Ainda lembro como se fosse hoje: o menino ficava acabrunhado, enquanto outras crianças caíam na gargalhada como se fizessem parte de um coro cruel, que chegava às alturas na hora do recreio. Apelidado de “cem de óleo”, porque era branquinho e tinha a pele do rosto brilhante, o garoto nem se defendia, mas os reflexos do bullying iam se refletindo no mau desempenho do boletim, marcado pelos riscos vermelhos feitos pela professora nas tarefas realizadas em casa. Àquela época, o termo era entendido por familiares e educadores apenas como um comportamento comum na primeira infância, brincadeiras de gente pequena. Muitas vezes me peguei sentindo algum desconforto com o visível constrangimento que o apelido causava no menino, mas não me achava à vontade nem incentivada a interromper a malcriação do grupo. Menos ruim que não me juntasse aos que riam, mas via tudo a uma certa distância. Eis o “x” desta questão: testemunhas que, mesmo não concordando, silenciam.
Na vida real como nos filmes e livros, as vítimas estão sempre constrangidas ou maltratadas com mais energia por um integrante do grupo que se sente apoiado pelos outros através das gargalhadas surgidas após cada provocação. A boa notícia é que, tratando a questão pelo viés da “plateia”, um método revolucionário nascido na universidade finlandesa de Turku – agora sendo exportado para vários países, inclusive da América Latina – produz cada vez mais resultados surpreendentes. Os psicopedagogos entendem que embora a maioria dos envolvidos ache inquietante participar de alguma situação marcada pela violência, muitas crianças se sentem perdidas, sem saber como fugir do problema ou ajudar o colega agredido. Sendo assim, os criadores do método KiVa decidiram incorporar ao processo, também, os observadores, a partir da certeza de que rindo ou silenciando eles encorajam quem pratica mais frontalmente a agressão.
A conclusão é simples e certeira: se o agressor se vir só, sem os colegas à volta achando graça ou apenas observando, vai se sentir sem força para levar adiante o desejo de expor o alvo a humilhações e assim a “brincadeira” acaba perdendo a graça. Outro aspecto importante está no fato de o método se antecipar ao problema antes que ele aconteça, criando nas crianças a consciência do quanto seu papel é importante na luta para interromper o ciclo nocivo do bullying. Em linhas gerais, funciona assim: quando a escola identifica o caso, logo uma equipe treinada entra em campo para colocar em prática um protocolo específico que envolve não apenas vítima e agressor, mas, também, testemunha. No entanto, cada personagem é trabalhado individualmente, sem margem para enfrentamentos. O resultado é que as crianças acabam se sentindo confortáveis com a ideia de ter a quem recorrer quando se virem diante de tais quadros.
Nem sinal de o Brasil sinalizar para a adoção do método, ao contrário dos vizinhos Argentina, Chile, Colômbia e Peru, que se animaram com os avanços conquistados pela qualidade da educação infantil na Finlândia, após do KiVa. Lá, segundo levantamento que considerou um contingente de 30 mil estudantes na faixa etária dos 7 aos 15 anos, o modelo da Universidade de Turku (Sudoeste) eliminou o bullying em 80% das escolas e noutras diminuiu as ocorrências em 20%. Entre os países latino-americanos que abriram as portas para a novidade, não há dúvida de que fizeram bem, embora as condições pedagógicas, no continente, não se mostrem tão favoráveis – professores têm menos apoio e tempo e as famílias possuem uma visão distorcida sobre o problema, pois buscam culpados em lugar de soluções. Apesar das dificuldades, a prática avança na conquista de terreno mais amplo. Ruim mesmo é a situação do Brasil, onde o problema continua sendo tratado a toque de caixa, sob a velha visão do agir somente após do estrago feito. Infelizmente, o que segue surpreendendo no país ainda é a incapacidade de aprender com o que dá certo a curta distância de suas fronteiras.
Fonte: Diário de Pernambuco
Nenhum comentário:
Postar um comentário