domingo, 8 de maio de 2016

Obesidade infantil: Mais comida, mais peso, mais bullying

POR DANIELA COSTA TEIXEIRA do O Minuto

Uma em cada três crianças portuguesas tem excesso de peso. Esta é a dura e pesada realidade. O Lifestyle ao Minuto falou sobre o assunto com Luísa Fortes da Cunha, professora de Educação Física e autora do blogue My Casual Brunch.

“O comportamento típico de uma criança obesa numa aula de Educação Física é marcado pelo desinteresse e a vergonha da sua aparência corporal, vergonha em se expor perante a turma. Como tem receio dos comentários dos outros acaba por não investir na aula”.
Se o excesso de peso é em qualquer momento um motivo de vergonha para as crianças, nas aulas de Educação Física pode mesmo ser penoso. E Luísa Fortes da Cunha sabe bem o que isso é. Ao Lifestyle ao Minuto, a professora e autora do blogue My Casual Brunch fala das dificuldades que as crianças obesas têm e de como o olhar de um colega pode ser fatal.

Quando se fala em obesidade infantil, é comum pensar nas limitações físicas que o excesso de peso impõe às crianças, contudo, este está quase sempre acompanhado (por causa ou consequência) de uma “fragilidade mental”, que faz com que haja uma exclusão, seja pela própria criança ou por parte dos outros.
“As crianças com peso considerado saudável ou se riem do colega obeso ou numa situação de jogo coletivo em que o professor pede a dois alunos para formarem equipas, a criança obesa é sempre a última a ser escolhida e normalmente a equipa que acaba por ficar com ela considera que está em desvantagem em relação à outra. Se perde o jogo o culpado é sempre o obeso”, diz Luísa Fortes da Cunha, explicando que falar de obesidade infantil é falar, também, de bullying.
“O bullying é sem dúvida a outra face da obesidade. Ligada a esta está muitas vezes a depressão que pode levar o obeso a isolar-se e com isso a comer mais. Torna-se um ciclo vicioso. Mais comida, mais peso, mais bullying. Muitas vezes os pais não se apercebem do sofrimento do filho”, diz a docente, frisando que a escola e os professores não podem “atuar sozinhos no combate à obesidade infantil”.
“É fundamental que em primeiro lugar haja uma conversa entre os pais e a escola/professor para rever os hábitos do dia-a-dia. Depois de se perceber o que está errado e da família aceitar as alterações que terá de fazer, o professor arranjará formas de incluir o aluno”, refere, não excluindo a necessidade de recorrer a ajuda psicológica sempre que necessário.
Mas é fácil apontar culpados? Talvez. “Está provado que o ambiente familiar é determinante no comportamento dos filhos até à idade adulta”. Os médicos, continua, “dizem que em quase 100% dos casos, os pais são os grandes culpados da obesidade infantil. Numa casa onde os pais têm uma vida sedentária e são grandes consumidores de fast food, dificilmente uma criança nesse seio conseguirá ter um estilo de vida saudável”
Contudo, existem outros culpados, como é o caso da publicidade: “as crianças estão expostas a um elevado número de mensagens publicitárias devido ao número de horas que estão em frente da televisão ou através de outros canais”. Mas não só. “As estratégias de marketing das marcas desta comida ou bebida de elevada intensidade calórica passa pela oferta de inúmeros brinquedos o que gera uma enorme atração por parte das crianças que pedem incessantemente a sua compra”, frisa.
A luta contra a obesidade infantil tem ainda um longo caminho para ser percorrido, mas Luísa acredita que pequenos passos podem e devem ser dados. Ao Lifestyle ao Minuto, a também escritora diz que “para reduzir a obesidade infantil não é suficiente apresentar sugestões saudáveis, não basta desencorajar o consumo de batatas fritas, açúcares e hambúrgueres, são precisas ações políticas que regulamentem por exemplo o marketing dos alimentos”. “Colocar nas embalagens destes alimentos rótulos com fotos de obesos, fotos incómodas que criem repulsa e levem os consumidores a pensar duas vezes antes de comprar” é uma das sugestões que apresenta.
Um blogue a pensar nos alunos e nos pais
Luísa é autora do blogue My Casual Brunch, uma página criada depois de reparar no sedentarismo cada vez mais comum entre os jovens. No seu blogue, a docente apresenta “sugestões saudáveis com fotografias bonitas” que apelam ao seu consumo e que levam as famílias “a quererem experimentar e a mudar hábitos”.
“Muitas vezes os nossos jovens chegam à escola sem terem tomado o pequeno-almoço. Então pensei: que tal arranjar uma forma de ter o pequeno-almoço preparado de véspera? Chegar ao frigorífico na manhã seguinte, pegar e comer? Pois bem, assim comecei a preparar os overnight oats que têm como filosofia a sua preparação no dia anterior para que as propriedades dos ingredientes se soltem durante a noite (como por exemplo as sementes de chia ou mesmo os flocos de aveia)”, esclarece.
A obesidade infantil em Portugal
Segundo a Associação Portuguesa Contra a Obesidade Infantil (APCOI), uma em cada três crianças portuguesas tem excesso de peso.
Num estudo realizado entre 2013 e 2014 com 18.374 crianças, a APCOI notou que 33,3% das crianças entre os 2 e os 12 anos têm excesso de peso, das quais 16,8% são obesas.
Mas estes números podem ser ainda mais alarmantes. Diz o mesmo organismo que os dados do Sistema Europeu de Vigilância Nutricional Infantil (COSI:2008) elaborado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) indicam que “mais de 90% das crianças portuguesas consomem fast food, doces e bebem refrigerantes, pelo menos quatro vezes por semana. Menos de 1% das crianças bebem água todos os dias e só 2% ingerem fruta fresca diariamente. Quase 60% das crianças vão para a escola de carro e apenas 40% participam em atividades extra-curriculares que envolvam atividade física”, como se pode ler no site da APCOI.

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