Quem imagina que a universidade pública, em função da seleção rigorosa proporcionada pelos vestibulares, é um lugar onde se reúnem as melhores cabeças de uma geração, certamente ficou chocado com a notícia sobre o “rodeio das gordas”, realizado por alunos do câmpus de Assis da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), durante os jogos universitários em Araraquara, entre os dias 10 e 13 de outubro.
Como parte dos jogos, a título de “brincadeira”, aproximadamente cinquenta alunos participaram de uma competição desumana que consistia em abordar alunas obesas - obviamente, contra a vontade delas - e agarrá-las pelo maior tempo possível, por vezes montando em suas costas ou derrubando-as no chão, como num rodeio.
O caso vazou para a imprensa e a Unesp, instituição de ensino das mais respeitadas no cenário nacional, viu-se às voltas com um escândalo semelhante ao da Uniban, universidade particular de São Paulo onde uma aluna foi hostilizada por dezenas de colegas por usar minissaia, em outubro do ano passado.
A reação indignada dos alunos da Unesp, que fizeram manifestações e exigiram a punição dos envolvidos, mostra que os machões imbecilizados não representam o pensamento médio dos universitários, nem contam com a solidariedade da comunidade acadêmica. Pressionada, a reitoria nomeou uma comissão para apurar as responsabilidades, e deu início a um processo disciplinar contra dois alunos, que participaram da organização do evento.
É cedo para elogiar a direção da Unesp, que fez até agora apenas o óbvio e ainda ficará devendo uma resposta dura, corajosa, aos que foram capazes de tamanha crueldade para com garotas indefesas, em nome de sabe-se-lá qual instinto primitivo. Não são apenas o bom nome da instituição ou a credibilidade de seus dirigentes que ficaram na berlinda depois do lamentável episódio; é a própria crença de que a universidade, enquanto polo avançado de renovação do conhecimento e de discussão da sociedade, seja capaz de oferecer uma contribuição efetiva para a evolução das relações sociais, pela eliminação dos tratamentos discriminatórios e a construção de modelos de relacionamento respeitosos e democráticos.
Os incidentes de Araraquara suscitam uma necessária reflexão sobre o “bullying” no meio universitário, onde os jovens ainda são obrigados a conviver com trotes humilhantes e violentos, praticados não mais na porta da universidade - onde são proibidos -, mas em outros ambientes como festas e repúblicas. O “bullying”, termo que deriva do inglês “bully” (brigão, valentão), aplica-se a toda forma de violência física ou psicológica continuada, muito comum no ambiente universitário, ainda dividido entre “bichos” e “veteranos” e regido por códigos de convivência que desrespeitam os direitos mais elementares das pessoas.
Infelizmente, não há estatísticas sobre desistências causadas por hostilidades entre universitários, mas sabe-se que os castigos impostos aos calouros, obrigados a cumprir “tarefas” como servir os veteranos em festas, dançar e participar de brincadeiras perigosas, geralmente se unem às dificuldades naturais de adaptação nos cursos e numa rotina estressante (que, muitas vezes, implica sair da casa dos pais) para determinar a opção pela desistência, com prejuízos para o aluno, para a instituição de ensino e para a sociedade.
O “rodeio” de Araraquara é apenas a parte visível de um problema infinitamente mais grave e profundo, que precisa ser encarado por todas as autoridades - e não só pela universidade -, sem condescendência. Quem trata os colegas como seres inferiores e mulheres como animais - quem não sabe que ‘com gente é diferente‘, como diz a canção de Vandré e Theo de Barros -, não merece ter sua graduação paga pelos contribuintes. O “bullying”, esteja onde estiver, precisa ser combatido com energia, e seus praticantes, sempre que identificados, colocados em seu devido lugar, que não é outro senão o olho da rua.
Fonte: Jornal Cruzeiro do Sul
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