DN Inês Teotónio Pereira
Tudo começa quando chegam as listas de material escolar. Dá-me nervoso miudinho como se estivesse a dias de fazer uma operação de coração aberto. O sono é solto e os sonhos são pesadelos sobre compassos, canetas e separadores de plástico que me perseguem por florestas a arder em cenários de hipermercados. E eu, com os pés em brasa e a cabeça a andar à roda, não encontro os pincéis de tamanho dois e quatro. Só tenho um e de tamanho seis. Há milhares de tamanho seis. Acordo a suar ao som das gargalhadas da menina da caixa a dizer que tenho de lá voltar no dia seguinte porque já não há cadernos de argolas com capa mole, só há com capa dura. "Não servem. Ahahahah!" Ri-se ela. O sonho muda todos os anos, mas é sempre um pesadelo.
Há quem tire férias para preparar o regresso às aulas. Férias para encontrar guaches de seis cores específicas, tinta acrílica ou portfólios com 20 capas, em vez de férias para ir à praia. Férias para percorrer 200 km nos hipermercados, derreter centenas de euros e perder tempo de vida que fará falta na velhice. Férias para forrar livros. Forrar livros, repito. Há mais satélites no espaço do que baleias-azuis no mar e ainda não inventaram livros que não tenham de se forrar. Seja. Depois, quando finalmente tudo acaba, quando em dois dias ficámos mais pobres e certamente doentes, aparece a criancinha visivelmente irritada que diz: "Mãe, porque é que eu ainda não tenho o livro de Alemão?!"
É então que me sento, que me lembro de todos os mártires que por este mundo passaram, das vítimas da fome e da guerra, dos velhinhos abandonados e dos órfãos, e, relativizando assim a minha existência e a minha frustração, controlo-me e não estrafego a criancinha. Mas chega outro: "Preciso de ténis para a ginástica e a minha mochila está rota." Abana a cabeça e vai-se embora. Depois outro, de sobrolho carregado a quem falta o bloco de papel A3. E então concluo que sou vítima de bullying. Sim, bullying. Pressão emocional e psicológica que experimenta os limites da minha competência e que me deixa a autoestima em níveis irreparáveis. Há alguma linha de apoio para pais como eu? Um grupo?
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