Psicóloga afirma que a prática ultrapassa os muros escolares e que apoio da família é fundamental
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Adolescentes confessam baixa autoestima e tentativa de suicídio após serem alvos de chacotas dos colegas
VINÍCIUS LEMOS
DA REDAÇÃO
Tornar-se motivo de chacota dos colegas, ouvir apelidos maldosos e ter de lidar com a rejeição são alguns dos fatores enfrentados por quem sofre 'bullying' - atos de violência física ou psicológica praticados de forma intencional e repetitivos.
Seja na infância, adolescência ou mesmo na vida adulta, as palavras vexatórias fazem parte da rotina de muitas pessoas e, segundo especialistas, podem acarretar em problemas sérios, como a depressão.
Entre os alvos principais de quem pratica bullying estão aquelas pessoas que não se encaixam em determinados padrões estéticos. É o caso da estudante Ana*, de 17 anos, aluna de uma escola pública tradicional de Cuiabá.
Ela disse sofrer sempre que relembra os momentos de humilhação que passa na escola, onde cursa o terceiro ano do ensino médio.
"Desde criança, eu sou assim e sempre fui chamada de gorda, baleia, entre outros apelidos. Neste ano, me colocaram o apelido de Peppa Pig [personagem infantil]"
O motivo das ofensas, de acordo com a adolescente, é por ser considerada gorda pelos colegas.
Segundo ela, o sobrepeso a acompanhou durante toda a vida, assim como as palavras maldosas dos companheiros de classe.
“Desde criança, eu sou assim e sempre fui chamada de gorda, baleia, entre outros apelidos. Neste ano, me colocaram o apelido de Peppa Pig [personagem infantil]”, lembrou.
Em entrevista ao MidiaNews, a adolescente chorou ao comentar sobre o bullying que sofre diariamente por parte dos colegas de classe e confessou ter baixa autoestima e o emocional fragilizado desde que passou a ser alvo das palavras de desprezo na escola.
Segundo a jovem, ela procurou a ajuda dos pais e relatou o tratamento que recebia. Como resposta, eles a aconselharam a ignorar as ofensas, o que, segundo Ana, não resolveu o problema.
“A situação só melhorou quando fui procurei a coordenação da escola, mas ainda assim sofro bullying, pelo mesmo garoto. Ele sempre fala que vai parar, mas continua fazendo piadinhas”, lamentou.
Sexualidade
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Vítima de chacotas na escola, adolescente reclama que, denunciar o problema nem sempre garante uma solução imediata
Além da aparência, questões referentes a sexualidade também são motivos para bullying. Desde que assumiu sua homossexualidade, Lucas*, 17 anos, sofre com os comentários e piadas dos colegas na escola.
“Desde que entrei na escola, sofro preconceito. Me xingam de 'bichinha' e várias outras coisas que acham que possa me ofender”, relatou.
Lucas afirmou que, em meio às ofensas, acabou perdendo a paciência e chegou a agredir um colega de classe.
Ele afirmou, ainda, que já chegou a ser internado num hospital, após tentar o suicídio em razão dos apelidos jocosos. Hoje mais forte, ele diz que os xingamentos continuam, porém, não o incomodam mais.
“Teve uma época em que eu cheguei a cortar os pulsos porque não aguentava mais os apelidos, mas isso não me incomoda mais. A minha mãe é homossexual também e sempre me ensinou que isso não é pecado. Ela só tem medo, diz que é perigoso brigar por causa disso”, afirmou.
A coordenação da escola, conforme Lucas, é omissa aos casos de bullying e não costuma resolvê-los.
Também em razão da sua orientação sexual, a adolescente Juliana*, 17, contou que já foi alvo de bullying na escola por diversas vezes.
Ela e a namorada costumam andar de mãos dadas pela escola onde estudam e, conforme relato, sempre são alvos de olhares preconceituosos.
Nem a coordenação da escola, de acordo com a adolescente, escapa de ações preconceituosas.
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Jovem de 17 anos diz ser alvo diário de chacotas na escola por causa de sua orientação sexual
“A minha namorada me pediu em namoro no pátio da escola e, por causa disso, a inspetora nos levou para a diretoria. Ela nos disse que a gente estava desrespeitando a escola”, afirmou.
Juliana contou sofrer com a rejeição também dentro de casa, onde os pais não aceitam a sua orientação sexual. Segundo a jovem, eles chegaram a querer tirá-la da instituição, para que ela não pudesse mais ver a namorada.
“Os meus pais nunca apoiaram o meu namoro, mas também sofro bullying dos coordenadores da escola. As pessoas são preconceituosas em todo o lugar. Uma coordenadora me disse uma vez que o mundo era heterossexual e eu estava errada”, falou.
Apoio é fundamental
Conforme a psicóloga Estelita Rodrigues, o culto à aparência na atualidade fez com que o bullying se tornasse mais recorrente.
Rodrigues explica que o bullying é uma atitude social e a busca por um padrão estético ideal acaba fazendo com que aqueles que não correspondem à expectativa tornem-se motivos para chacotas e exclusão.
"A estrutura familiar é muito importante para quem sofre bullying, pois isso evita que a vítima sofra grandes abalos emocionais. Atualmente, há isolamento social dentro da própria casa"
“A vida inteira, desde que as pessoas passaram a viver em grupo, os apelidos existem. Porém, não havia essa supervalorização da aparência. Atualmente, qualquer coisa que tire do padrão social, tende a ser considerada ofensa”, disse.
A profissional afirmou que o bullying ultrapassa os muros da escola, quando os jovens vítimas de tais atos não contam com o apoio dos pais ou familiares, apontado por ela como fundamental para evitar possíveis traumas.
“A estrutura familiar é muito importante para quem sofre bullying, pois isso evita que a vítima sofra grandes abalos emocionais. Atualmente, há isolamento social dentro da própria casa”, explicou.
Segundo a psicóloga, o bullying pode ocorrer em outras situações, como na faculdade ou em ambientes de trabalho, não sendo um problema exclusivo das escolas.
Durante a vida acadêmica, conforme a especialista, campanhas devem ser feitas para garantir a boa formação das vítimas, a fim de que elas não sofram consequências de tais atos de agressão no futuro.
“É importante que haja a promoção de relacionamentos sadios, a escola deve promover campanhas de aceitação. Em casa, é importantes os pais reforçarem os laços e incentivarem a vítima de bullying a se aceitar do modo que é”.
O ambiente escolar, conforme a psicóloga, deve incentivar os alunos a promover a inclusão de gêneros, raças e culturas, principalmente na adolescência, que é uma das fases mais complicadas para a formação pessoal.
“A adolescência é uma criação social que ocorre no período da puberdade. É uma fase crítica, onde qualquer arranhão na autoimagem mexe com a pessoa, por isso é fundamental acompanhamento familiar”, explicou.
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Campanhas escolares e lei estadual visam ao fim do bullying, mas apoio da família é fundamental para evitar traumas, afirma especialista
Lei anti-bullying
Em 2012, o Governo de Mato Grosso sancionou a Lei Nº 9.724, sobre prevenção e combate ao bullying. O documento incentiva as escolas públicas e particulares a desenvolverem projetos pedagógicos de medidas de conscientização, prevenção, diagnóstico e combate ao bullying escolar.
A lei define o bullying como prática de atos de violência física ou psicológica, de modo intencional e repetitivo, exercida por indivíduo ou grupos de indivíduos, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de constranger, intimidar, agredir, causar dor, angústia ou humilhação à vítima.
O decreto propõe a instituição da “Semana de Combate e Prevenção ao Assédio Escolar bullying no Estado de Mato Grosso”. O evento deve ser realizado anualmente, sempre na primeira semana de abril.
Paz na Escola
Segundo a Secretaria de Estado de Educação (Seduc-MT), além da lei estadual, o Governo conta com o projeto “Paz na Escola”, desenvolvido pela pasta, que possui o objetivo de coibir atos de violência no ambiente escolar. De acordo com a coordenadora da ação, Ana Carolina Costa, o bullying é um dos itens do projeto.
Costa afirmou que muitas das agressões ocorridas dentro de instituições de ensino são motivadas pelo bullying.
“Quanto maior a vulnerabilidade, maior a violência. A maioria dos casos de violência em escola estão ligados a questões comportamentais ou a problemas familiares”, disse.
*Os nomes dos adolescentes entrevistados na reportagem foram alterados para que suas identidades sejam preservadas.
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