Após agressão de alunos, escola de Votorantim expulsa 11 adolescentes. Especialistas afirmam, no entanto, que problema é cultural e não pode ser polarizado num grupo específico
Agência BOM DIA
Sucessivos episódios de violência contra colegas e até professores resultaram na expulsão de 11 estudantes da Escola Estadual Professor Daniel Verano, no Parque Bela Vista, em Votorantim.
A decisão foi tomada por um conselho formado por funcionários da unidade, professores, pais e representantes do corpo estudantil como forma de colocar fim ao clima hostil entre alunos da escola. Para especialistas, no entanto, a decisão combate os sintomas do bullying, sem atuar na origem do problema.
Três episódios distintos culminaram nas expulsões. Em um deles, um aluno teria ameaçado um colega com uma faca. Em outro, um estudante teria se voltado contra uma professora utilizando uma pedra apanhada num vaso da escola. Na ocorrência mais grave, ocorrida no dia 5, alunos do 5º e 6º ano do ensino fundamental foram alvo de espancamento durante um intervalo. Meninos e meninas, alguns com 11 anos de idade, receberam socos e chutes.
Pânico no intervalo
A estudante Marisa (nome fictício), 12 anos, estava no pátio da escola quando o tumulto foi iniciado. Seu relato é parecido ao de outras vítimas da agressão. Os autores do ataque, predominantemente alunos do 7º ano com 14 e 15 anos, chegaram correndo e partiram em direção aos alunos mais novos, dando socos e chutes independente da idade ou sexo das vítimas. “Eu tomei dois tapas nas costas até conseguir me refugiar no refeitório. Foi terrível. Eu só conhecia aqueles meninos de vista e mesmo assim estava apanhando. Assim como eu, ninguém fez nada para provocá-los. Foi de graça”, conta.
Outro estudante, Márcio, 11, relembra que eram os 11 agressores contra cerca de 50 vítimas. “Eles eram minoria, mas são mais velhos e fortes. Eles espremeram os estudantes contra um portão que é mantido com cadeado. Houve pânico. Só acabou depois de uns cinco minutos, quando duas inspetoras chegaram, mas pareciam horas.”
A Diretoria Regional de Ensino de Votorantim informou, por meio de nota, que a decisão de transferir os 11 alunos envolvidos na agressão (apesar de terem sido expulsos da unidade, eles têm vagas asseguradas em outras unidades da rede estadual) coube ao Conselho Escolar com base no histórico de violência dos estudantes e na gravidade do episódio em questão.
Cinco dos 11 já haviam sido transferidos até a tarde desta terça-feira e os demais continuavam frequentando a escola à espera de vagas em outras unidades estaduais de Votorantim.
Palavra de especialistas
Para o psicólogo Waldemir Justi, que estuda a questão do bullying e é autor de livros sobre o assunto, a transferência dos alunos é um paliativo. “É ingenuidade acharmos que o bullying é um fenômeno benigno, que é eliminado quando se extrai algum de seus praticantes.”
Para a pedagoga Márcia Santucci, o bullying é, acima de tudo, um fenômeno cultural presente no dia a dia das escolas brasileiras. “Transferir alunos violentos pode ser uma medida necessária, mas é ilusão achar que resolverá o problema. É preciso que haja ferramentas concretas para que os educadores abordem a questão junto a estudantes e seus pais.”
A Secretaria Estadual de Educação informa, também por nota, que vem conseguindo “resultados significativos” contra o bullying graças ao Sistema de Proteção Escolar.
Implantado em 2009, a iniciativa utiliza manuais de procedimento e conduta que são trabalhados pelos professores junto aos estudantes. Além do caráter educativo e preventivo, o programa tem em seu braço repressivo o apoio da Ronda Escola da Polícia Militar.
A secretaria informa que ainda neste ano a Escola Professor Daniel Verano receberá um professor-mediador, que terá como função trabalhar as relações interpessoais de sua comunidade escolar.
O BOM DIA foi à escola e tentou falar com a diretora, mas foi informada que ela não teria autorização para comentar o caso.
Pais serão fiscais nos intervalos
Alunos da Daniel Verano afirmam que a maior parte dos conflitos ocorre dentro da escola e não quando as turmas deixam a unidade. Durante os intervalos, o encontro de alunos de diferentes séries estaria por trás das provocações e das agressões.
Temerosos e querendo ajudar no combate do problema, pais se reuniram com representantes da unidade de ensino e definiram que atuarão como voluntários para ajudar a monitorar os alunos durante os intervalos.
A dona de casa Kátia de Cássia, 39 anos, mãe de uma aluna agredida com um soco no abdome, é uma das voluntárias. “Não podemos simplesmente virar as costas para o problema, lavar as mãos e culpar a escola. A questão envolve as famílias. Temos de estar presentes”, diz.
A também dona de casa Maria Aparecida de Almeida, 48, afirma que não se sente à vontade para deixar que a filha volte desacompanhada para casa após a jornada escolar. “Faço questão de vir apanhá-la todos os dias, assim aproveito e observo se há algum problema. Sei que os jovens não ficam à vontade para falar sobre certos assuntos com seus pais.”
Além de aceitar a ajuda dos pais, a direção da escola já promoveu medidas práticas para combater os conflitos entre alunos. Uma delas foi criar intervalos separados, impedindo que os alunos do 7º ano dividam o pátio com os mais novos.
Reforço policial
Desde o dia 12, o comando da Polícia Militar de Votorantim passou a disponibilizar policiais para tentar devolver a tranquilidade aos estudantes da Daniel Verano. Além da Ronda Escolar durante os períodos de entrada e saída de alunos, um policial foi designado para ficar no pátio da escola depois que o Conseg (Conselho Comunitário de Segurança) solicitou a medida em caráter provisório à PM.
José Roberto Galvão, presidente do Conseg Sul, afirma que a medida foi tomada diante do temor dos estudantes de que haja represálias por parte dos estudantes expulsos. “Sabemos que a polícia não terá condições de manter um PM na escola por muito tempo, mas nesse momento é importante devolver um pouco da calma a pais e alunos.”
José Roberto relata, no entanto, que toda a mobilização que as agressões causaram junto aos pais de alunos perdeu força quando a escola concordou em expulsar os 11 alunos. “Na reunião em que o destino dos alunos tidos como indisciplinados foi decidido havia cerca de 200 pais. Na reunião seguinte, alguns poucos. Na cabeça da maioria, o problema acabou com a retirada dos agressores”, afirma. “Estamos trabalhando junto à sociedade para mostrar que os pais não podem deixar o problema do bullying de lado agora. Os pais dos agressores precisam recuperar sua autoridade. Quanto aos pais das vítimas, será que eles estiveram atentos aos sinais que seus filhos lhes davam antes do ataque?”, indaga.
Exibição de poder
Marcelo, 15, estuda na Daniel Verona há dois anos. Ele afirma que no período matutino a situação é tranquila, mas no vespertino, alguns alunos do 7º ano oprimem os mais novos e se portam como donos da escola. “Por serem os alunos mais velhos e mais fortes do período da tarde, eles fazem das agressões uma forma de dominar os demais.”
A estudante Milene, 13, confirma a versão. “São alguns pouco violentos que acabam influenciando outros. Fica uma situação de conflito que acaba indo além dos muros de escola. são brigas que tornam-se rixas entre bairros e grupos.”
Projeto de lei
Na segunda-feira a Câmara dos Vereadores de Votorantim aprovou por unanimidade o projeto de lei que inclui medidas de conscientização, prevenção e combate ao bullying no projeto pedagógico de escolas municipais e particulares de educação infantil do município.
Defensores da Escola
Após a agressão, educadores, pais de alunos e representantes do Conseg criaram a Comissão Defensores da Escola que, entre outras ações, disponibilizará acompanhamento psicológico às vítimas, agressores e seus familiares. O Conseg pretende firmar convênios com a coordenadoria de cursos de psicologia de universidades da região para estender o apoio psicológico a toda a rede pública de ensino. O bullying estará no foco da assistência aos alunos.
ENTREVISTA
Elizabete Scarpanti, Secretária de Educação de Votorantim
'Combater o bullying é um desafio contemporâneo'
BOMDIA_ Hoje a situação da violência nas escolas é mais crítica que há alguns anos ou existe apenas mais divulgação dos casos?
Elizabete_ Os pequenos conflitos em âmbito escolar são normais e existem desde que a escola é escola, uma vez que na adolescência surge o espírito de competição entre os jovens. Mas a opressão presente em alguns casos de hoje em dia é fenômeno recente. É um desafio contemporâneo.
BOMDIA_ Existe uma política pública concreta para lidar com a questão do bullying?
Elizabete_ Desde 2009 começamos a preparar os professores da rede municipal a lidar com essa problemática. Tratar o assunto em classe é hoje parte da rotina. O resultado é positivo, já que não há registros de casos sérios na rede municipal. A política municipal, no entanto, não é aplicada à rede estadual. As unidades estaduais são de responsabilidade do governo do Estado.
BOMDIA_ Mas o fato de não haver ocorrências graves na rede municipal não quer dizer que não há bullying nessa esfera...
Elizabete_ Por isso estamos preparando uma pesquisa que será respondida por alunos e pais da rede municipal. O aluno relatará anonimamente se sofre algum tipo de violência. Queremos detectar as unidades onde o problema existe mas ainda está oculto aos olhos de pais e professores
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