Por Vanessa Fidalgo Correio da Amanhã
Uma em cada três crianças ou adolescentes em Portugal tem excesso de peso. A estatística da Associação Portuguesa para a Obesidade Infantil significa amargos de boca para as famílias que se veem a braços com uma luta desigual. O grito de alerta chega da pior maneira possível: quando os colegas gozam e agridem na escola e, por conseguinte, os miúdos isolam-se e desistem de si por medo do confronto. Aos três anos, Catarina Ferreira já pesava 20 quilos e aos sete tinha 47, provavelmente por questões hormonais. O primeiro embate com a realidade foi aos cinco. Quis desistir da natação, ao aperceber- -se de que o seu corpo era maior do que o dos restantes. "Ainda não gosto e não tenho fotografias minhas expostas", conta. Nunca deixou que a isolassem. É extrovertida, proativa nas lides académicas e associativas. "Não permiti que me tratassem mal. Os verdadeiros amigos também não fazem isso. Mas havia pessoas que gozavam ou faziam coisas que me incomodavam. Pessoas que não vejo há anos mas das quais me lembro muito bem por me terem feito sofrer. Crescer podia ter sido muito mais fácil". A mãe, Isabel Ferreira, concorda. "Ela queria vestir as mesmas roupas que as amigas mas não podia. Fechava- -se no quarto a chorar. Eu tentava dizer-lhe que ela não era gorda mas ela sabia que eu mentia. Tentámos que comesse menos mas isso ainda lhe criava mais nervosismo. Quando falei com os professores porque ela era gozada na escola, percebi que não estavam minimamente preparados para lidar com o assunto. Em vez de falarem com os outros, viraram-se para ela a perguntar: ‘Então, tu achas mesmo que estás gorda?’". Catarina lá foi emagrecendo, praticamente sem acompanhamento especializado. Só mais tarde chegou à APCOI (Associação Portuguesa Contra a Obesidade Infantil), onde atualmente é voluntária "para ajudar outros miúdos" a vencer o excesso de peso. Miúdos como Emília, de 10 anos, que ali descobriram que comer fruta e fazer exercício podia tornar as suas vida melhores. É lá que é acompanhada por uma equipa especializada, que inclui a psicóloga Frederica Santos, e os dietistas Rita Loureiro e João Corça. Perdeu vários quilos, mudou de escola e afastou fantasmas que também assombraram a mãe. "Eu própria também tive excesso de peso. Era gulosa e sofri pela mudança de País. Então recompensava-me com doces. Era um ciclo vicioso. Mas não queria que ela passasse pelo mesmo", conta Carmen Sheehan. Um ciclo que deixa marcas profundas, sobretudo a nível psicológico. "Muitas destas crianças acabam por perder a sua identidade. Passam a ver-se como os outros os veem a eles e não como realmente são. Fecham-se dentro de si", afirma a psicoterapeuta Frederica Santos. O seu trabalho na APCOI passa essencialmente por motivá-los para adotarem um estilo de vida mais saudável: "Inculcar-lhes que comer mais fruta e vegetais em detrimento dos doces e do fast-food é uma opção. Com os mais novos convém afastar as metas, porque é ainda mais prejudicial. E fazê-los gostar de si, reconciliando-se com a sua imagem". Tiago Varela tem 19 anos, foi um dos concorrentes de ‘Peso Pesado Teen’ e, desde que abandonou o programa, já perdeu cerca de 20 quilos. Antes pesava 119,7 quilos. Toda a sua vida foi afetada pela imagem corporal. "Sobretudo a partir do 5º ano, estava quase sempre isolado. Tinha amigos mas eram aqueles amigos da onça, que só são nossos amigos quando precisavam de alguma coisa. De resto, estava sempre a um canto e era o saco de pancada deles quando não havia mais nada para fazer. Os gordos são vistos pelos outros como alguém que nem sequer tem o direito de passar ao pé das pessoas magras", recorda. Talvez por isso, Tiago abandonou a escola e gastou os dias no computador, no qual chegava a passar mais de 12 horas. A alimentação era à base de fritos e comidas processadas. "Muitas salsichas, muitas batatas fritas… comia tudo o que era porcaria. E não tinha objetivos nenhuns". Agora já tem, e passam pelo ginásio, onde até se prepara para entrar brevemente em competições. Mariana Bandeira chegou a pesar 139 quilos (tem 1,63 m de altura) e acha que chegou a esse ponto devido a alguma instabilidade emocional: "Se estava triste, comia, mas se estava feliz também. Comia um quilo de chocolate num dia. Raramente fazia refeições de carne ou peixe". Os colegas chamavam-lhe nomes, as pessoas troçavam na rua. "Chegavam a bater-me. Era quase uma espécie de diversão. Se não se lembrassem de mais nada, tinham-me sempre a mim para brincar. Na rua, ficavam a olhar para mim", conta. Por isso, quis fugir. "Fui para a Suíça para me afastar de uma sociedade que não me aceitava. Fiz coisas más a mim própria e cheguei a automutilar-me. Numa dessas vezes percebi, pelos olhos da minha mãe, que não podia continuar assim. Não queria que os outros vencessem". Mariana continua zangada com o mundo, apesar de já ter perdido 20 quilos nos últimos meses. Os hábitos familiares são os maiores culpados, alerta Zélia Santos, dirigente da Associação Portuguesa de Dietistas. "Há pouco tempo para preparar as refeições, abusa-se de fritos, processados e molhos. As crianças estão demasiadas horas na escola e não têm tempo para praticar outras atividades. Também ficam muitas horas sozinhas, sem qualquer supervisão de um adulto sobre aquilo que estão a comer". E enquanto a sociedade não muda e abranda, muitos vão perdendo o direito a ser crianças saudáveis e felizes.
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