sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Crítica | Atypical – 1ª Temporada

CINE POP

Rafael Gomes

Emaranhado de sons, cores e o vigor reluzente de luzes que beiram o neon, tamanho o seu brilho. A sinestesia de uma vida cercada pela apuração mais aguçada de um mundo que já é bem estrondoso naturalmente é consternadora, quase sufocante. Dimensionar a absorção do meio social por parte de um autista implica em perceber esta realidade que nos cerca por outra ótica. Implica em sair da zona de conforto. Implica em tocar em um ponto pouco debatido fora do espectro de quem convive e sofre com esta condição. Tirar das extremidades uma temática tão complexa e imersiva também implica em despir-se de alguns conceitos ao ponto da vulnerabilidade desconfortável de quem se manteve alheio às outras condições humanas que permeiam o convívio social. Essa desconstrução é o muro mais recente derrubado pela Netflix. É o incomum trazido ao centro da mesa de jantar. É a série Atypical, a nova joia preciosa da empresa.
A plataforma de streaming tem tocado em feridas abertas profundas, algumas em quase estado necrosante. Dolorosas, latentes e perturbadoras, elas normalmente são evitadas pelo meio social, que insiste em despistar alguns assuntos, pelo bem do comodismo. Confrontando certos moralismos e intelectualismos, a Netflix rompeu este ciclo vicioso ao tratar de maneira dilacerada o suicídio, o bullying escolar e a anorexia. Desta vez, o autismo entra em cena pelas mãos de Robia Rashid, nos levando a um debate franco e prazeroso sobre um questionamento que deveria ser mais dialogado sem tanto temor. Precisamos falar sobre isso e uma vez mais a empresa nos toma pela mão em direção a um universo muito mais fascinante que jamais poderíamos imaginar.
Atypical se destaca por sua narrativa bem construída. Desmistificando alguns conceitos que desenvolvemos ao longo dos anos através de conversas de corredores, comentários incoerentes e ignorantes ou fatos aleatórios lidos superficialmente em blogs sem propriedade, a nova série traz uma leveza surpreendente, que permite o equilíbrio ideal com a seriedade do transtorno neurológico. Aqui, estamos diante de uma história pouco conhecida para aqueles que, assim como eu, viveram boa parte de suas vidas aquém ao convívio direto com autistas. Adentramos um pequeno mundo reservado, onde uma família americana de classe média é consolidada no que tange ao trato com um jovem de 18 anos que se encontra no espectro autista. Dentro dessa atmosfera, desfrutamos dos dissabores que esta condição pode propiciar. Nem tudo são flores. Mas as coisas estão bem longe de serem sombrias e tenebrosas.

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