domingo, 10 de fevereiro de 2013

Marta Suplicy e o conceito de bullying

esmo os mais escolarizados estão escorregando quando abordam a violência escolar, conhecida como bullying. Para muita gente, todo tipo de importunação teria se transformado em bullying. Na Folha da S. Paulo de 14.07.12, p. A2, quem não escapou dessa tentação foi a eminente senadora Marta Suplicy, que descreveu em seu artigo doze situações supostamente configuradoras de bullying, mas nenhuma delas (tal como apresentadas) verdadeiramente o é.


Os dois primeiros parágrafos estão corretos (o bullying é um conceito moderno, mas se trata de um fenômeno antigo; ele vitimiza pessoas frágeis diante de outras poderosas e faz parte da nossa vida). A partir daí, todas as situações descritas (som alto, ouvir sertanejo universitário, conduta dos motoboys nas ruas, buscar a magreza anoréxica, chefes assediadores, consumismo, propagandas enganosas, busca do sucesso, importunações na internet etc.) não têm nada a ver com o bullying (no sentido técnico) ou não são situações de bullying na forma narrada.

Não é que não possa haver bullying fora do âmbito escolar: pode. Mas ele requer reiteração da conduta dolosa contra uma vítima desamparada (fragilizada) que se encontra dentro de uma relação de poder desigual e que sofre muito com as ofensas repetitivas, capazes de gerar consequências emocionais profundas, que podem marcar a personalidade da vítima para o resto da vida.

Uma das inconveniências dessa banalização conceitual consiste no seguinte: quando postulamos medidas preventivas e corretivas sérias e tempestivas, à altura da gravidade do problema (10% das crianças na idade de 11 a 15 anos são vítimas de bullying no Brasil), tem-se a impressão de que estamos falando de exageros, de ideias estapafúrdias, de modismos. Afinal, sendo coisas “muito banais”, porque deveríamos estar pensando ou pedindo medidas tão sérias? Não estaria havendo desproporcionalidade, desarrazoabilidade?

Conclusão: o fenômeno bullying, analisado no âmbito escolar, caracteriza-se como uma subcategoria de violência bem específica, abrangendo muito mais do que desentendimentos cotidianos escolares e problemas estudantis, mas sim verdadeiro processo maléfico às vítimas nele inseridas, podendo, inclusive, ser fatal. Aliás, há muitos casos de suicídio em razão dele.

Neste sentido, há o estudo de um especialista americano Stan Koki que conclui:  “Bullying in Schools Should Not Be Par for the Course”, ou seja, o bullying escolar não deve ser tido como natural (não deve ser compreendido como fenômeno saudável ao desenvolvimento ou formação do aluno). Embora possa assemelhar-se a um rito de passagem inofensivo, o bullying é um problema social grave que pode afetar significativamente a capacidade dos alunos em progredir acadêmica e socialmente, podendo, ainda, ter consequências fatais para algumas crianças (Koki, 1999).

Portanto, é imprescindível que todos esses mitos, falsetes e achismos sobre o bullying (que relativizam este tipo de violência escolar como algo simbólico ou palatável) sejam sanados (liquidados), para que o verdadeiro significado do bullying prevaleça e seja difundido, dada a dimensão e gravidade do fenômeno.

*LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. Codiretor do Instituto Avante Brasil e do atualidadesdodireito.com.br. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Siga-me nas redes sociais: www.professorlfg.com.br.

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