Depois de vários anos de aposentado no papel é que me aposentei de fato. Na época, agi com destreza para não ser pego pela reforma da previdência do FHC. Esse pessoal tucano sempre quis ferrar o assalariado. Agora, voltaram ao poder, querem novamente mexer na aposentadoria.
Na verdade, os proventos do instituto naquela época serviram para melhorar minha renda, porque aumentara significativamente a minha carga de aulas na rede de ensino particular. A aposentadoria não é um momento para descanso, mas para melhorar o salário do aposentado que vai fazer bico.
Então, caro leitor, só agora estou saboreando o que é acordar, olhar para o teto e não ter nenhuma obrigação a fazer, a não ser as fisiológicas reclamadas pelo banheiro e pela cozinha.
Sensação nunca experimentada conscientemente, porque na roça, bastou andar, falar alguma coisa que as crianças já começam a cumprir as obrigações: tratar dos porcos, separar os bezerros, varrer o terreiro, aguar as plantas, varrer o terreiro. E assim vai.
Na cidade, com 12 anos, já fui apanhar algodão como boia-fria (pegar o caminhão de madrugada), vender banana, ser office boy. Com 16 anos, eu já era funcionário público, temporário, função simples: trabalhador braçal, mas foi tempo contado para minha aposentadoria.
Nunca tive a sorte grande, não ganhei na loteria, não me casei com mulher rica. A sorte sempre foi miúda, mas o suficiente para me deixar com boa saúde aos quase 70 anos e exercer o propósito do poeta romano Horácio: “Aurea mediocritas”, ou seja, viver tranquilamente, se contentar com pouco ou com aquilo que tem sem aspirar a mais.
Como dizem os descontentes, já estou com a miséria garantida.
Nesses primeiros meses de aposentado, ninguém faz a conta que trabalhei por 50 anos, já estou sofrendo bullying, sendo o serviçal da casa: vô faz isso, pai faz aquilo, marido faça alguma coisa útil, você é o vagabundo da casa mesmo. Há um pouco de exagero, mas é mais ou menos assim.
Mas o pior bullying é ser chamado por autoridades e pela mídia de “peso para os cofres públicos”, como se não tivéssemos colaborado com nada. Há muitos “veinhos” e “muitas veinhas” com a autoestima no calcanhar.
*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras.
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