusão do mesmo, partilha atrás de partilha, e cada utilizador por detrás do ecrã pronto a lançar a sua opinião. Esta grande utilização e capacidade de rápida divulgação seria óptima, estando nós na sociedade da informação, fortemente pautada por uma sociedade em rede. Aliado a isto, vem, infelizmente, uma tendência que cada vez se nota mais nos utilizadores das redes sociais, que em vez de fazerem um uso responsável e produtivo das redes, preferem utilizá-las para promover o linchamento, o insulto, e pura verborreia. O conceito fere a vista, mas há que tratar as coisas pelo nome.

Comecemos pelo caso de bullying na Figueira da Foz. Não vou descrever o vídeo. Não me parece necessário, uma vez que praticamente toda a gente já assistiu aqueles minutos de espectáculo repugnante. Também aqui há que tratar as coisas pelo nome, porque a violência que aquele grupo de jovens pratica sobre o jovem agredido merece ser condenada. Mas também é necessário ter a frieza suficiente para dizer que o que acontece no vídeo não é algo de novo. O bullying, infelizmente, existe, existiu e continuará a existir. A grande questão prende-se com as reacções por esse mundo cibernauta fora, onde após o vídeo ser colocado online, foram aos milhares as partilhas a insultar os agressores, chegando mesmo ao cúmulo de figuras públicas o divulgarem, mostrando o rosto dos agressores e do agredido (estamos a falar de menores, não esquecer), naquilo que se revelou um incitamento ao linchamento e à vingança, quais cartazes do faroeste com cabeças a prémio. Condenamos a violência, promovendo mais violência, de formas completamente brejeiras que demonstram uma atitude cívica abaixo de zero. Para piorar a situação, contribuiu também o circo mediático que se gerou à volta do caso, que em nada ajuda na resolução do problema. O bullying é um problema grave, e necessita de ser cuidadosamente analisado e tratado, de forma a evitar que situações como as que assistimos no vídeo se repitam. E as reacções a que assistimos não ajudam, só agravam ainda mais o problema.

Mas nos últimos dias este vídeo não foi o único a gerar polémica e discussão. O vídeo captado pela CMTV em Guimarães, onde o oficial da PSP de Guimarães utiliza um bastão de aço para agredir um homem sem qualquer motivo que o justifique. As reacções pelas redes sociais foram, em grande parte, idênticas àquelas que já referi anteriormente: condenar a violência, promovendo mais violência.

Também aqui é necessária a frieza de dizer que os actos de violência que vemos no vídeo não são propriamente novo. É um vídeo que nos choca (ainda para mais estando crianças envolvidas na situação), mas que vai de encontro a um tipo de comportamento que o cidadão mais atento – aquele que não se indigna com os acontecimentos apenas quando está perante um vídeo chocante nas redes sociais – terá noção que é uma prática que não é isolada, e que são inúmeros os casos onde a polícia faz um uso exagerado da força que tem. A particularidade deste caso, é que as vítimas são dois cidadãos comuns, que simplesmente foram ao espectáculo do futebol com filhos/netos, e que sem razão aparente são alvo de uma violência sem justificação por parte das forças policiais. Pergunto-me se estes milhares de indignados o são de igual forma quando existem casos onde a polícia abusa do seu poder sem motivo aparente em bairros sociais (um recente caso na Cova da Moura) ou sobre manifestantes, ou em alguns casos, sobre cidadãos comuns, em situações que não o justificam. E dentro destes exemplos existem, muitas vezes, registos em vídeo e que através deles podem ser comprovados. A diferença é que muitos destes casos não têm lugar no circo mediático, e acabam por passar despercebidos ou simplesmente ignorados, porque a a violência sobre determinados grupos sociais não tem o mesmo impacto que tem quando acontece com os ditos cidadãos comuns.

Parece-me de extrema importância pararmos e reflectirmos sobre esta última questão. O excessos de violência por parte da polícia existe, e não são apenas casos isolados como muitas vezes certas instituições querem fazer parecer. Claro que é perigoso cairmos em generalizações, e acusarmos todos os polícias de serem homens e mulheres sedentos de violência. Logicamente que isso não é verdade, e assim como existem, por exemplo, bons e maus jornalistas, também existem bons e maus polícias. Os valores morais e éticos subjacentes a cada profissão não estão, infelizmente, interiorizados de igual forma por cada profissional, e isso é um facto com o qual temos de lidar, e procurar melhorar.

Para o bom funcionamento de um estado de direito, é fundamental que tenhamos uma polícia responsável que cumpra o seu papel, e que, acima de tudo, esteja ciente da importância que tem na sociedade, bem como da forma como dever agir perante situações mais delicadas. A profissão assim o exige, e é mais do que tempo para que dentro do próprio meio se reflicta sobre estas questões. Assim como é extremamente importante que nós, enquanto cidadãos, pensemos sobre os nossos comportamentos enquanto membros de um estado de direito. Porque o que se assistiu no Marquês de Pombal por parte de alguns adeptos do Benfica demonstra igualmente um comportamento aberrante, de pessoas sem a mínima noção cívica, gerando-se um confronto entre adeptos e forças policiais que em nada contribui para a nossa imagem enquanto pessoas racionais. Não posso também deixar de notar a forma como a Câmara de Lisboa, o Sport Lisboa e Benfica e a PSP de Lisboa não assumem qualquer responsabilidade perante o que aconteceu, fugindo aos acontecimentos, aguardando passivamente que a opinião pública se esqueça. Não há barulho mais violento do que o silêncio.

Todos estes acontecimentos, perpetuados por atitudes sem qualquer responsabilidade e civismo, vêm pôr a nu as nossas fragilidades enquanto cidadãos, assim como demonstrar que em pleno século XXI, perante situações delicadas, somos ainda muito irracionais. Estamos ainda muito longe de um comportamento digno de pessoas pertencentes a um estado de direito. Reivindiquemos os nossos direitos, mas ao mesmo tempo, tenhamos também consciência dos nossos deveres.

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