«Violência nas Escolas - Bullying», editado pela Bertrand, é uma óptima oportunidade para conhecermos um dos males que assolam algumas das escolas nacionais e angustia o espírito de todos os pais e alunos. Com uma vasta experiência no ensino, Nazaré Barros procurou com este livro não criar alarmes, mas soluções para um problema que não deve ser ignorado de maneira nenhuma pela sociedade em geral. «Tentei com este livro divulgar informação científica que em geral fica nas prateleiras da universidade. O meu objectivo foi ajudar os pais, as famílias, os professores e outros profissionais que lidam com crianças e jovens e com formas desajustadas de actuação», defende a autora.
Nazaré Barros procurou escrever um livro de divulgação que pudesse ser lido por todos e não apenas por alguns especialistas. «Por isso adaptei a linguagem, retirei algumas fundamentações científicas e citações para não tornar o livro denso demais». «Violência nas Escolas - Bullying» procura portanto trazer o tema para o debate, já que ao longo das páginas a autora procura abrir caminhos para a discussão, muito devido a sua vasta experiência profissional, embora sempre amparada pelo rigor científico. Uma obra obrigatória para este início de ano lectivo.
O mercado nacional começa a ter alguns livros que abordam o bullying. Finalmente assumimos que as nossas escolas também sofrem desse problema dentro das suas paredes?
O bullying existe nas escolas portuguesas assim como nas escolas europeias ou americanas. Reconhecer que ele existe é o primeiro passo para ajudar a resolver este problema ou a minimizar este fenómeno. É importante que este tema seja agora discutido tanto por especialistas como por não especialistas. Talvez a sociedade em geral esteja mais violenta e o bullying – como uma forma específica de violência – esteja presente nas escolas assim como no mundo do trabalho e tenha, por isso, muitas implicações ao nível do bem-estar de cada um de nós.
Mas a verdade é que o poder de uma pessoa sobre outra sempre acompanhou a humanidade, inclusive nas escolas. Porque apenas agora o tema é discutido entre os especialistas?
O poder, o conflito e até a violência estão muitas vezes presentes nas relações humanas. Não é possível anular o conflito, mas é desejável que ele seja vivido de modo saudável. É preciso saber superar os conflitos e as divergências de modo a que a agressão seja transformada em cooperação. A escola não apenas um local de aprendizagens intelectuais. As relações humanas são muito importantes e é importante que a escola seja também um local de relações saudáveis entre todos onde o respeito pela pessoa humana é inegociável. Não nos podemos esquecer de educar. Esta tarefa exige tempo e disponibilidade e deve ser da responsabilidade das famílias e, também, da escola que não pode ignorar esta função. Se nos demitimos desta tarefa falhamos no essencial. O fenómeno do bullying não é necessariamente um fenómeno novo. O que é novo é a sua divulgação e a importância que este fenómeno assumiu para a comunicação social e, consequentemente, para as famílias e a sociedade em geral. Por outro lado, também é novo o próprio termo bullying neste novo conceito, que antes não existia, e cuja utilização se generalizou nas mais diversas línguas.
O que pretendeu em concreto ao escrever este livro? Essencialmente chamar a atenção para o problema?
Acima de tudo pretendo abordar o tema com serenidade tentando contribuir para a procura de soluções. Considero que é importante alertar, em relação ao bullying como em relação à violência ou à indisciplina, que é importante trabalhar no sentido da prevenção destes fenómenos. Observo que muitas vezes este tema é abordado com demasiadas emoções e alguns exageros. É um tema importante demais para ser tratado de uma forma descontextualizada e precipitada. Prevenir estes fenómenos é um modo importante para contribuir para um ambiente saudável e tolerante entre todos, promovendo a aprendizagem tanto intelectual como social.
Mas as nossas escolas estão preparadas para enfrentar o bullying?
As escolas têm que enfrentar este fenómeno e acima de tudo têm que trabalhar no sentido da prevenção. Falar deste fenómeno é importante porque pode ser um modo de divulgar os sinais que as vítimas transmitem, às vezes timidamente ou de modo ténue.
E os pais? Muitas vezes os filhos deixam sinais que são pura e simplesmente ignorados pelos seus familiares…
É verdade que, por vezes, os sinais são ignorados, mas também eles nem sempre são claros e evidentes. É importante que os pais e os profissionais estejam esclarecidos para todos poderem ajudar a decifrar e interpretar os sinais, que muitas vezes são pedidos de ajudas não verbalizados. O bullying é uma forma de violência, que se apresenta de uma forma invisível e escondida, de forma repetida, sistemática e continuada ao longo do tempo, não é uma briga ocasional. Nas escolas, este fenómeno ocorre em locais menos vigiados e, por isso mesmo, passa despercebido. Em geral a vítima tem medo e nem sempre tem a capacidade de pedir ajuda ou de denunciar o que se passa. Os amigos têm aqui um papel fundamental e a ninguém está vedado este papel.
Quais são os principais sintomas do bullying? Quais os sinais de alerta a reter?
É muito importante saber ler e interpretar os sinais que as vítimas transmitem. Os sinais podem ser diversificados, desde não querer ir à escola como não querer ir para o intervalo das aulas, não ter amigos, baixa do rendimento escolar e da auto-estima e até ao aparecimento de vários sintomas físicos.
Aborda também o ciberbullying. Poderia falar um pouco desta temática?
Abordo o ciberbullying porque ele é o fenómeno do bullying através de meios que a tecnologia coloca ao nosso dispor. Neste sentido é um fenómeno muito recente. Os jovens passam cada vez mais tempo na internet, ao telemóvel, nos chats ou a navegar em redes sociais. O ciberbullying pode ser devastador, humilhante e destruidor da auto-estima e do bem-estar da vítima. Neste caso a vítima não é apenas massacrada ou humilhada por uma pessoa ou por um grupo restrito, mas agora a humilhação pode ser visionada por uma multidão que tem acesso às tecnologias da informação e da comunicação, o que agrava o sofrimento e a dor das vítimas.
O que podemos fazer nas escolas para atenuar o bullying? Que caminhos devemos percorrer?
As escolas e os seus profissionais precisam de formação adequada e especializada para desenvolver um trabalho cooperativo. Um clima pacífico e estimulante é fundamental para o bem-estar e equilíbrio de todos. É preciso actuar no sentido da prevenção e no desenvolvimento de uma cidadania activa, responsável e solidária. Estes temas devem ser trabalhados com os alunos quer na formação cívica quer de um modo transversal, de modo a que a educação seja sempre uma tarefa e uma prioridade partilhada entre todos: família, escola e sociedade.
Acredita que o estudo que apresenta na sua obra representa na perfeição um resumo do bullying e das suas consequências?
O que se pretende com esta obra é a partilha de uma reflexão que se deve aprofundar sem alarmismos, sem exageros e sem imediatismos fáceis. O fenómeno da violência e do bullying são complexos e podem estar relacionados com outros igualmente complexos. A escola portuguesa é uma escola plural, heterogénea e multicultural onde a tolerância tem que ser um valor fundamental e distinto da indiferença.
Porque decidiu incluir o capítulo «Histórias sem final feliz»?
O fenómeno do bullying não é um exclusivo dos meios desfavoráveis, mas é transversal a qualquer classe social. Porém, apresento esse capítulo para elucidar a complexidades destes fenómenos. Não há bons e maus. Quer as vítimas quer os agressores precisam de ser ajudados, ambos possuem incómodos e sofrimento interior.
Há percursos de vida difíceis e nem todas as crianças e jovens deste país tem acesso aos bens essenciais. O desemprego, a fome e a miséria são realidades presentes nalgumas escolas, as quais devem ser ajudadas e não estigmatizadas. Há escolas que se debatem com problemas sociais graves e que fazem um trabalho admirável, com um valor humano muito superior a qualquer ranking ou tabela de resultados. Aliás o valor dos resultados obtidos depende sempre da diferença entre o ponto de partida e o ponto de chegada, o que é sistematicamente ignorado nas tabelas de ranking.
Ensinar quem deseja ser ensinado é fácil. O que é difícil é ensinar quem não gosta da escola nem deseja lá andar, quem não tem nenhuma expectativa nem objectivos definidos, quem não é capaz de sonhar ou simplesmente de ter um projecto de vida com sentido. As escolas que se deparam com estas realidades devem ser ajudadas de modo diferenciado com apoio de uma rede de profissionais especializados e motivados. Os desafios são imensos e escrevi este livro para incentivar e dizer que não podemos desistir de lutar pela educação e formação dos filhos ou dos alunos.
Fonte: Diário Digital de Portugal
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