domingo, 8 de maio de 2016

De aluno sem futuro escolar e vítima de bullying, a cientista que ajuda a tratar o cancro

Físico natural de Cacia trabalha há quatro nos EUA depois de um percurso em que esteve perto do abandono escolar várias vezes (c/áudio).

Carlos Oliveira nasceu há 33 anos no seio de uma família de agricultores muito modestos, num lugar rural da freguesia de Cacia, Aveiro. Começou "a falar tarde e escrevia como falava". No início da escola primária, a professora avisou logo os pais que "não via ali futuro nos estudos". O menino soube e fê-lo acordar da apatia. Dedicou-se a preencher todos os exercícios que encontrava e no final do primeiro ano foi o melhor aluno da classe.
É o primeiro episódio de um percurso cheio de obstáculos ultrapassados com conquistas por mérito relatado no regresso ao antigo ciclo, 18 anos depois, para reencontrar professores, transmitir aos estudantes locais a sua experiência e apresentar prémios com que decidiu distinguir os melhores.

Da frequência da atual EB 2,3 não ficou apenas uma nova coleção de boas notas. A inteligência e a condição humilde despertaram em outros alunos
comportamentos violentos, fora da sala de aula. "Fizeram-me sofrer, ainda hoje tenho cicatrizes do que agora chamamos bullying, mas não me deixei ficar afectado", garantiu.

Carlos Oliveira tinha outras preocupações. Chegado o nono ano e a necessidade de entrar no liceu da cidade, ficou, pela primeira vez, muito perto do abandono escolar. Aos 15 anos precisou de convencer os pais a deixarem-no continuar os estudos, assegurando-lhes que não teriam mais despesas escolares.
Exigência da José Estêvão obrigou a estudo extra
Entra na secundária José Estevão já a fazer alguns trabalhos paga ganhar dinheiro, mas também contou com a preciosa ajuda de professores do antigo ciclo, que lhe arranjam uma bolsa de estudo no décimo ano. "Ele tem uma personalidade muito forte, sempre foi assim. É filho de pessoas humildes, o que ajuda, pois tenta sempre superar as adversidades", referiu Adelaide Cunha, docente de francês.

O nível de exigência do liceu reflectiu-se nas notas que ficam abaixo das expetativas. Mas, como acontecera na primária, o estudante dá a volta.  "Um bom académico não é perfeito, nem isso é razão para desistir. Foram precisos três anos de muito trabalho e perseverança para conseguir encontrar o melhor método de estudo. Acabei com média de 17,7", recordou.

Carlos Oliveira torna-se caloiro na Universidade de Aveiro onde entra em engenharia mecânica, convencido pelas boas perspetivas de saídas profissionais. Às primeiras aulas, apercebe-se que "eram motores e pistões a mais". Corrige a trajetoria para o curso de física. A um ano de acabar a licenciatura, vê-se forçado, mais uma vez, a ponderar suspender os estudos e arranjar trabalho para pagar contas. Desabafa com um professor que, preocupado com a possibilidade de abandono definitivo, recomenda-o para apoiar projetos de outros investigadores e ganhar algum dinheiro. "Foi uma sorte, mas, como costumo dizer, comprei bilhete", ironiza.

A descoberta da América
Seguiu-se o doutoramento em química e mais bolsas de estudo conquistadas por mérito que abrem as portas em programas internacionais de investigação. Surgiu, assim, há quatro anos o convite para ser cientista nos Estados Unidos da América (EUA). Primeiro num laboratório universitário e depois fixa-se no Estado do Colorado para trabalhar com biólogos na empresa Biodesix, que desenvolve testes de sangue com recurso a medidas de proteínas e inteligência artificial para diagnóstico e tratamento de cancro.
No tempo livre, aproveita com a esposa brasileira as pistas de esqui nas montanhas à porta de casa e também faz muito BTT.

De passagem por Portugal em férias, Carlos Oliveira esteve na escola de Cacia para reconhecer o apoio dos professores que "fizeram acreditar" no seu potencial, mas também sensibilizar os estudantes para a prevenção de atos de violência em contexto escolar. Ao agradável, juntou o útil, lançando dois prémios pecuniários anuais para quem alcançar as melhores notas na disciplina "chave" de matemática.

"Tenho muito orgulho do que consegui. Os meus conselhos passam por trabalhar muito, ser flexível nos planos sem abdicar de acreditar em algo que parece impossível. Mas importa estar preparado, porque nem sempre corre como queremos", disse perante a plateia, confessando que mantém como máxima ainda "alguma estupidez natural, no sentido de sermos sempre um pouco crianças na forma de viver".

Regressará aos EUA onde quer fazer carreira e, quando tiver condições, dinamizar bolsas de estudo que ajudem estudantes com as mesmas dificuldades que enfrentou ao longo seu percurso, evitando que se percam futuros cientistas [ouvir entrevista em anexo nas galerias relacionadas].
Discurso direto
"É um exemplo a seguir. Tinha tudo para dar mal, mas esforçou-se para conseguir o objetivo que traçou. Agora tem uma vida boa. Mostrou que, se nos esforçarmos, também poderemos alcançar as nossas metas. Eu também ambiciono estudar e trablhar um dia fora do País" - Elisa, aluna do nono ano da EB 2,3 de Cacia

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