** Por que o bullying, no âmbito escolar, não pode ser negligenciado? Por que ele dever controlado e prevenido? Uma resposta padrão seria a seguinte: “O bullying faz mal ao aluno, prejudica seu rendimento escolar, sua atenção em sala de aula, seu desempenho esportivo, sua alimentação e seu bom relacionamento com os coleguinhas.”
Não há dúvida que somente essas razões já seriam suficientes para que a devida atenção fosse dispensada ao fenômeno, no entanto, as desgraças desencadeadas pelo bullying são muito mais tenebrosas do que se possa imaginar.
A violência causada pelo bullying não se relaciona, meramente, aos maus-tratos à vítima. Vai além, a ação reiterada do bullie (agressor) pode lhe acarretar graves e irreversíveis danos.
Os danos vão desde o medo e pânico de ir à escola, a faltas sistemáticas dos alunos (apenas nos Estados Unidos, cerca de 160 mil estudantes deixam de ir para a escola, diariamente, por causa do bullying[1]), o estresse, a raiva, a impotência, até o pleno descontrole e desespero. Este último, somado aos demais sentimentos torturantes e depressivos, podem criar a vergonha tóxica[2].
Tóxica ou venenosa! O jovem tem tanta vergonha de sua condição de vulnerabilidade frente ao bullie, que se sente imprestável e questiona a importância e necessidade de sua existência. Neste estágio, a vergonha tóxica deixa de agir apenas sobre o seu intelecto e pode lhe causar desde a automutilação (ocasião em que a vítima se corta para aliviar a dor causada pelo bullying) até o próprio suicídio.
Exatamente! O suicídio é a consequência mais grave e temerosa das vítimas de bullying. É o caso da criança ou do adolescente que se encontra num nível de depressão tão absoluto e/ou apresenta problemas psíquicos irreversíveis que chegam ao extremo do bullycídio (palavra originada da fusão de bullying com suicídio).
Aos mais desavisados, pensar numa consequência trágica como o bullycídio é improvável ou um exagero.
Ledo engano!
A Universidade de Yale dos Estados Unidos analisou 37 pesquisas mundiais que relacionam o bullying como uma das principais causas do suicídio de crianças e adolescentes. E mais, o suicídio é a 3ª maior causa de mortalidade no mundo, nesta faixa etária, atrás apenas dos acidentes de trânsito e homicídios (para verificar a pesquisa na íntegra, clique aqui).
Os insultos, xingamentos e humilhações constantes (exemplo de manifestações verbais que o bullying assume) podem repercutir tragicamente, ainda que não haja nenhuma violência física.
Seja físico ou psicológico, o impacto que gera na vítima é tão expressivo que faz com que o bullying, além de ser um dos principais motivos de suicídios de crianças e adolescentes (a 3ª maior causa de mortalidade nesta faixa etária), seja também o responsável por cerca de 19 mil tentativas de suicídios ao ano apenas nos Estados Unidos.
A pesquisa também revelou que 19% dos alunos entrevistados pensaram em se suicidar; 15% traçaram estratégias para cometer o suicídio; 8,8% executaram os planos suicidas e foram interrompidos por outrem e, 2,6% foi a porcentagem das tentativas sérias o bastante que exigiram intervenções e acompanhamento médicos permanentes.
Dentre os casos mais chocantes de bullycídio, podemos mencionar o do aluno Curtis Taylor, da escola secundária em Iowa, Estados Unidos, vítima por três anos ininterruptos de violência escolar (espancamentos no vestiário, pertences danificados e arremessos diários de leite achocolatado em sua camisa), que se suicidou em 21 de março de 1993.
Ou, ainda, o trágico episódio que ocorreu com Jeremy Wade Delle. O estudante se matou aos 15 anos dentro da sala de aula, na presença dos demais alunos e da professora, como forma protesto ao bullying sofrido (em 8 de janeiro de 1991, numa escola do Texas nos Estados Unidos).
Assim, as consequências do bullying vão além dos problemas de rendimento escolar ou relacionamento social do aluno. Além de catastróficas, como nos casos de automutilação das vítimas, elas podem ser fatais (bullycídio).
A constatação é empírica, numérica. A gravidade do tema está evidenciada pela análise real dos fatos e não por um caráter meramente opinativo.
Portanto, se os problemas em âmbitos educacionais nem sempre foram suficientes para chamar a atenção de alunos, professores, pais e autoridades sobre toda a problematização do bullying, que tal agora pensarmos nas mortes que dele decorrem?
Esta subespécie de violência exige mais do que atenção e cuidado, necessita de programas preventivos antibullying.
Explorar o tema mediante vídeos chocantes é um caminho. Ao dramatizar a questão e impressionar os telespectadores (sobretudo os jovens), estimula-se a conscientização sobre as perversidades decorrentes de suas ações.
** Natália Macedo é advogada, pós-graduanda em Ciências Penais e Pesquisadora do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes.
[1] Dados extraídos da pesquisa desenvolvida pela National Association of School Psychologists.
[2] A vergonha tóxica é tratada por Allan L. Beane, no livro: “Proteja seu filho do Bullying”.
Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri e mestre em Direito Penal pela USP. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), juiz de Direito (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001). É autor do Blog do Professor Luiz Flávio Gomes.
Revista Consultor Jurídico, 8 de setembro de 2011
Fonte: Consultor Jurídico
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