terça-feira, 13 de outubro de 2015

Mais de um terço dos portugueses conhecem crianças ou jovens alvo de violência


Barómetro com base em mais de 800 entrevistas mostra que a maioria dos que tiveram conhecimento pessoal de casos não contou a ninguém.



Os inquiridos reconhecem a gravidade e o impacto da violência na saúde física e mental dos menores DANIEL ROCHA

Conhece pessoalmente situações em que crianças ou jovens foram vítimas de algum tipo de violência? Aconteceu na escola? Na seio da família? Noutros contextos? Mais de um terço (36%) dos portugueses dizem que sim, que têm conhecimento pessoal desse tipo de casos.

São resultados do Barómetro da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) e da Intercampus, que revelam também que “mais de metade dos inquiridos tem a percepção de que as situações de violência contra crianças e jovens aumentaram nos últimos anos”.

Foram contempladas mais perguntas. As respostas serão apresentadas na sede da APAV, em Lisboa, nesta terça-feira. “Nas situações de violência praticada contra crianças e jovens de que teve conhecimento, comunicou a situação a alguma pessoa e/ou estrutura?” Mais de metade dos inquiridos (62%) responderam: “Não.”

“Nas situações de violência praticada contra crianças e jovens de que teve conhecimento, a criança ou jovem vítima alguma vez recebeu algum tipo de apoio?” Quase metade (44%) responderam, uma vez mais: “Não.”

Dos inquiridos que declararam ter conhecimento pessoal de uma criança ou jovem vítima de violência, 22% referiram bullying e um número semelhante (21%) episódios de violência escolar; 15% disseram conhecer casos de negligência em meio familiar e 14% de maus tratos em meio familiar.

Destinado avaliar a “percepção da população portuguesa sobre a violência contra crianças e jovens”, o barómetro foi feito com base em 807 entrevistas, realizadas pela empresa de estudos de mercado Intercampus. A amostra é constituída por maiores de idade, de todo o país.

Noção da gravidade
Os dados mostram que a maior parte das pessoas que conhecem crianças ou jovens vítimas de alguma forma de violência estão convictas de que elas não tiveram apoio para ultrapassar a situação. Quando ele acontece, diz ainda quem participou no estudo, são a escola (42%), em primeiro lugar, e a família (37%), em segundo, as duas “estruturas” que mais o prestam.

Mais residual é a intervenção da polícia (17% dos casos em que, de acordo com os inquiridos, houve algum tipo de apoio), da comissão de protecção de crianças e jovens (16%), dos serviços de saúde (também 16%), ou de psicólogos (6%).

“Era muito importante que as pessoas agissem”, diz Maria de Oliveira, porta-voz da APAV. Refere-se sobretudo às respostas que revelam o silêncio de muitos dos inquiridos perante casos de violência contra crianças e jovens.

Parece claro, entre os que participaram no estudo, que os efeitos das várias formas de violência são graves. “A percepção da gravidade e do impacto na saúde física e mental das crianças ou jovens vítimas de violência é bastante elevada e concomitantemente a importância atribuída à prevenção e ao combate das situações de violência”, lê-se nas conclusões do trabalho. Apenas um indicador para ilustrar esta ideia: quando se pediu aos inquiridos para avaliarem, quantitativamente, numa escala de 1 a 10, a gravidade e o impacto nas crianças de vários tipos de situações, a violência sexual em meio familiar recebeu um 8,9, os maus tratos na família 8,7, tanto quanto o bullying. Uma percepção de grande gravidade, portanto.

Alguns “casos mediáticos”, prossegue Maria de Oliveira, bem como o “aumento de noticiário e de canais regionais que abordam estes temas”, têm contribuído para que as pessoas estejam mais sensibilizadas — e, eventualmente, para que tenham também a percepção de que há mais situações. Cerca de 80% acreditam que está a crescer o número de casos de violência em contexto escolar, de bullying e de situações de agressão, intimidação e assédio associadas ao uso da Internet e de outras tecnologias, envolvendo crianças (ver infografia). Mas falta o resto: denunciar, quando é caso disso.

Os dados do estudo, diz Maria de Oliveira, mostram “que há algum desconhecimento das estruturas às quais se pode recorrer nestes casos”, quer entre as crianças quer entre os adultos (isto, apesar de 49% dos inquiridos concordarem com a frase “os adultos e a sociedade em geral conhecem os direitos existentes na lei para protecção das crianças e jovens em situações de violência” e de 55% acharem que “a sociedade em geral sabe o que fazer para garantir a protecção das crianças”).

Maria de Oliveira lembra que a APAV é uma das portas a que se pode bater, seja para denunciar um caso de violência familiar ou um de bullying — “A linha telefónica 116 006 é gratuita e anónima e funciona entre as 9h e as 19h dos dias úteis.” A associação, explica, trata depois de accionar os mecanismos para avaliar a melhor forma de intervenção em cada caso.

No ano passado, explica ainda, a APAV acompanhou 992 crianças e jovens vítimas, “uma média de 2,7 por dia”, sublinha. Em relação ao ano anterior este número pouco mudou (foram 974 casos em 2013).

Entre os inquiridos que disseram já ter denunciado situações de violência contra menores, a escola (38%) e a polícia (26%) foram as entidades a que mais recorreram.

Mais prevenção
Sobre o papel da prevenção, não há divergências. A família (referida por 86% dos inquiridos) e a escola (67%) são consideradas as estruturas mais importantes na prevenção e combate à violência praticadas contra crianças e jovens. E poucos são os que discordam da ideia de que as crianças “devem ser educadas” sobre o que fazer em casos de violência.

Para ajudar nesta parte, a APAV lembra que “mais de 16 mil jovens” frequentaram acções de sensibilização nas escolas, promovidas pela associação. “Mas o que este estudo mostra, sobretudo, é que é preciso apostar mais neste tipo de intervenção. Precisamos investir mais na prevenção e de ter as escolas abertas para este tipo de sensibilização”, diz Maria de Oliveira.

Ainda a pensar nas crianças e jovens vítimas, a associação lançou dois sites: o APAV para jovens (apavparajovens.pt/pt/) e o ABC Justiça (abcjustica.pt). Objectivos: explicar direitos, conceitos e estratégias numa linguagem acessível. Estão lá, por exemplo, as questões de violência online, o que se pode fazer para manter a segurança em espaços de diversão nocturna, ou o tipo de estratégia a seguir se se for vítima de violência por parte de um namorado ou namorada.

A amostra do estudo APAV/Intercampus que será apresentado nesta terça-feira tem “uma distribuição proporcional por região NUTS II, dimensão do habitat, género e idade da população residente, com base nos dados do Censo 2011 do Instituto Nacional de Estatística”. A informação foi recolhida através “de entrevista pessoal e directa, com base em questionário elaborado pela APAV”. O trabalho de campo decorreu entre 15 de Maio e 30 de Junho.

      

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