Às 18h30 do dia 15 deste mês, depois de um longo dia de trabalho e compromissos, cerca de 20 pais vencem o trânsito e chegam aos poucos ao auditório do Colégio Arnaldo, no bairro Funcionários, na região Centro-Sul de Belo Horizonte. Todos estão ali voluntariamente para ouvir palestras sobre vulnerabilidade na adolescência e ciberbullying. A psicóloga Carla Couto traz, logo no início, um indicador assustador da Organização Mundial da Saúde (OMS): a cada 40 segundos, uma pessoa dá fim à própria vida no mundo. “Suicídio não é frescura”, diz, “é uma tentativa de acabar com a própria dor”.
Os pais assistem atentamente e fazem perguntas até após as 20h30, horário programado para o término do evento. “Saí de lá preocupada, principalmente quando ela (Carla Couto) falou do vício em redes sociais, do quanto isso é prejudicial e traz danos como o vício por drogas ilícitas”, comenta a advogada Mariley Simone Celestino Marques Azevedo, 50, mãe de uma garota de 16 anos. “É preciso sair da nossa zona de conforto e buscar informação sobre o tema”, completa.
Iniciativa aplaudida por todos, mas ainda pouco frequente nas escolas. Segundo especialistas no assunto, para vencer o bullying e suas consequências, é preciso o combate permanente. “Muita gente aborda o tema de maneira incompleta. O bullying é uma forma sistematizada de violência que requer uma forma sistematizada de prevenção. O assunto tem que entrar em pauta e continuar na nela”, diz o pedagogo e diretor da Abrace, empresa que desenvolve o projeto “Escola Sem Bullying”, Benjamim Horta.
Legislação. De acordo com Horta, o Brasil começou a discutir o tema em 2000, com pelo menos 30 anos de atraso em relação a países europeus. Depois da Lei Federal 13.185/2016, conhecida como Lei Antibullying, as escolas têm trabalhado a questão de forma mais consistente. A legislação obriga instituições de ensino, clubes e agremiações recreativas a notificarem os casos de violência e a desenvolverem medidas de conscientização, prevenção e combate. Porém, no mês de abril, completou-se um ano sem que Estado e município tenham dados sobre a incidência do problema.
A coordenadora de Educação em Direitos Humanos e Cidadania da Secretaria de Estado de Educação (SEE), Kessiane Goulart Silva, afirma que, desde a sanção da lei, está em produção um sistema eletrônico para que as escolas registrem as ocorrências. “A ferramenta ainda não ficou pronta, mas deve ser lançada em junho”, promete. Ela explica que não há dados sobre suicídios de estudantes na rede estadual nem uma ação focada nesses temas.
Procurada, a Secretaria Municipal de Educação (Smed) de Belo Horizonte não havia respondido aos questionamentos da reportagem até o fechamento desta edição. As perguntas foram enviadas com uma semana de antecedência.
O que é?
Bullying. Quando uma pessoa é exposta repetitivamente e durante determinado período a ações negativas de colegas. Durante esse processo, o aluno que está sofrendo geralmente apresenta dificuldades de se defender.
NÚMEROS
43% das crianças e jovens no país já sofreram bullying por razões como aparência física, etnia, gênero e orientação sexual.
12 mil pessoas morrem por suicídio anualmente no país, segunda principal causa de morte entre jovens, conforme a OMS.
QUANDO E COMO DENUNCIAR
Crime. Bullying não é um crime previsto no Código Penal, mas
Ciberbullying. O mesmo vale para essa versão do bullying que é praticada com uso de recurso tecnológico.
Penas. As penas para crimes contra a honra são leves. Difamação, por exemplo, prevê reclusão de três meses a um ano. O juiz pode dar pena máxima se o crime gerar consequências mais graves, como suicídio.
Recomendações. A delegada Renata Ribeiro informou que nunca deve-se compartilhar fotos ou informações que possam ferir a integridade das pessoas e que as vítimas devem denunciar os casos à Delegacia de Crimes Cibernéticos.
EXEMPLO
Colégio incentiva amor pelo próximo
Maria Fernanda Manso de Matos, 14, aluna do Colégio Arnaldo, em Belo Horizonte, já foi chamada de bruxa várias vezes porque tinha pintas no rosto. Depois de uma cirurgia para retirar as marcas, o bullying cessou, mas, vez ou outra, era alvo de “brincadeiras” sobre algo de sua aparência física. Depois da ação “Baleia Vermelha”, realizada na escola no início de maio, a cena mudou. No dia 15, quando a reportagem foi ao local, ela trazia no braço uma dedicatória: “Eu amo você”, assinada por um aluno da turma.
Em vez de ofensas, os alunos foram sensibilizados a elogiar e a demonstrar carinho pelo próximo. E muitos também pediram desculpas pelo bullying já praticado. Com os olhos vendados, todos se sentiram à vontade para revelar situações de violência, tanto agressores como vítimas, e a ação terminou em um grande abraço. “Alguns se perdoaram e disseram como se sentiam. Cada um se colocou no lugar do outro, e a sala começou a perceber quais brincadeiras ‘não eram legais’”, contou o coordenador de orientação educacional, José Antônio de Andrade Neto.
O diretor da Abrace, Benjamim Horta, que desenvolve o projeto “Escola sem Bullying” em algumas instituições da capital, pondera que essas ações devem envolver alunos, educadores e famílias. “Onde tem prevenção e combate, tem redução do bullying”, conclui. (LC)
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