quinta-feira, 8 de julho de 2010

A prática de “BULLYING” no direito brasileiro e norte-americano

Trata-se de artigo que versa sobre iniciativas legislativas envolvendo a prática de bullying e de assédio moral contra estudantes no Direito brasileiro e norte-americano


Foto Bruno Fontenele Cabral
bruno_fontenele@uol.com.br

O combate à prática de bullying representa um enorme desafio para a sociedade moderna. O bullying nas escolas é reflexo de uma cultura de individualismo, desrespeito à autoridade e exclusão social. Ele representa um fenômeno caracterizado por uma conduta contra estudantes, funcionários e professores por meio de assédio físico ou moral, com o propósito de humilhar, intimidar ou até mesmo afastar os alunos do convívio social, transformando de forma negativa o ambiente escolar e reduzindo a auto-estima das vítimas e seu rendimento acadêmico.

Nos Estados Unidos, vários estados já tem legislação contra a prática de bullying. Entre eles, o Estado de Washington, que define bullying como sendo o assédio ou intimidação representado por qualquer manifestação escrita, verbal ou física, que tenha por objetivo: a) agredir fisicamente um estudante, empregado da escola ou voluntário; b) destruir a propriedade pública; ou c) interferir substancialmente na educação ou na manutenção do aluno na escola. Além disso, o bullying pode ser definido como a conduta que tenha o efeito de alterar de forma significativa a rotina de trabalho da escola, bem como causar uma inquietação no aluno e nos empregados da escola que prejudique o ambiente escolar.

No Estado de Massachusetts, define-se bullying como sendo a prática de qualquer expressão, gesto ou padrão de comportamento físico ou verbal com a intenção clara de causar abalo físico ou emocional aos estudantes na área das escolas públicas e nas suas adjacências.

Já no Estado de Delaware, entende-se por bullying a prática reiterada de qualquer ato escrito, eletrônico, verbal ou físico, de forma intencional contra uma pessoa, que tenha o efeito de: a) causar na vítima medo razoável de sofrer um mal substancial; b) criar um ambiente educacional hostil, por meio de ações persistentes praticadas contra a vítima; c) interferir no ambiente escolar, prejudicando o rendimento acadêmico dos alunos; ou, ainda, d) praticar assédio contra um indivíduo com o intuito de desumanizar, embaraçar ou causar agressão física, emocional ou psicológica.

Outro estado que tem legislação sobre o assunto é a Florida. A lei estadual define bullying como sendo qualquer conduta crônica ou sistemática que cause danos físicos ou psicológicos em um ou mais estudantes ou que possa envolver a prática de atos, tais como humilhação pública, exclusão social, ameaças, intimidação, perseguição, violência física, assédio físico ou sexual e destruição de propriedade pública ou privada.

Já o assédio moral, no Estado da Florida, é definido como qualquer ameaça, insulto ou gesto praticados diretamente contra estudante ou empregado da escola com o intuito de causar na vítima um medo razoável de sofrer um dano. Também se define bullying pela conduta que tenha o efeito de interferir substancialmente com o rendimento dos estudantes; ou, ainda, a conduta que tenha o efeito de interromper ou causar inconvenientes para o desenvolvimento das atividades da escola.

É interessante observar que a legislação do Estado da Florida prevê a prática de incitamento ao bullying, ao estabelecer que comete incitamento quem acessa dados ou sistemas informatizados, no intuito de facilitar a prática de bullying ou sua promoção.

Cumpre, ainda, mencionar uma modalidade de bullying praticada por intermédio da internet ou por meios eletrônicos. Trata-se do chamado cyber-bullying, que nada mais é do que a divulgação de mensagens, fotos e textos por meio de mídias eletrônicas e sítios de relacionamento virtual (orkut, facebook, entre outros) com o intuito de intimidar, humilhar e assediar estudantes e professores.

Cabe destacar que, recentemente, nos Estados Unidos, houve a morte de uma adolescente por causa do bullying. A tragédia ocorreu quando Phoebe Prince, uma estudante da Irlanda, mudou-se para South Hadley, Massachusetts, e começou a namorar um estudante que era o astro do time de futebol americano da escola.

As outras estudantes de South Hadley, enciumadas com seu namoro, passaram a assediá-la por meio de cartazes, mensagens e comentários abusivos no sítio de relacionamento Facebook. A prática do bullying ocorreu sistematicamente durante meses, com omissão da Diretoria e dos professores da escola. Por fim, em 14 de janeiro de 2010, Phoebe Prince, depois de ter sido assediada na biblioteca da escola, nos corredores e no caminho para casa, inclusive com o arremesso de uma lata de refrigerante em sua cabeça com os dizeres: “Sua prostituta irlandesa”, chegou a sua residência, pegou um cachecol e cometeu suicídio por enforcamento. Após sua morte, os estudantes responsáveis pelo assédio acessaram a internet para fazer brincadeiras sobre o suicídio de Phoebe Prince.

Como resultado do presente caso, 07 (sete) estudantes foram acusadas pelos crimes de assédio criminoso (criminal harassment) e perseguição (stalking). Além disso, elas também foram acusadas pela prática de violação dos direitos civis e 02 (dois) estudantes também foram acusados de estupro por violência presumida (statutory rape: estupro que consiste na prática de conjunção carnal com menor de 16 anos, mesmo com seu consentimento).

No Brasil, o fenômeno bullying também tem se manifestado de forma freqüente. Não raro, há reportagens com a divulgação de cenas de violência e de assédio físico e moral contra alunos e funcionários de escolas públicas e privadas.

No que tange à criminalização do bullying, verifica-se que no Brasil ainda não há o crime de bullying. Sendo assim, sua prática é tipificada como crime de ameaça, racismo, injúria, calúnia, estupro, difamação ou lesão corporal, conforme o caso.

No entanto, é importante ressaltar que também não há um consenso sobre a necessidade, ou não, da criminalização do bullying. Entende-se, salvo melhor juízo, que a melhor forma de se combater o bullying seja por meio de ações educativas e preventivas contra a discriminação e a banalização da violência praticada nas escolas. No entanto, ainda há a necessidade de elaboração de maiores estudos para se verificar a conveniência, ou não, da criminalização do bullying, uma vez que há fortes argumentos a favor e contra a criação de um tipo penal específico para essa conduta.

No Brasil, há algumas iniciativas estaduais para combater a prática do bullying nas escolas. Por exemplo, o Estado de Santa Catarina aprovou a Lei Estadual nº 14.651, de 12 de janeiro de 2009, que propõe a instituição de um “Programa de Combate ao Bullying”, de ação interdisciplinar e de participação comunitária, nas escolas públicas e privadas do estado.

A Lei do Estado de Santa Catarina define bullying como sendo a prática de atitudes agressivas, intencionais e repetitivas, adotadas por um indivíduo ou grupo de indivíduos contra outros, sem motivação evidente, causando dor, angústia e sofrimento e, executadas em uma relação desigual de poder, o que possibilita a vitimização.

A legislação catarinense dispõe que o bullying pode ser evidenciado por meio de diversas atitudes praticadas contra estudantes, entre as quais: a) insultos pessoais; b) apelidos pejorativos; c) ataques físicos; d) grafitagens depreciativas; e) expressões ameaçadoras e preconceituosas; f) isolamento social; g) ameaças; e h) pilhérias.

Além disso, a legislação do Estado de Santa Catarina apresenta uma interessante classificação do fenômeno bullying, levando-se em conta as ações praticadas: a) bullying verbal: apelidar, falar mal e insultar; b) bullying moral: difamar, disseminar rumores e caluniar; c) bullying sexual: assediar, induzir ou abusar; d) bullying psicológico: ignorar, excluir, perseguir, amedrontar, aterrorizar, intimidar, dominar, tiranizar, chantagear e manipular; d) bullying material: destroçar, estragar, furtar, roubar; e) bullying físico: empurrar, socar, chutar, beliscar, bater; e f) bullying virtual ou cyber-bullying: divulgar imagens, criar comunidades, enviar mensagens e invadir a privacidade, com o intuito de assediar a vítima ou expô-la a situações vexatórias.

Também se tem notícia de que a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados aprovou, no dia 10 de março de 2010, projeto de lei que traz a obrigatoriedade de as escolas públicas e privadas adotarem medidas de prevenção e de combate ao bullying. Para o referido projeto, bullying consiste na prática de atos de violência física ou psíquica de modo intencional e repetitivo, exercida por um indivíduo ou por grupos de indivíduos, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de constranger, intimidar, agredir, causar dor, angústia ou humilhação à vítima.

Dessa forma, o bullying pode se manifestar por diversas maneiras, tais como a exclusão da vítima do grupo social, a injúria, calúnia ou difamação, a perseguição, a discriminação, bem como o uso de redes sociais para incitar a violência, adulterar fotos, fatos e dados pessoais (cyber-bullying).

Por todo o exposto, percebe-se que ações tímidas têm sido adotadas no Brasil contra a prática do bullying. As iniciativas legislativas têm se concentrado principalmente no combate ao bullying por meio da criação de programas de prevenção e de combate ao assédio físico e moral nas escolas.

Já nos Estados Unidos, o combate ao bullying também encontra enormes desafios, principalmente, no que se refere à tipificação da conduta e em relação à responsabilidade civil das escolas pelo descaso que os alunos, muitas vezes, enfrentam ao tentar denunciar os abusos a que são submetidos.

Por fim, cumpre destacar que 41 (quarenta e um) estados norte-americanos já possuem leis contra bullying. Atualmente, o Congresso Nacional dos Estados Unidos tem debatido a criação de uma lei federal para disciplinar a prática do bullying e do cyber-bullying.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

  1. ASHFORTH, Blake. Petty Tyranny in organizations. Human Relations, v. 47, nº. 7, 1994.

  2. BATSCHE, GM & KNOFF, H.M. Bullies and their victims: Understanding a pervasive problem in the schools. School Psychology Review, v. 23, nº 02, 1994.

  3. BRASIL. Santa Catarina. Lei nº 14.651, de 12 de janeiro de 2009. Dispõe sobre a instituição do Programa de Combate ao Bullying, de ação interdisciplinar e de participação comunitária nas escolas públicas e privadas do Estado de Santa Catarina. Disponível em: http://www.alesc.sc.gov.br/escola/docs/cartilhabullying.pdf. Acesso em: 30.04.2010.

  4. BRASIL. Distrito Federal. Projeto de Lei nº 5.369/09. Disponível em: www.camara.gov.br/sileg/MontarIntegra.asp?CodTeor=662118. Acesso em: 29.04.2010.

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  6. CALHAU, Lélio Braga. Bullying: o que você precisa saber. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2009.

  7. EINARSEN, S., HOEL, H., ZAPF, D, COOPER, C.L. Bullying and emotional abuse in the workplace. Internacional perspectives in research and practice. London: Taylor & Francis, 2003.

  8. ESTADOS UNIDOS. Leis sobre a prática de bullying. Disponível em: http://www.bullypolice.org/. Acesso em: 21.03.2010.

  9. GIBBS, Nancy. When Bullying goes from cruel to criminal. Time magazine. Disponível em: http://www.time.com/time/magazine/article/0,9171,1978773,00.html. Acesso em: 30.04.2010.

  10. HURLEY. LAURIE. When the child is the target of a bully or excessive criticism. Disponível em: http://www.edarticle.com/character-education/bullying/when-your-child-is-the-target-of-a-bully-or-excessive-criticism.html. Acesso em: 23.04.2010.


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