No final da semana passada a Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
divulgou alguns dados sobre a actividade do Ministério Público em 2012.
Entre outra informação lê-se que se registaram 245 processos de
violência nas comunidades escolares, mais 86 que em 2011, um aumento de
54%. O Distrito Judicial de Lisboa abrange os círculos judiciais de
Almada, Caldas da Rainha, Cascais, Sintra, Lisboa, Loures, Oeiras,
Amadora, Torres Vedras e Vila Franca de Xira, além das regiões autónomas
dos Açores
e da Madeira, o que traduz um retrato significativo do país.
Estes números referem-se, evidentemente, a episódios
reportados sendo que, como acontece em múltiplas áreas, muitos outras
ocorrências não serão contabilizadas. Estranhamente, do meu ponto de
vista, esta informação não passou, que desse conta, de uma nota de
rodapé em alguma imprensa, o aumento do fenómeno da violência na
comunidade escolar parece já não merecer mais do que uma referência
breve, sem um sobressalto. Creio, no entanto, que se justificam algumas
notas.
Os comportamentos agressivos em contexto escolar, bullying por
exemplo, são tão antigos quanto a instituição escolar, sendo certo que
os estudos destes fenómenos são mais recentes.
Actualmente, estes
fenómenos são também mais objecto de referências fora dos contextos
escolares dado o volume e a gravidade de algumas situações, bem como a
divulgação de estudos e a fortíssima mediatização advinda do papel das
novas tecnologias de informação. Todos recordamos variadíssimos
episódios de violência que surgiram no YouTube registados em salas de
aula, recreios escolares ou fora da escola e que tiveram ampla
divulgação.
Em vários estudos muito recentes constata-se que os
adolescentes tendem a encarar a violência entre si, e de uma forma
geral, como normal, o que não surpreenderá os mais atentos. A sociedade
da informação e os sistemas de valores actuais banalizaram a violência,
não são os adolescentes que a banalizaram, acompanham o tempo.
Por
outro lado, a escola, por ser o espaço onde os adolescentes passam a
maior parte do seu tempo é, naturalmente, o espaço onde emergem e se
tornam visíveis os problemas e inquietações que os alunos carregam. No
entanto, não é possível considerar-se que a escola é mágica e
omnipotente pelo que tudo resolverá. “Tudo” pode envolver a escola, mas
nem “tudo” é da exclusiva responsabilidade da escola. A escola não tem
meios, recursos e competências para “resolver” um problema que é,
sobretudo, da comunidade. Aliás, a violência é apenas um dos vários
aspectos em que sendo certo que a escola pode fazer parte da solução,
não é, não pode e não consegue ser A solução, admitindo que existe uma
solução, algo de improvável nos nossos tempos.
Apesar disso, no
que respeita à violência envolvendo jovens e outros elementos das
comunidades escolares, um fenómeno complexo, duas questões que me
parecem essenciais e contributivas para a reflexão. Em primeiro lugar é
importante criar nos alunos, ou adultos, vitimizados a convicção de que
se podem queixar e denunciar as situações e encontrar dispositivos de
apoio que garantam protecção, o medo de represálias é o principal motivo
da não apresentação da queixa, sobretudo entre os mais novos. É
importante também que os actores da escola e pais e encarregados de
educação saibam detectar nos alunos sinais que indiciem vitimização.
Em
segundo lugar, é preciso contrariar no limite do possível a ideia de
impunidade, de que não acontece nada ao agressor, seja aluno, pai ou
encarregado de educação, funcionário, professor, etc. As escolas, tal
como a comunidade em geral podem e devem assumir atitudes, discursos e
montar dispositivos que, visivelmente, mostrem com clareza que não
existe tolerância para determinados comportamentos. Os efeitos de uma
certa cultura de impunidade que de mansinho se instalou em múltiplos
sectores da nossa sociedade são devastadores da sua qualidade ética e
cívica.
Por outro lado e no que respeita à violência que envolve
professores, o desgaste, intencional ou não, da imagem dos professores
produzido por discursos de responsáveis, incluindo parte do discurso de
responsáveis da tutela, algum do discurso produzido pelos próprios
representantes dos professores e também o discurso que muitos opinadores
profissionais, mais ou menos ignorantes, produzem sobre os professores e
a escola, contribuíram para um risco evidente de desvalorização da
imagem social dos professores, fragilizando-a seriamente aos olhos da
comunidade educativa, designadamente de alunos e pais. Esta
fragilização, para além das alterações nos modelos que regulam as
interacções sociais, tem, do meu ponto de vista, graves e óbvias
consequências, na relação dos professores com alunos e pais, sobretudo
porque mina a percepção da autoridade e do papel regulador dos
professores.
Um professor ganha tanta mais autoridade quanto mais
competente e apoiado se sentir. É também importante não esquecer a
formação de professores. As escolas de formação de professores não podem
“ensinar” só o que sabem ensinar, mas o que é necessário ser aprendido e
reflectido pelos novos professores e pelos professores já em exercício.
Problemas "novos" carecem também de abordagens "novas". São recorrentes
as referências a falta de formação para lidar com algumas situações de
maior tensão.
As escolas devem poder usar a sua autonomia para
desenvolver dispositivos de apoio, por exemplo, o recurso a outros
técnicos ou a utilização regular de dois professores em sala de aula que
pode ser uma medida de contenção de problemas de natureza disciplinar
que não raramente se transformam em episódios de violência, no momentoou
algum tempo depois no recreio ou à saída da escola. Não é necessário
aumentar o número de professores, é imprescindível que os recursos sejam
geridos de outra maneira e aproveitar os professores experientes que já
estão no sistema. Parece também claro que escolas e turmas
sobredimensionadas são um enorme factor de risco em muitas escolas, em
sala de aula ou no recreio. Este risco, entre outros, tem sido, aliás,
pouco considerado, nas decisões do Ministério da Educação e Ciência em
matéria de organização da rede escolar, na gestão do número de
professores e na definição do número de alunos por turma.
Escolas
organizadas, com cultura institucional sólida traduzida na adequação e
consistência dos seus projectos educativos e com lideranças eficazes são
mais organizadoras dos comportamentos de quem nelas habita, como
qualquer outra organização.
Os discursos demagógicos e populistas,
ainda que eventualmente bem-intencionados, não são um bom serviço à
minimização destes incidentes que minam a qualidade cívica da nossa
vida.
José Morgado é professor universitário no Instituto Superior de Psicologia Aplicada
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