terça-feira, 10 de novembro de 2015

Bullying das bonitas

Prática muito comum na atualidade, não se restringe apenas ao ambiente escolar. Nova lei pretende adotar medidas educativas

POR REDAÇÃO do Diário da Amanhã


A lei que institui o programa de combate ao bullyng foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff. O texto foi publicado no Diário Oficial da União, ontem (9), e entrará em vigor dentro de 90 dias. A lei prevê que escolas, clubes e agremiações recreativas desenvolvam medidas de conscientização, prevenção e combate ao bullying.

O texto caracteriza o bullying como todo ato de “violência física ou psicológica, intencional e repetitivo, que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas”.

As ações punitivas contra agressores serão evitadas, visto que a lei priorizará ações educativas, como assistência psicológica, social e jurídica às vítimas e aos agressores, além da capacitação de docentes e equipes pedagógicas para a implementação das ações de discussão, prevenção, orientação e solução do problema.

Consequências

Rafaela P., 23, recepcionista em um laboratório do setor Marista, relembra os casos de bullyng que sofreu na adolescência e o quanto se sentia constrangida com isso. Ela afirma que apesar da prática de “curtir” com os colegas ser considerada normal, para ela era um sacrifício se levantar todos os dias para ir à escola.

“Quando eu entrei na puberdade, os pelos do meu corpo cresceram muito, por grande parte do corpo. Eu não sabia como lidar com isso, mas os meus colegas de escola não perdoaram. Me chamavam de “mulher barbada”, macaca”, dentre outros nomes que não gosto de lembrar”, conta Rafaela.

Pra ela, além do constrangimento com o próprio corpo, ainda havia os constrangimentos que ela era obrigada a enfrentar diariamente, o que acabou fazendo com que ela se tornasse uma adolescente complexada. “Eu não me achava atraente, mesmo quando já conseguia lidar com meu problema. Demorei para conseguir me relacionar com os garotos porque simplesmente não conseguia acreditar que alguém poderia me achar bonita ou atraente”, conta.

Ela explica que o bullyng que sofreu no colégio durante longos meses fez com que ela se recusasse a ser matriculada no mesmo colégio no ano seguinte. As marcas deixadas pelo que ela chama de “período de tortura” permanecem até hoje, pois ela não gosta de usar biquíni ou blusas que deixam as axilas à mostra por julgar que seus pelos são “grossos” e deixam marcas muito visíveis após depilados.

Não é só na escola

Cintia Zago, 26, chocolatier goiana que reside em São Paulo, afirma que bullyng não é algo que acontece somente nas escolas, com as crianças, mas acontece a vida inteira com todos. E mais: afirma que todos praticamos bullyng, diariamente.

“Eu sofri bullyng por diferentes motivos durante a minha vida. No primário eu sofria por ser muito alta. Cresci mais rápido que os meus colegas, que chamavam de ‘girafão’. No fundamental eu sofria bullyng por ser nerd. Eu estudava muito porque minha mãe me cobrava muito, e acabava sendo ‘zoada’ por isso. No ensino médio os colegas implicavam comigo por ser bonita. Meu corpo desenvolveu mais rápido que os das outras meninas, e eu era diferente delas, que me odiavam. Teve menina querendo me bater na escola, só porque eu era considerada bonita”.

Ela conta que atualmente sofre bullyng por ser mais nova do que as pessoas com as quais normalmente se relaciona, que estão na casa dos 30 anos. “Normalmente as pessoas me tratam como alguém que não tem muito a oferecer, que tem pouca sabedoria, pouca experiência, sabe”, declara ela.

Cintia comenta que a maioria das pessoas com as quais ela conversa a respeito do bullyng que sofreu na infância e na adolescência dizem que ela devia se sentir agradecida ou feliz por ela ter sofrido bullyng por coisas boas, como ser bonita. Mas ela discorda, já que a experiência não foi positiva para ela. “Isso tudo me machucou profundamente. Eu era odiada na escola”, conta.

Para Cintia, o bullyng é uma dor interna que alguém externaliza em outra pessoa, pois quem causa o bullyng normalmente é vítima de alguma outra coisa. “Não quero generalizar, mas normalmente são pessoas carentes, q fazem essas coisas para conseguir atenção”.

Ela afirma que o bullyng não é limitado ao ambiente escolar, ou à idade infantil, mas é comum em muitos outros ambientes considerados adultos. “Todo mundo faz bullyng. Por exemplo, quando a gente comenta e ri da roupa de alguém, isso é bullyng. Acabamos esquecendo que podemos magoar muito alguém, mexer com a ferida alheia”.

A escola tem papel fundamental, de acordo com a visão de Cintia, já que pode oferecer meios de defesa e educar para a diminuição dos casos de bullyng. “Apesar de esse não ser um problema só escolar, acho que o tema devia tratado nas escolas, para ajudar as crianças a lidarem com isso durante a vida. Talvez algo como “aula de defesa de bullyng” pra ensinar as crianças a lidar com as situações”, sugere Cintia.

Para ela, existem coisas que machucam pra sempre e traumas que as pessoas não precisam carregar. Como o da Rafaela, que mesmo depois de anos após sofrer bullyng, evita utilizar determinados tipos de roupas, por vergonha, constrangimento, ou medo de ser novamente vítima de comentários maldosos.

Cintia finaliza: “o pior lado do bullyng é a pessoa  não poder ser quem ela é. É ela se sentir pressionada a se vestir, agir ou ser como alguém que ela não é, como se tivesse a obrigação de se encaixar em um padrão de comportamento e de beleza que não existe”.

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