A Associação Anti-Bullying com Crianças e Jovens nasce em Braga no âmbito do projecto de doutoramento do investigador da Universidade do Minho e professor de Educação Física, Paulo Costa. Em entrevista á Antena Minho e ao Correio do Minho, Paulo Costa alerta para a sensibilização da importância da denúncia, quer por parte das vítimas, quer por parte dos colegas que assistam a episódios de ‘bullying'.
P - Recentemente foi constituída em Braga a Associação Anti-Bullying com Crianças e Jovens (AABCJ). Uma jovem associação com muito para andar.
R - Em termos institucionais constituiu-se em 12 de Agosto deste ano, no Dia Mundial da Juventude, foi uma coincidência. A tomada de posse foi na passada terça-feira, no Instituto Português da Juventude e Desporto (IPDJ).
P - Neste caso a data escolhida já não foi por acaso?
R - Não foi. Escolhemos o Dia Mundial de Combate ao Bullying, para tomar posse. Não é uma designação que enquanto associação, apreciemos porque é uma linguagem bélica para falar de algo que é agressivo, intimidatório. Preferimos dizer Dia Mundial Anti-Bullying onde se pressupõe uma intervenção, uma acção face aquele tipo de comportamentos.
P - O ponto de partida para a Associação, foi a sua tese de doutoramento?
R - Se eu fosse a analisar todo o processo diria que houve uma investigação/acção. Há o lado do Paulo Costa professor, do investigador e há o lado em que desenvolvo dinâmicas anti-bullying. Foi um conjunto de factores que se uniram e que levam ao aparecimento da AABCJ. Dá-me algum orgulho ver a evolução desse processo. Temos uma página no Facebook que tem quase 12 mil seguidores. Curiosamente não são os portugueses os que nos seguem em maior numero. São os angolanos. Mas há também quem nos siga de Moçambique, Timor, Argentina, Brasil, Chile, México, França e Estados Unidos. A nossa sede fica na Nexus. Este ano a nossa associação vai desenvolver a sua investigação na área da violência no namoro colocando a questão de saber se estamos perante ou não uma forma de bullying. Vamos depois desenvolver um outro trabalho de investigação no âmbito do projecto 'rato da biblioteca', denominado 'gente da minha terra'.
P - A AACBJ nasce em Braga, mas há a vontade de que venha a ter uma intervenção a nível nacional?
R - Sim. Este grupo já existe desde 2008/2009 quando eu recebi uma turma no Agrupamento de Escolas de Real. Durante os cinco anos que estive como director dessa turma a temática do 'Bullying' foi sempre abordada.
P - Teve resultados esse trabalho com os alunos? O fenómeno do Bullying foi atenuado? Disse ter sido na altura confrontado com um caso desses?
R - Na primeira reunião com os pais é me comunicado por um casal que a filha tinha sido vitima de “bullying” no ano anterior e que as eventuais agressoras também estavam na mesma turma. Isto fez com que estivéssemos atentos e tentámos controlar o problema das relações. No ano lectivo seguinte - 6º ano - a situação de bullying volta a surgir. Os pais da jovem ficaram preocupados e optou-se por uma solução com a qual não concordei, transferir a aluna.
P - Penaliza mais a vítima do que os agressores.
R - O mudar de escola, se calhar vai levar o problema para o outro estabelecimento de ensino. Curiosamente em relação ao acaso que estou a relatar isso aconteceu. Há casos em que efectivamente é desejável a mudança do aluno. A vítima de bullying tem um conjunto de características que faz com que seja um alvo fácil.
R - É adiar o problema. Aquilo que é o desafio é intervir. Coincidentemente nessa altura começa o doutoramento e colocou-se-me logo a necessidade de investigação a partir deste caso que não teve o desfecho que eu acho que deveria ter. Durante três anos desenvolvi um estudo longitudinal em que no 7.º ano tivemos uma prevalência de 31 % de casos de bullying, 41% no 8.º ano e 32% no nono ano; isto num universo de 174 alunos.
P - Uma das ideias expressa na sua tese de doutoramento que está em fase de conclusão é que uma grande percentagem das vítimas de bullying não apresenta queixa.
R - A exemplo do que fizemos no Agrupamento de Escolas de Real o ano passado com os quintos anos, decidimos na altura para assinalar a Semana de Combate ao Bullying fazer palestras sobre o que é o bullying, de que forma é que se manifesta e estou referir-me ao verbal, exclusão social, sexual/homofóbico, digital e a ameaça. Estas formas de manifestação de bullying estão presentes nos três anos em que fiz o estudo. Verifica-se que o verbal e a exclusão são os mais que prevalecem, depois o físico, o sexual, a ameaça e finalmente o digital. Em relação ao bullying digital tenho algumas interrogações. O estudo foi realizado entre 2010 e 2013,nesse período o acesso à internet através de telemóvel - penso eu - não seria tão comum.
P - Esse fenómeno de ’bullying’ digital pode ter aumentado?
R - Os problemas que eu tenho sentido enquanto professor, reportam-se para situações que começam na escola e que depois aparecem nas redes sociais.
P - Dizia esta semana na apresentação da associação que o senso comum leva muitas vezes a confundir-se o bullying com as chamadas “brincadeiras de recreio”.
R - No caso das crianças do primeiro e segundo ciclo é comum, mais no género masculino, a brincadeira da luta, é um medir forças sem a intenção de querer magoar ou ferir o outro. Quando falamos de bullying, falamos claramente numa intenção de magoar a vítima, o agressor(a) sente prazer em maltratar. Existe uma assimetria de poder, o agressor tem poder sobre a vítima e depois o comportamento agressivo, ameaçador não sucede uma vez apenas, repete-se no tempo.
P - Antes de ter vindo para esta entrevista houve uma homenagem ao Nelson Antunes, um jovem que frequentava a escola de Palmeira, vítima de bullying e que se suicidou.
R - Decidimos após a tomada de posse esta semana da direcção da associação, ter como primeiro acto a homenagem ao Nelson. A mãe do Nelson e o irmão não querem que a morte deste jovem caia no esquecimento.
P - O que sucedeu com o Nelson Antunes é a prova de que estamos a falar de um fenómeno muito que pode ter consequências dramáticas.
R - Claramente.
bullying que tomou conhecimento em que a vítima teve de ser transferida de escola, fica a nítida sensação que a escola em geral não está preparada para lidar com estas situações e parece preferir ignorar a existência do bullying dentro do seu espaço. Há incómodo nas instituições de ensino?
R - Ainda ontem eu falava com uma educadora social que estava na tomada de posse dos órgãos da AABCJ e tinha combinado que eventualmente na escola dela poderia fazer-se um trabalho anti-bullying. Ela falou com o director e a resposta foi ' Não! Na nossa escola não há bullying'. Não pode existir esta mentalidade. Só podemos afirmar se há ou não, se investigarmos. Aquilo que nós, associação estamos a tentar é a partir de pilares como o Município de Braga, IPDJ, as escolas e também a Universidade do Minho, trabalhar em rede. O que sugerimos é começar por fazer um estudo representativo do concelho de Braga. Depois com os dados disponíveis, partilhá-los com as direcções das escolas, com o pessoal docente e não docente. Pretendemos fazer em Braga as jornadas da juventude anti-bullying. A ideia é ter representantes de várias escolas do município. De preferência um aluno por cada ano de escolaridade para haver representatividade desde o primeiro ao nono ano. Da parte da manhã são dados a conhecer pormenores do estudo; convidam-se dois especialistas da área do bullying para falar sobre o tema; da parte da tarde fazem-se grupos aleatórios de alunos que vão reflectir sobre o que se passou de manhã e apresentar três propostas de acção. No final do dia todos os alunos voltam a reunir-se, o porta-voz de cada um dos grupos anuncia as suas propostas e iremos tentar votar três medidas de acção sugeridas pelos jovens.
P - Um projecto para desenvolver no próximo ano?
R - Sim em 2016
P - Há dias conversando com um jovem que integra a associação, ele sugeria a existência nos estabelecimentos de ensino de uma espécie de caixa de reclamações para denúncias anónimas de casos de bullying. Isso acontece porque as escolas e os agentes educativos não estão preparados para assumir e lidar com o fenómeno?
R - Nas escolas existe um gabinete de apoio ao aluno. Nesses espaços para além do programa de educação para a saúde ao nível da sexualidade dos jovens existem também orientações para violência escolar e bullying. Normalmente é um tema que não é abordado. Há uma parte muito importante neste fenómeno que é o observador. O que nos dizem os estudos é que de uma forma geral, 70% das crianças e jovens não estão directamente envolvidos em comportamentos de bullying. Mas indirectamente estão. Ao observar, ao terem conhecimento já começam por ficar com medo por poderem ser as próximas vítimas. Aquilo que era o desejável é que esses 70% tivessem uma atitude pro-activa. Intervindo directamente na situação ou fazendo a denuncia junto do funcionário, do professor do director de turma.
P - Mas nesse é caso é preciso que o aluno encontre no receptor da sua denúncia alguém que saiba distinguir o bullying e que não desvalorize o que lhe é dito. Tem falado da necessidade desta temática fazer parte dos planos curriculares.
R - A vários níveis, nomeadamente ao nível da formação inicial. Não conheço nenhum curso com formação ao nível da violência escolar, daí que os professores por muita boa vontade que tenham, muitas vezes não dominam a área e por isso têm alguma dificuldade em intervir. Alias, eu gosto muito mais de dizer, pessoal docente e não docente, porque estou a referir-me a toda a gente da escola. Também é importante a formação para os pais. Os pais também têm de interpretar alguns indicadores que os alunos podem manifestar.
P - Como é que os pais das vítimas e dos agressores reagem quando confrontados com o envolvimento dos filhos em casos de bullying?
R - É muito complicado. Os pais dos agressores dificilmente aceitam que os filhos tenham esses comportamentos. Os pais das vítimas começam a entrar num desespero porque o filho vai para a escola, será que está bem? Tudo isto é extremamente complicado.
P - A solução é tirar o aluno que é vitima, da escola.
R - Eu não sou apologista dessa solução. Somente em casos extremos. Estamos a falar de comportamentos humanos. Eu não gosto muito de receitas. O que funciona num determinado contexto pode não se aplicar noutro. O que funciona com uma criança pode não funcionar com outra.
P - Não deveria haver também uma intervenção pedagógica sobre o autor das agressões?
R - Claramente!
P - Retirar a vitima para uma outra escola, não resolve nada porque os agressores mantêm-se.
R - Sem duvida e vão seleccionar outro alvo para continuar a exercer bullying. Temos que ir ver o historial dessas crianças porque as crianças como é evidente, não são naturalmente agressoras. A violência é algo que nós aprendemos. Somos agressivos do ponto de vista humano, mas somos racionais, logo podemos controlar a agressividade. Quando essa agressividade é para prejudicar terceiros naturalmente temos de ter cuidado e teremos de intervir. Fala-se de bullying, fala-se logo das crianças e dos jovens como um problema. Eu tenho uma visão completamente oposta. Acredito muito mais que eles podem ser a chave, podem ser a solução para o problema. Claro que temos de fazer um trabalho de consciencialização e que pode começar eventualmente a partir do primeiro ciclo e quiçá no ensino pré-escolar. Há estudos que indicam que crianças com quatro anos já assumem comportamentos agressivos e intimidatórios nomeadamente de exclusão, verbal, físico, existindo nessas idades uma carga de intencionalidade em exercer poder sobre o outro.
P - Qual o papel que a Associação pode vir a ter na formação de professores, pais e de outros agentes?
R - Mais do que os nossos associados e sem lhes retirar importância, temos um patamar que é a Nexus. Trata-se de uma entidade formadora que poderia garantir formação, por exemplo ao pessoal não docente. No caso do Centro de Formação Braga-Sul poderia assegurar a formação aos professores. Aos pais, creio que nós, AABCJ, teríamos todas as condições para o fazer também, até porque temos uma mãe que fala, na primeira pessoa, de que o 'bullying' não é uma brincadeira de crianças. Eu costumo dizer que na brincadeira todos se divertem, no 'bullying' há um que eventualmente se está a divertir mas há outro que está sofrer com o divertimento. Junto dos alunos, a Associação pode ter também um papel importante na sensibilização e informação. A AABCJ tem estrutura ao nível dos pais e dos alunos para dar formação. É uma associação juvenil e estamos muito mais motivados para trabalhar com os jovens. Já conversei com os responsáveis da Nexus e do Centro de Formação Braga-Sul no sentido haver formação a este nível do 'bullying'. Eu considero que era importante sabermos o que se passa no município de Braga. Ter os números á frente, tentarmos ver de que forma é que estes casos acontecem.
P - Admite que esse estudo não será fácil? Espera encontrar muitas resistências na abordagem da temática?
R - Espero que não. Desejava ter directores das escolas e agrupamentos que fazem parte do concelho de Braga com vontade de querer conhecer a sua escola ao nível do ‘bullying’ e reconhecerem que isso não faz a escola ser melhor ou pior. Na minha opinião é pior quando não se sabe nada sobre o tema. Ter dados e tentarmos fazer face aos problemas, isso sim é de louvar! Naturalmente, não podem afirmar nunca de que não há ‘bullying’. Eu não acredito e gostava que um dia me provassem que há uma escola que não tem ‘bullying’.
P - Este fenómeno acontece tanto ao nível do ensino público como do ensino privado.
R - Não existem distinções
P - E no que diz respeito ao género? Há diferenças?
R - Essa é outra questão na minha tese de doutoramento. Existia o mito de que os rapazes eram mais agressores, eram mais vitimas. A minha investigação mostra exactamente o oposto.
P - Nos últimos tempos assistimos a situações mediáticas envolvendo violência quase extrema entre raparigas.
R - A minha tese aponta claramente para o facto de não haver em matéria de ‘bullying’, diferenças entre os comportamentos dos rapazes e das raparigas. Vamos para o físico: maior prevalência neles mas não há diferenças estatisticamente significativas. Quer dizer que este tipo de comportamento passa-se em ambos os géneros. Na exclusão são as raparigas que têm maior prevalência. O ‘bullying’ sexual está presente de igual forma nos dois géneros mas com o homofóbico a predominar nos rapazes de forma significativa. No digital também não encontramos grandes diferenças e na ameaça também não.
P - No digital que tipo de ‘bullying’ é que se manifesta?
R - Pode estar todo o tipo á exceção do físico. Ainda ontem contavam-me um episódio sobre um grupo que decidiu convidar uma colega para uma 'sala de chat' numa rede social. A jovem aceitou mas depois deixou esse grupo. Passados alguns tempos voltou à sala conversação e verificou que estava a ser insultada por todos, sem excepção. Vejam a crueldade. Convida-se alguém para fazer parte de um grupo para depois espezinhar. Estamos a falar da utilização de meios de grande exposição pública da pessoa. Esse é grande o problema porque uma situação pode ser replicada ‘ene’ vezes!
P - Já aqui mencionou o ‘bullying’ no pré-escolar e no ensino básico. E na universidade? Nas praxes, podemos também falar de casos de bullying?
R - Tive um bom exemplo do Instituto Politécnico de Viana do Castelo que fizeram uma praxe anti-bullying com iniciativas interessantíssimas, algumas delas estão na página da associação no Facebook. O que posso dizer entretanto é que aquilo que foi o meu alvo, foram os alunos do segundo e terceiro ciclo, porque são os ciclos onde trabalho, embora eu já estivesse a trabalhar na universidade há cerca de dez anos. Quero concluir este doutoramento e o pós-doutoramento vai ser muito virado para a população adulta. Quando falamos de 'bullying' fica-se com a ideia de que são coisas de crianças/jovens, mas não é. Nos adultos isso também acontece. Os próprios alunos muitas vezes testemunham atitudes entre adultos que são nitidamente comportamentos de ‘bullying’. Na minha direcção de turma chegou-se a assistir a comportamentos desses. Os adultos têm que ter a esse nível uma conduta irrepreensível em frente, por exemplo, aos alunos.
P - Disse que este movimento anti-bullying teve uma receptividade moderada junto de alguns seus colegas diretores de escolas, no entanto na sociedade bracarense houve nesta semana um agitar de águas sobre o ‘bullying’.
R - Fiquei muito contente em ver a Francisco Sanches, Gualtar, Real e outras escolas a aderir. Em Vila Verde fiquei encantado com o trabalho da escola ‘Amar a Terra’. No centro de Braga tivemos uma receptividade muito boa da população á nossa mensagem anti-bullling e á associação. Na tomada de posse, a temática foi abordada mais uma vez através da arte quer com música, quer arte digital e depois através dos discursos das pessoas presentes. Temos o IPDJ que está a ser fantástico connosco, o Dr. Manuel Barros apelidou-nos de 'brigada da boa vontade'. Gostei muito dessa designação.
P - Recentemente foi constituída em Braga a Associação Anti-Bullying com Crianças e Jovens (AABCJ). Uma jovem associação com muito para andar.
R - Em termos institucionais constituiu-se em 12 de Agosto deste ano, no Dia Mundial da Juventude, foi uma coincidência. A tomada de posse foi na passada terça-feira, no Instituto Português da Juventude e Desporto (IPDJ).
P - Neste caso a data escolhida já não foi por acaso?
R - Não foi. Escolhemos o Dia Mundial de Combate ao Bullying, para tomar posse. Não é uma designação que enquanto associação, apreciemos porque é uma linguagem bélica para falar de algo que é agressivo, intimidatório. Preferimos dizer Dia Mundial Anti-Bullying onde se pressupõe uma intervenção, uma acção face aquele tipo de comportamentos.
P - O ponto de partida para a Associação, foi a sua tese de doutoramento?
R - Se eu fosse a analisar todo o processo diria que houve uma investigação/acção. Há o lado do Paulo Costa professor, do investigador e há o lado em que desenvolvo dinâmicas anti-bullying. Foi um conjunto de factores que se uniram e que levam ao aparecimento da AABCJ. Dá-me algum orgulho ver a evolução desse processo. Temos uma página no Facebook que tem quase 12 mil seguidores. Curiosamente não são os portugueses os que nos seguem em maior numero. São os angolanos. Mas há também quem nos siga de Moçambique, Timor, Argentina, Brasil, Chile, México, França e Estados Unidos. A nossa sede fica na Nexus. Este ano a nossa associação vai desenvolver a sua investigação na área da violência no namoro colocando a questão de saber se estamos perante ou não uma forma de bullying. Vamos depois desenvolver um outro trabalho de investigação no âmbito do projecto 'rato da biblioteca', denominado 'gente da minha terra'.
P - A AACBJ nasce em Braga, mas há a vontade de que venha a ter uma intervenção a nível nacional?
R - Sim. Este grupo já existe desde 2008/2009 quando eu recebi uma turma no Agrupamento de Escolas de Real. Durante os cinco anos que estive como director dessa turma a temática do 'Bullying' foi sempre abordada.
P - Teve resultados esse trabalho com os alunos? O fenómeno do Bullying foi atenuado? Disse ter sido na altura confrontado com um caso desses?
R - Na primeira reunião com os pais é me comunicado por um casal que a filha tinha sido vitima de “bullying” no ano anterior e que as eventuais agressoras também estavam na mesma turma. Isto fez com que estivéssemos atentos e tentámos controlar o problema das relações. No ano lectivo seguinte - 6º ano - a situação de bullying volta a surgir. Os pais da jovem ficaram preocupados e optou-se por uma solução com a qual não concordei, transferir a aluna.
P - Penaliza mais a vítima do que os agressores.
R - O mudar de escola, se calhar vai levar o problema para o outro estabelecimento de ensino. Curiosamente em relação ao acaso que estou a relatar isso aconteceu. Há casos em que efectivamente é desejável a mudança do aluno. A vítima de bullying tem um conjunto de características que faz com que seja um alvo fácil.
R - É adiar o problema. Aquilo que é o desafio é intervir. Coincidentemente nessa altura começa o doutoramento e colocou-se-me logo a necessidade de investigação a partir deste caso que não teve o desfecho que eu acho que deveria ter. Durante três anos desenvolvi um estudo longitudinal em que no 7.º ano tivemos uma prevalência de 31 % de casos de bullying, 41% no 8.º ano e 32% no nono ano; isto num universo de 174 alunos.
P - Uma das ideias expressa na sua tese de doutoramento que está em fase de conclusão é que uma grande percentagem das vítimas de bullying não apresenta queixa.
R - A exemplo do que fizemos no Agrupamento de Escolas de Real o ano passado com os quintos anos, decidimos na altura para assinalar a Semana de Combate ao Bullying fazer palestras sobre o que é o bullying, de que forma é que se manifesta e estou referir-me ao verbal, exclusão social, sexual/homofóbico, digital e a ameaça. Estas formas de manifestação de bullying estão presentes nos três anos em que fiz o estudo. Verifica-se que o verbal e a exclusão são os mais que prevalecem, depois o físico, o sexual, a ameaça e finalmente o digital. Em relação ao bullying digital tenho algumas interrogações. O estudo foi realizado entre 2010 e 2013,nesse período o acesso à internet através de telemóvel - penso eu - não seria tão comum.
P - Esse fenómeno de ’bullying’ digital pode ter aumentado?
R - Os problemas que eu tenho sentido enquanto professor, reportam-se para situações que começam na escola e que depois aparecem nas redes sociais.
P - Dizia esta semana na apresentação da associação que o senso comum leva muitas vezes a confundir-se o bullying com as chamadas “brincadeiras de recreio”.
R - No caso das crianças do primeiro e segundo ciclo é comum, mais no género masculino, a brincadeira da luta, é um medir forças sem a intenção de querer magoar ou ferir o outro. Quando falamos de bullying, falamos claramente numa intenção de magoar a vítima, o agressor(a) sente prazer em maltratar. Existe uma assimetria de poder, o agressor tem poder sobre a vítima e depois o comportamento agressivo, ameaçador não sucede uma vez apenas, repete-se no tempo.
P - Antes de ter vindo para esta entrevista houve uma homenagem ao Nelson Antunes, um jovem que frequentava a escola de Palmeira, vítima de bullying e que se suicidou.
R - Decidimos após a tomada de posse esta semana da direcção da associação, ter como primeiro acto a homenagem ao Nelson. A mãe do Nelson e o irmão não querem que a morte deste jovem caia no esquecimento.
P - O que sucedeu com o Nelson Antunes é a prova de que estamos a falar de um fenómeno muito que pode ter consequências dramáticas.
R - Claramente.
bullying que tomou conhecimento em que a vítima teve de ser transferida de escola, fica a nítida sensação que a escola em geral não está preparada para lidar com estas situações e parece preferir ignorar a existência do bullying dentro do seu espaço. Há incómodo nas instituições de ensino?
R - Ainda ontem eu falava com uma educadora social que estava na tomada de posse dos órgãos da AABCJ e tinha combinado que eventualmente na escola dela poderia fazer-se um trabalho anti-bullying. Ela falou com o director e a resposta foi ' Não! Na nossa escola não há bullying'. Não pode existir esta mentalidade. Só podemos afirmar se há ou não, se investigarmos. Aquilo que nós, associação estamos a tentar é a partir de pilares como o Município de Braga, IPDJ, as escolas e também a Universidade do Minho, trabalhar em rede. O que sugerimos é começar por fazer um estudo representativo do concelho de Braga. Depois com os dados disponíveis, partilhá-los com as direcções das escolas, com o pessoal docente e não docente. Pretendemos fazer em Braga as jornadas da juventude anti-bullying. A ideia é ter representantes de várias escolas do município. De preferência um aluno por cada ano de escolaridade para haver representatividade desde o primeiro ao nono ano. Da parte da manhã são dados a conhecer pormenores do estudo; convidam-se dois especialistas da área do bullying para falar sobre o tema; da parte da tarde fazem-se grupos aleatórios de alunos que vão reflectir sobre o que se passou de manhã e apresentar três propostas de acção. No final do dia todos os alunos voltam a reunir-se, o porta-voz de cada um dos grupos anuncia as suas propostas e iremos tentar votar três medidas de acção sugeridas pelos jovens.
P - Um projecto para desenvolver no próximo ano?
R - Sim em 2016
P - Há dias conversando com um jovem que integra a associação, ele sugeria a existência nos estabelecimentos de ensino de uma espécie de caixa de reclamações para denúncias anónimas de casos de bullying. Isso acontece porque as escolas e os agentes educativos não estão preparados para assumir e lidar com o fenómeno?
R - Nas escolas existe um gabinete de apoio ao aluno. Nesses espaços para além do programa de educação para a saúde ao nível da sexualidade dos jovens existem também orientações para violência escolar e bullying. Normalmente é um tema que não é abordado. Há uma parte muito importante neste fenómeno que é o observador. O que nos dizem os estudos é que de uma forma geral, 70% das crianças e jovens não estão directamente envolvidos em comportamentos de bullying. Mas indirectamente estão. Ao observar, ao terem conhecimento já começam por ficar com medo por poderem ser as próximas vítimas. Aquilo que era o desejável é que esses 70% tivessem uma atitude pro-activa. Intervindo directamente na situação ou fazendo a denuncia junto do funcionário, do professor do director de turma.
P - Mas nesse é caso é preciso que o aluno encontre no receptor da sua denúncia alguém que saiba distinguir o bullying e que não desvalorize o que lhe é dito. Tem falado da necessidade desta temática fazer parte dos planos curriculares.
R - A vários níveis, nomeadamente ao nível da formação inicial. Não conheço nenhum curso com formação ao nível da violência escolar, daí que os professores por muita boa vontade que tenham, muitas vezes não dominam a área e por isso têm alguma dificuldade em intervir. Alias, eu gosto muito mais de dizer, pessoal docente e não docente, porque estou a referir-me a toda a gente da escola. Também é importante a formação para os pais. Os pais também têm de interpretar alguns indicadores que os alunos podem manifestar.
P - Como é que os pais das vítimas e dos agressores reagem quando confrontados com o envolvimento dos filhos em casos de bullying?
R - É muito complicado. Os pais dos agressores dificilmente aceitam que os filhos tenham esses comportamentos. Os pais das vítimas começam a entrar num desespero porque o filho vai para a escola, será que está bem? Tudo isto é extremamente complicado.
P - A solução é tirar o aluno que é vitima, da escola.
R - Eu não sou apologista dessa solução. Somente em casos extremos. Estamos a falar de comportamentos humanos. Eu não gosto muito de receitas. O que funciona num determinado contexto pode não se aplicar noutro. O que funciona com uma criança pode não funcionar com outra.
P - Não deveria haver também uma intervenção pedagógica sobre o autor das agressões?
R - Claramente!
P - Retirar a vitima para uma outra escola, não resolve nada porque os agressores mantêm-se.
R - Sem duvida e vão seleccionar outro alvo para continuar a exercer bullying. Temos que ir ver o historial dessas crianças porque as crianças como é evidente, não são naturalmente agressoras. A violência é algo que nós aprendemos. Somos agressivos do ponto de vista humano, mas somos racionais, logo podemos controlar a agressividade. Quando essa agressividade é para prejudicar terceiros naturalmente temos de ter cuidado e teremos de intervir. Fala-se de bullying, fala-se logo das crianças e dos jovens como um problema. Eu tenho uma visão completamente oposta. Acredito muito mais que eles podem ser a chave, podem ser a solução para o problema. Claro que temos de fazer um trabalho de consciencialização e que pode começar eventualmente a partir do primeiro ciclo e quiçá no ensino pré-escolar. Há estudos que indicam que crianças com quatro anos já assumem comportamentos agressivos e intimidatórios nomeadamente de exclusão, verbal, físico, existindo nessas idades uma carga de intencionalidade em exercer poder sobre o outro.
P - Qual o papel que a Associação pode vir a ter na formação de professores, pais e de outros agentes?
R - Mais do que os nossos associados e sem lhes retirar importância, temos um patamar que é a Nexus. Trata-se de uma entidade formadora que poderia garantir formação, por exemplo ao pessoal não docente. No caso do Centro de Formação Braga-Sul poderia assegurar a formação aos professores. Aos pais, creio que nós, AABCJ, teríamos todas as condições para o fazer também, até porque temos uma mãe que fala, na primeira pessoa, de que o 'bullying' não é uma brincadeira de crianças. Eu costumo dizer que na brincadeira todos se divertem, no 'bullying' há um que eventualmente se está a divertir mas há outro que está sofrer com o divertimento. Junto dos alunos, a Associação pode ter também um papel importante na sensibilização e informação. A AABCJ tem estrutura ao nível dos pais e dos alunos para dar formação. É uma associação juvenil e estamos muito mais motivados para trabalhar com os jovens. Já conversei com os responsáveis da Nexus e do Centro de Formação Braga-Sul no sentido haver formação a este nível do 'bullying'. Eu considero que era importante sabermos o que se passa no município de Braga. Ter os números á frente, tentarmos ver de que forma é que estes casos acontecem.
P - Admite que esse estudo não será fácil? Espera encontrar muitas resistências na abordagem da temática?
R - Espero que não. Desejava ter directores das escolas e agrupamentos que fazem parte do concelho de Braga com vontade de querer conhecer a sua escola ao nível do ‘bullying’ e reconhecerem que isso não faz a escola ser melhor ou pior. Na minha opinião é pior quando não se sabe nada sobre o tema. Ter dados e tentarmos fazer face aos problemas, isso sim é de louvar! Naturalmente, não podem afirmar nunca de que não há ‘bullying’. Eu não acredito e gostava que um dia me provassem que há uma escola que não tem ‘bullying’.
P - Este fenómeno acontece tanto ao nível do ensino público como do ensino privado.
R - Não existem distinções
P - E no que diz respeito ao género? Há diferenças?
R - Essa é outra questão na minha tese de doutoramento. Existia o mito de que os rapazes eram mais agressores, eram mais vitimas. A minha investigação mostra exactamente o oposto.
P - Nos últimos tempos assistimos a situações mediáticas envolvendo violência quase extrema entre raparigas.
R - A minha tese aponta claramente para o facto de não haver em matéria de ‘bullying’, diferenças entre os comportamentos dos rapazes e das raparigas. Vamos para o físico: maior prevalência neles mas não há diferenças estatisticamente significativas. Quer dizer que este tipo de comportamento passa-se em ambos os géneros. Na exclusão são as raparigas que têm maior prevalência. O ‘bullying’ sexual está presente de igual forma nos dois géneros mas com o homofóbico a predominar nos rapazes de forma significativa. No digital também não encontramos grandes diferenças e na ameaça também não.
P - No digital que tipo de ‘bullying’ é que se manifesta?
R - Pode estar todo o tipo á exceção do físico. Ainda ontem contavam-me um episódio sobre um grupo que decidiu convidar uma colega para uma 'sala de chat' numa rede social. A jovem aceitou mas depois deixou esse grupo. Passados alguns tempos voltou à sala conversação e verificou que estava a ser insultada por todos, sem excepção. Vejam a crueldade. Convida-se alguém para fazer parte de um grupo para depois espezinhar. Estamos a falar da utilização de meios de grande exposição pública da pessoa. Esse é grande o problema porque uma situação pode ser replicada ‘ene’ vezes!
P - Já aqui mencionou o ‘bullying’ no pré-escolar e no ensino básico. E na universidade? Nas praxes, podemos também falar de casos de bullying?
R - Tive um bom exemplo do Instituto Politécnico de Viana do Castelo que fizeram uma praxe anti-bullying com iniciativas interessantíssimas, algumas delas estão na página da associação no Facebook. O que posso dizer entretanto é que aquilo que foi o meu alvo, foram os alunos do segundo e terceiro ciclo, porque são os ciclos onde trabalho, embora eu já estivesse a trabalhar na universidade há cerca de dez anos. Quero concluir este doutoramento e o pós-doutoramento vai ser muito virado para a população adulta. Quando falamos de 'bullying' fica-se com a ideia de que são coisas de crianças/jovens, mas não é. Nos adultos isso também acontece. Os próprios alunos muitas vezes testemunham atitudes entre adultos que são nitidamente comportamentos de ‘bullying’. Na minha direcção de turma chegou-se a assistir a comportamentos desses. Os adultos têm que ter a esse nível uma conduta irrepreensível em frente, por exemplo, aos alunos.
P - Disse que este movimento anti-bullying teve uma receptividade moderada junto de alguns seus colegas diretores de escolas, no entanto na sociedade bracarense houve nesta semana um agitar de águas sobre o ‘bullying’.
R - Fiquei muito contente em ver a Francisco Sanches, Gualtar, Real e outras escolas a aderir. Em Vila Verde fiquei encantado com o trabalho da escola ‘Amar a Terra’. No centro de Braga tivemos uma receptividade muito boa da população á nossa mensagem anti-bullling e á associação. Na tomada de posse, a temática foi abordada mais uma vez através da arte quer com música, quer arte digital e depois através dos discursos das pessoas presentes. Temos o IPDJ que está a ser fantástico connosco, o Dr. Manuel Barros apelidou-nos de 'brigada da boa vontade'. Gostei muito dessa designação.
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