Os dois primeiros parágrafos estão corretos (o bullying
é um conceito moderno, mas se trata de um fenômeno antigo; ele vitimiza
pessoas frágeis diante de outras poderosas e faz parte da nossa vida). A
partir daí, todas as situações descritas (som alto, ouvir sertanejo
universitário, conduta dos motoboys nas ruas, buscar a magreza
anoréxica, chefes assediadores, consumismo, propagandas enganosas, busca
do sucesso, importunações na internet etc.) não têm nada a ver com o bullying (no sentido técnico) ou não são situações de bullying na forma narrada.
Não é que não possa haver bullying
fora do âmbito escolar: pode. Mas ele requer reiteração da conduta
dolosa contra uma vítima desamparada (fragilizada) que se encontra
dentro de uma relação de poder desigual e que sofre muito com as ofensas
repetitivas, capazes de gerar consequências emocionais profundas, que
podem marcar a personalidade da vítima para o resto da vida.
Uma das inconveniências dessa
banalização conceitual consiste no seguinte: quando postulamos medidas
preventivas e corretivas sérias e tempestivas, à altura da gravidade do
problema (10% das crianças na idade de 11 a 15 anos são vítimas de bullying no
Brasil), tem-se a impressão de que estamos falando de exageros, de
ideias estapafúrdias, de modismos. Afinal, sendo coisas “muito banais”,
porque deveríamos estar pensando ou pedindo medidas tão sérias? Não
estaria havendo desproporcionalidade, desarrazoabilidade?
Conclusão: o fenômeno bullying, analisado no
âmbito escolar, caracteriza-se como uma subcategoria de violência bem
específica, abrangendo muito mais do que desentendimentos cotidianos
escolares e problemas estudantis, mas sim verdadeiro processo maléfico
às vítimas nele inseridas, podendo, inclusive, ser fatal. Aliás, há
muitos casos de suicídio em razão dele.
Neste sentido, há o estudo de um especialista americano Stan Koki que conclui: “Bullying in Schools Should Not Be Par for the Course”, ou seja, o bullying
escolar não deve ser tido como natural (não deve ser compreendido como
fenômeno saudável ao desenvolvimento ou formação do aluno). Embora possa
assemelhar-se a um rito de passagem inofensivo, o bullying é
um problema social grave que pode afetar significativamente a capacidade
dos alunos em progredir acadêmica e socialmente, podendo, ainda, ter
consequências fatais para algumas crianças (Koki, 1999).
Portanto, é imprescindível que todos esses mitos, falsetes e achismos sobre o bullying
(que relativizam este tipo de violência escolar como algo simbólico ou
palatável) sejam sanados (liquidados), para que o verdadeiro significado
do bullying prevaleça e seja difundido, dada a dimensão e gravidade do fenômeno.
*LFG – Jurista e cientista criminal.
Fundador da Rede de Ensino LFG. Codiretor do Instituto Avante Brasil e
do atualidadesdodireito.com.br. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983),
Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Siga-me nas
redes sociais: www.professorlfg.com.br.
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