Os argumentos da atriz são inatacáveis. Diante deles, Trump e seus defensores só podem gaguejar... e tuitar
Jennifer Rubin, O Globo
A evisceração que Meryl Streep fez do presidente eleito Donald Trump durante a cerimônia do Golden Globes, no domingo, deixou uma marca duradoura porque ela se absteve de fazer um discurso ideológico; em vez disso, deu uma demonstração de humilhação moral. Ela não o mencionou por nome ou o rotulou. Ela descreveu o que ele fez/faz e explicou por que isso importa:
“Houve uma performance este ano que me aturdiu. Ela afundou suas garras no meu coração. Não porque fosse boa. Não havia nada de bom nela. Mas foi efetiva e alcançou seu objetivo. Fez a audiência à qual se dirigia rir e expor os dentes. Foi aquele momento em que a pessoa pedindo para se sentar na mais respeitada cadeira em nosso país imitou um jornalista com deficiência, alguém a quem ele superava em privilégio, poder e capacidade de revidar. Isso cortou meu coração quando vi. E ainda não consigo tirar de minha cabeça porque não era um filme. Era a vida real.”
Afora os defensores de Trump, quem pode realmente assistir ao vídeo de Trump, agitando os braços, e não ver um ato de imensa crueldade dirigida a uma pessoa específica?
Os republicanos (inclusive Trump) desqualificam cada fala que vem de Hollywood como “progressista” ou “irreal”, mas criticar a humilhação de uma pessoa com deficiência deveria ser algo com que todos os americanos poderiam concordar.
Se Streep estivesse vendendo uma agenda particular (digamos, aquecimento global) ou tivesse debochado dos eleitores de Trump, os republicanos teriam base para reclamar. Ela não fez nada disso; portanto, eles ficam restritos a viradas de olhos e insultos (“uma das atrizes mais superestimadas” está entre as menos efetivas bravatas de Trump).
Ao falar de imigração, ela não o chamou de xenófobo ou defendeu um alívio para os beneficiários do Daca (Deferred Action for Childhood Arrivals — política de imigração americana que dá uma moratória de dois anos a imigrantes ilegais menores de idade).
Ela fez algo muito mais eficaz. Lembrou aos americanos que a imigração é crucial à definição dos EUA e, sim, à sua grandeza. As pessoas que ela apontou — e milhões de outros — enriquecem os EUA. Perde-se muito tempo discutindo que os imigrantes não nos afetam; Streep nos lembrou que devemos nos concentrar no que perdemos quando a imigração é interrompida ou as pessoas são deportadas.
Streep continuou explicando por que a atitude atroz de Trump tem importância: “E esse instinto para humilhar, quando é modelado por alguém numa plataforma pública, por alguém poderoso, escorre pela vida de todos, porque dá permissão para que outras pessoas façam o mesmo. Desrespeito gera desrespeito. Violência gera violência. Quando os poderosos usam sua posição para agredir os outros, todos perdemos.”
De novo, republicanos indignados não querem defender valentões, não é mesmo? Se é este o caso, e se os republicanos não querem abraçar o veneno, a provocação e o bullying de Trump, eles deveriam aplaudir, e não reclamar do discurso da atriz.
Por fim, qualquer reação conservadora contra a defesa de uma imprensa livre e independente sugere que a propaganda noturna e nada noticiosa da Fox News realmente deformou a direita. Qual foi o grande pecado que ela cometeu ao conclamar que a “imprensa de princípios vigie o poder e o cobre por cada ultraje?” Era uma vez (nos últimos oito anos), os conservadores apoiaram a Lei dos Direitos, exigindo uma imprensa mais agressiva.
A reação de Trump e dos analistas de direita em geral ignora a substância do que Streep disse por uma boa razão. Streep humanizou as “elites de Hollywood” (“e o que é Hollywood afinal? É apenas um bando de pessoas de vários lugares”) e fez um apelo universal pela decência. Seus argumentos são virtualmente inatacáveis (por exemplo, não zombe do deficiente, não faça bullying, apoie uma imprensa livre). Trump e seus defensores só podem gaguejar uma resposta — e tuitar.
Meryl Streep discursa ao receber o prêmio Golden Globe 2017 (Foto: Divulgação)
Jennifer Rubin é articulista do “The Washington Post”
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