segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Detidos em suas mansões ou coberturas, ex-poderosos sucumbem ao bullying sofrido pelos filhos


O TEMPO
ANGÉLICA DINIZ
A superexposição das investigações na mídia revela uma rotina de desgastes jamais imaginada por políticos e por empresários envolvidos em corrupção, cuja condenação, até então, era incomum no país.
As vantagens obtidas por aqueles que celebraram com a Justiça acordos de colaboração premiada – como prisão domiciliar em suas mansões e apartamentos de luxo, com ou sem o uso de tornozeleira – não livraram seus filhos de sofrer bullying nas escolas, “por mais caras que sejam”, contam advogados ouvidos por O TEMPO.
Entre as queixas relatadas pelos defensores também estão o medo de vingança por parte dos delatados, a angústia pela iminência de novos processos, o desaparecimento dos “amigos” e os males físicos e psicológicos causados pelo confinamento. Alguns defensores de implicados na Lava Jato concordaram em falar com a reportagem sob condição de anonimato, seu e de seus clientes. “Há um forte desgaste nas relações familiares. Eles vivem sob pressão de novas delações, novas condenações. Os amigos desapareceram. As únicas visitas regulares ao meu cliente são as nossas, dos advogados”, conta um jurista que defende um condenado na Lava Jato. O cliente dele cumpre prisão domiciliar no Rio de Janeiro.
“O bullying contra os filhos é certo”, garante outro advogado. Nesse pacote, segundo ele, há pedidos de indenizações de ex-esposas por constrangimentos vividos por filhos, além de revisão de pensão alimentícia e brigas de casais. “A estrutura familiar desmorona por completo”, emendou o defensor.
No início desta semana, a ex-primeira-dama do Rio de Janeiro Adriana Ancelmo, detida no presídio Joaquim Ferreira, no Rio, entrou com novo pedido de habeas corpus junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). A mulher do ex-governador Sérgio Cabral, também preso, alegou que um dos dois filhos, ambos menores de idade, está com problemas na escola. Um laudo psicológico foi anexado à solicitação, ainda não avaliada pela Corte.
Saúde. A clausura, mesmo de quem cumpre pena de frente para o mar ou do alto de arranha-céus, desencadeia também doenças, segundo um advogado que se reune semanalmente no apartamento do seu cliente, monitorado por tornozeleira eletrônica. “Ele caiu doente poucos dias após o processo de colaboração e condenação. Há quase oito meses preso dentro de casa, está pálido, abatido, obcecado com as investigações”, conta o defensor.
A morte da ex-primeira-dama Marisa Letícia, ré na ação que julga a compra do do triplex no Guarujá e do sítio em Atibaia, foi emblemática. Após ela sofrer um AVC e falecer dias depois, o ex-presidente Lula declarou que as acusações contra ele e sua família teriam contribuído para o agravamento da saúde e para a morte da esposa.
No Complexo Penitenciário Gericinó, em Bangu, no Rio de Janeiro, Sérgio Cabral foi socorrido na Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) após passar mal no último dia 14.
Distante dali, em Curitiba, no Paraná, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) alegou sofrer de um aneurisma para justificar o pedido de liberdade, negado tanto pelo juiz Sergio Moro quando pelo STF.


ESBANJANDO

Mesmo com as penas, fortuna ainda “sobra”

Embora sofram as consequências da prisão, delatores ainda conseguem manter um alto padrão de vida. Advogado de ex-governadores, deputados e senadores investigados na Lava Jato, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, conta que nem sempre os réus são condenados a devolver ao erário o valor desviado. “Muitas vezes, a pessoa é condenada, cumpre a pena, mas não tem que devolver nada”, observou Kakay.
O advogado cita o caso do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, que assinou acordo de colaboração e gravou conversas com os senadores peemedebistas José Sarney (AP) Romero Jucá (RR) e Renan Calheiros (AL). “Ele (Machado) mentiu, fez gravações indevidas, não foi preso um dia sequer, fez acordo de proteção, protegeu os filhos e está levando uma vida normal. Devolveu uma quantia em dinheiro e, certamente, ficou com 100 vezes aquilo que devolveu”, disse Kakay, que defende Sarney.
No caso dos que cumprem pena e conseguiram preservar patrimônio, a fortuna à disposição parece fazer com que alguns parentes “esqueçam” o drama familiar. Em meio a suspeitas de que Eike Batista pagou milhões em propina a agentes públicos, os filhos dele – Thor e Olin Batista – ostentaram o luxo em hotéis pelo mundo, com diárias de até R$ 39 mil. A filha do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, Bárbara Cruz, divulgou nas redes sociais fotos em praias paradisíacas, mesmo após a prisão do pai.
O jornalista Anselmo Góis também publicou em sua coluna no jornal “O Globo” que algumas mulheres de alvos da operação Lava Jato continuam esbanjando dinheiro em um shopping de luxo do Rio de Janeiro. Segundo a nota, com medo da reação do público, as esposas levam sacolas de mercado e de farmácia para embrulhar as compras em grifes famosas. (AD)

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