Inversão de valores, fazendo com que vítimas se adéquem ao mundo que os agressores tratam como “normal”, é mesmo uma saída para o problema?
Fonte: Administradores
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Entidade defende cirurgia plástica como maneira de evitar sofrimento causado pelo bullying
Alguns médicos precisam de uma intervenção cirúrgica na consciência.
Recebi um release da regional São Paulo da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP/SP) com o seguinte título: "Bullying impulsiona aumento de cirurgia plástica em crianças". No texto, um médico, presidente da entidade, diz que a cirurgia plástica, "que pode ser feita em crianças a partir dos 6 anos de idade", “sem dúvida é uma excelente maneira de devolver a autoestima às crianças que passam a sofrer bullying por conta dessa condição” (sic). Quando fala na tal “condição”, o release se refere aos meninos e meninas que têm “orelhas de abano”.
É deprimente ver "profissionais de saúde" defendendo que frankensteinizar crianças perfeitamente saudáveis para que se moldem a padrões estéticos é algo "excelente". Mais absurdo ainda é saber que pais e mães aceitam e incentivam barbáries como essa.
O bullying é um problema sério e as consequências em crianças, adolescentes e até mesmo adultos desse tipo de prática podem atingir níveis extremos, como o suicídio. Mas, infelizmente, certos atalhos não resolvem o problema. Não sou psicólogo nem educador, mas não é preciso ser especialista ou passar anos pesquisando para perceber que essa inversão de valores promovida como “uma maneira de devolver a autoestima” é nociva.
A cirurgia plástica é uma intervenção importantíssima e, sim, pode ser uma grande aliada para recuperar a autoestima das pessoas, como vítimas de acidentes, pacientes com má-formação congênita, mulheres que fizeram cirurgia da mama etc. Até mesmo as intervenções meramente estéticas, não as condeno. São decisões particulares e cada indivíduo deve ser livre para decidir fazer o que bem entender com seu corpo e ser respeitado por isso. Mas crianças completamente saudáveis, definitivamente, não precisam de cirurgia.
Nós, enquanto sociedade, é que precisamos de uma transformação profunda. Uma mudança de mentalidade e, consequentemente, de atitudes que não se resolve com bisturis.
Façamos um exame de consciência: qual postura diante da vida podemos esperar de um adulto que, desde a infância, foi ensinado a passar seus anos se enclausurando em cada redoma que lhe era imposta ao longo de seu caminho?
Ver um filho sofrer não é nada agradável para nenhum pai ou mãe que realmente se preocupa com suas crias. E acredito, de verdade, que muitos que recorrem à cirurgia plástica para combater o bullying podem fazer isso por desespero, desinformação ou inocência diante da situação. Justamente por esse motivo, acredito que esse assunto precisa entrar em debate urgentemente.
Dos médicos, eu gostaria de esperar mais que a promoção de um novo mercado.
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