Luiz Carlos Furquim Vieira Segundo
Resumo: O presente artigo busca abordar a prática dos Trotes Universitários e o Bullying, demonstrando que na verdade esta prática não deve ser tratada como uma tradição, tampouco como brincadeira, pois, vestindo o manto do Bullying, resulta em graves consequências.
Palavras-chave: Trotes Universitários – Tradição – Brincadeira – Bullying.
Sumário: 1.Introdução; 2.Trotes Universitários e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana; 3.Bullying; 4. Bullying e o Ordenamento Jurídico Brasileiro;5.Conclusão.
1. Introdução.
O ano acadêmico se inicia e a vida do universitário começa agitada. Para os calouros, o momento é ainda mais especial, pois, o sonho de cursar uma Universidade se inicia.
Todos os calouros quando chegam a Universidade ficam ansiosos para saber como será aquela nova etapa da vida, todos querem saber como são os professores, as aulas, a estrutura da Universidade, etc.
Estes calouros esperam chegar à Universidade e ser bem recebidos, esperam ser tratados com respeito, esperam ser aceitos. Nada mais justo, afinal vivemos em sociedade, e o respeito mútuo é algo que deve sempre existir, muito embora, cada vez mais o cotidiano vem demonstrando que, infelizmente, as pessoas acabam quase que diariamente desrespeitando o próximo.
Ao ingressarem na Universidade, os calouros, pensam que vão ter que se esforçar para conseguir a graduação, mas não pensam, ou pelo menos não pensavam até virar algo corriqueiro no meio acadêmico, que a vida na Universidade seria iniciada com uma prática tida por muitos como “tradição”, como “brincadeira”, que na verdade é algo perverso, uma prática que veste o manto do ignóbil bullying: o Trote Universitário.
Os calouros são submetidos aos mais abomináveis atos: agressões verbais, agressões físicas, humilhações, coma alcóolico, etc. Os veteranos sabem exatamente as extensões dos atos, e continuam agindo sob o manto desta chamada “tradição”, entendendo que tudo é permitido, afinal, estão somente “brincando”.
O artigo que ora se apresenta ao leitor, buscará demonstrar que esses atos violentos praticados pelos veteranos não tem nada de “tradição”, tampouco devem ser entendidos como “brincadeira”. São atos de tortura, que na maioria dos casos deixam marcas que o tempo não apaga. São atos que inequivocamente configuram o abjeto bullying.
2. Trotes Universitários e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
Os trotes universitários violentos são noticiados todo início de ano pelos mais variados veículos de comunicação, porém, muitos ainda entendem que esta prática é uma “tradição”, uma “brincadeira”, esquecendo que não há tradição ou brincadeira quando há sofrimento de alguém.
As Universidades costumam não adotar qualquer postura eficaz na repressão desta prática, limitando-se a emitir avisos “nesta Universidade não se admite trote”. Os avisos, completamente inócuos, não causam nos veteranos qualquer intimidação, pois, os mesmos sabem que nenhuma repressão virá por parte da instituição.
O ano acadêmico teve seu inicio e com ele novamente os veículos de comunicação apresentaram mais um caso de trote universitário violento.
No caso mencionado uma caloura foi amarrada, pintada de preto com um cartaz com os dizeres “Caloura Chica da Silva”. Outro calouro foi amarrado a um pilar, enquanto os veteranos ao seu lado fizeram saudações nazistas[1].
Como já dissemos “absurdo total que nos dias de hoje se permita uma prática como o trote universitário que só tem como objetivo: humilhar, maltratar e agredir”[2].
Os trotes universitários humilhantes, violentos, abomináveis, continuam todo início de ano sendo repetidos, sempre com o mesmo argumento: tradição e brincadeira.
Não é possível admitir a existência de brincadeira quando existe sofrimento de alguém. Não há brincadeira alguma! Tradição não pode ser admitida quando há sofrimento! Como ensina Cleo Fante[3]:
“Os trotes universitários, muitas vezes humilhantes e violentos, por exemplo, ainda são pouco discutidos e só ganham visibilidade quando os meios de comunicação veiculam cenas de barbárie. A literatura mostra a existência desse costume em diversos países. No Brasil, datam da criação das instituições acadêmicas. Como herança de Coimbra, os trotes em algumas instituições brasileiras já fizeram – e continuam a fazer – inúmeras vítimas. O primeiro registro de morte – de um aluno da Faculdade de direito – ocorreu em recife, em 1831.
Ainda hoje, essas práticas são consideradas por muitos como ritos de passagem – e esperadas com certa ansiedade tanto por calouros quanto por seus parentes. Entretanto, aqueles que se dedicam ao estudo do tema concordam que se trata de um ritual de exclusão e não de integração. Deve ser considerado como um mecanismo de dominação fundamentado por discriminação, intolerância, violência e preconceitos de classe, etnia e gênero.
O abuso de poder é sua marca principal.”
Os trotes universitários violentos ferem profundamente o princípio matriz da dignidade da pessoa humana, logo, é necessário asseverar que quando se viola o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento de nossa República Federativa (art.1º,III, Constituição Federal), não há tradição! Não há brincadeira!
Como ensina Daniel Sarmento citado por Luís Roberto Barroso[4]:
“O princípio da dignidade da pessoa humana representa o epicentro axiológico da ordem constitucional, irradiando efeitos sobre todo ordenamento jurídico e balizando não apenas os atos estatais, mas também toda a miríade de relações privadas que se desenvolvem no seio da sociedade civil de do mercado.”
Se o princípio da dignidade da pessoa humana irradia efeitos sobre todo ordenamento jurídico, inclusive nas relações privadas, indaga-se: Como admitir os trotes universitários?
Claramente os atos praticados nos trotes universitários, que como já dito, buscam maltratar, humilhar e agredir, não podem ser admitidos, pois violam brutalmente o princípio da dignidade da pessoa humana. Como ensina Luís Roberto Barroso[5] “todas as pessoas são iguais e têm direito a tratamento igualmente digno”.
O respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana é imprescindível em uma sociedade moderna e civilizada, pois como brilhantemente ensina Jose Afonso da Silva[6] “dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito a vida”.
3. Bullying.
Há quem defenda nos dias atuais, que o bullying é fruto do modismo ou até mesmo uma invenção estrangeira, algo que para essas pessoas não ocorre em nosso país.
Infelizmente, existem pessoas que partilham deste entendimento, talvez porque prefiram enxergar o bullying como brincadeira ou porque realmente se recusam a admitir a existência de algo que possam ter sido vítimas no passado, ou ainda, simplesmente se recusam a admitir a existência de algo que não entendem ou procuram não entender.
O que essas pessoas se recusam a ver é que o bullying sempre existiu! Agressões imotivadas e repetidas, principalmente nas escolas, não ocorrem de hoje. O mesmo há de ser dito em relação ao bullying homofóbico, o assédio moral no ambiente de trabalho, enfim, as mais variadas formas de bullying não ocorrem de hoje.
O nome para alguns, talvez seja novidade, mas o certo é que este ato ignóbil, sempre existiu e continua crescendo em proporções assustadoras.
Muitos esforços vêm sendo empreendidos para demonstrar a existência do bullying e suas devastadoras consequências. Estudiosos buscam demonstrar que o bullying existe e que deve ser tradado com muita seriedade.
Os estudos sobre o bullying, ensina Cleo Fante[7] tiveram início:
“Há cerca de duas décadas, primeiro na Suécia e anos depois na Noruega, onde a questão se tornou tema de estudos científicos. O pesquisador norueguês Dan Olweus, professor da Universidade de Bergen, reconhecido internacionalmente como pioneiro nas investigações sobre o fenômeno, observou os altos índices de suicídio entre os estudantes e constatou a relação com o bullying na escola.”
No Brasil, Cleo Fante e Margarida Barreto são as precursoras dos estudos sobre o fenômeno bullying[8]. Destaca-se na comunidade jurídica o promotor de justiça Lélio Braga Calhau que se dedica profundamente ao estudo do bullying.
Como já dito, o bullying não existe de hoje. O bullying não é fruto de imaginação de alguns, nem produto importado de outras culturas. Diante de tudo o que foi dito até aqui, indaga-se: O que seria o abominável bullying?
Lélio Braga Calhau[9] ensina que o “bullying é um assédio moral, são atos de desprezar, denegrir, violentar, agredir, destruir a estrutura psíquica de outra pessoa sem motivação alguma e de forma repetida”.
Como ainda preleciona Cleo Fante citada por Lélio Braga Calhau[10], o bullying é “palavra de origem inglesa, adotada em muitos países para definir o desejo consciente e deliberado de maltratar uma outra pessoa e colocá-la sob tensão”.
O bullying é um ato de extrema covardia, em que o agressor, normalmente indivíduo mais forte, sem qualquer motivo elege sua vítima e passa a agredi-la repetidas vezes. Muitas vítimas de bullying dão fim a própria existência. Outras colocam fim a vida de outros. Como destaca Cleo Fante[11]:
“Os maus-tratos repetidos podem ao longo do tempo causar graves danos ao psiquismo e interferir negativamente no processo de desenvolvimento cognitivo, emocional, sensorial e socioeducacional. Quando os ataques são crônicos, as vítimas podem se tornar agressoras; em casos extremos, muitas vezes resultam em tragédias escolares, como as de Columbine (1999) e Virginia Tech (2007), nos Estados Unidos, as de Taiúva (2003) e Remanso (2004), no Brasil, e a da Finlândia (2007)”.
Como ainda adverte Cleo Fante[12] “o bullying motiva a repetição do abuso: mais tarde, vítimas tendem a se tornar algozes no ambiente acadêmico, profissional, social ou na família”.
Se até mesmo a vítima pode futuramente tornar-se algoz, o agressor, sem dúvida poderá seguir e chegar ao ponto de trilhar seu caminho pelo mundo do crime. Com Lélio Braga Calhau[13] é possível concluir que o:
“Fenômeno bullying estimula a delinquência e induz outras formas de violência explícita, produzindo, em larga escala, cidadãos estressados, deprimidos, com baixa autoestima, capacidade de autoaceitação e resistência à frustração, reduzida capacidade de autoafirmação e de autoexpressão, além de propiciar o desenvolvimento de sintomatologias de estresse, de doenças psicossomáticas, de transtornos mentais e de psicopatologias graves. Tem, como agravante, interferência drástica no processo de aprendizagem e de socialização, que estende suas consequências para o resto da vida podendo chegar a um desfecho trágico.”
Pelo exposto, fica muito claro que os trotes universitários configuram o ignóbil fenômeno bullying, devendo ser profundamente combatidos, pois, violam de maneira inequívoca a dignidade da pessoa humana, visando somente maltratar, humilhar e agredir.
4. Bullying e o Ordenamento Jurídico Brasileiro.
Embora o estudo do bullying seja recente, algumas decisões sobre o tema começam a surgir. Nesse sentido:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO contra ato do juiz que indeferiu a produção de prova pericial em vítima de assédio moral e bullying, sob o fundamento de que a mesma seria desnecessária ao deslinde do feito. Rejeição da preliminar argüida pelo agravado, vez que o descumprimento da norma do artigo 526 do Código de Processo Civil, não lhes ocasionou prejuízo. Necessidade de realização da prova pericial psicológica e estudo social por perito de confiança do juízo tendo em vista a natureza da lide. DECISÃO MONOCRÁTICA, COM FULCRO NO ARTIGO 557, §1º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, DANDO PROVIMENTO AO RECURSO.” (TJRJ. Processo nº 0050622-06.2008.8.19.0000. 15ª Câmara Cível. Rel. Des. Celso Ferreira Filho. Data do Julgamento 02/12/08).
“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. VIOLENCIA ESCOLAR. “BULLYNG”. ESTABELECIMENTO DE ENSINO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DANO MORAL CONFIGURADO. DESPROVIMENTO DOS RECURSOS.
I – Palavra inglesa que significa usar o poder ou força para intimidar, excluir, implicar, humilhar, “Bullying” é um termo utilizado para descrever atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos;
II – Os fatos relatados e provados fogem da normalidade e não podem ser tratados como simples desentendimentos entre alunos.
III – Trata-se de relação de consumo e a responsabilidade da ré, como prestadora de serviços educacionais é objetiva, bastando a simples comprovação do nexo causal e do dano;
IV – Recursos – agravo retido e apelação aos quais se nega provimento.” (TJRJ. Processo nº 0003372-37.2005.8.19.0208. 13ª Câmara Cível. Rel. Des. Ademir Paulo Pimentel. Data do Julgamento: 02/02/11).
“REPARAÇÃO DE DANOS - Bullying - Menor de idade agredido, tendo sua cabeça introduzida dentro de vaso sanitário, com a descarga acionada Reconhecimento de situação vexatória e humilhante, apta a caracterizar o dano moral, independente de qualquer outro tipo de comprovação - Fatos ocorridos dentro do estabelecimento de ensino, em sanitário fechado - Ausência de fiscalização suficiente, o que gera a responsabilidade da escola pelo ocorrido - Sentença mantida. Recurso improvido” (TJSP. Processo nº 0013121-08.2009.8.26.0220. 37ª Câmara de Direito Privado. Rel. Des. Luiz Fernando Lodi. Data do Julgamento: 25/08/11).
O trote universitário, que como já dito representa inequivocamente a prática de bullying, foi abordado pela 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que por ocasião do julgamento da apelação criminal nº 1.0024.05.797894-2/001, verificou as consequências gravíssimas do trote universitário. Conforme a ementa do referido julgado:
“EMBRIAGUEZ COMPLETA PROVENIENTE DE FORÇA MAIOR - DADOS OBJETIVOS A DEMONSTRAREM DISCERNIMENTO DO AGENTE QUANTO AO CARÁTER ILÍCITO DOS ATOS PRATICADOS - CAUSA DE EXCLUSÃO DE CULPABILIDADE INDEMONSTRADA - EXAME SANGUÍNEO E RELATÓRIO CLÍNICO A AFASTAREM A HIPÓTESE DE EMBRIAGUEZ COMPLETA - CONFRATERNIZAÇÃO UNIVERSITÁRIA À QUAL ADERIRA O AGENTE DE FORMA VOLUNTÁRIA - 'ACTIO LIBERA IN CAUSA'. Inexistindo provas nos autos do estado de completa embriaguez a impossibilitar ao agente o entendimento do caráter delitivo do ato, tampouco restando comprovada a embriaguez acidental, resultante de coação física a lhe impingir imoderado consumo de bebida alcoólica, não tem lugar a invocação da causa de exclusão de culpabilidade prevista no art. 28, II, § 2º, do CP, devendo responder o réu pela prática das infrações descritas em denúncia em reverência ao princípio 'actio libera in causa', de irrestrita aplicabilidade à espécie.”
“APELAÇÃO CRIMINAL - ROUBO - BENS QUE NÃO CHEGARAM A SAIR DA ESFERA DE VIGILÂNCIA DAS VÍTIMAS - TENTATIVA - ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR - EMBRIAGUEZ - INGESTÃO DE BEBIDA POR COAÇÃO SOCIAL E MORAL EM TROTE DE UNIVERSITÁRIOS - DIFICULDADE DE O AGENTE RESISTIR A ELA - FORÇA MAIOR RECONHECIDA - EMBRIAGUEZ COMPLETA NÃO CARACTERIZADA - CAUSA DE ISENÇÃO DE PENA NÃO RECONHECIDA - AGENTE QUE, PORÉM, NÃO POSSUÍA, AO TEMPO DA AÇÃO, A PLENA CAPACIDADE DE ENTENDER O CARÁTER ILÍCITO DO FATO OU DE DETERMINAR-SE DE ACORDO COM ESSE ENTENDIMENTO - CAUSA DE REDUÇÃO DA PENA ADMITIDA (CÓDIGO PENAL, ART. 28, II, § 2º) - CONTINUIDADE - INOCORRÊNCIA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. - Fica caracterizada a tentativa de roubo se os bens são recuperados logo após sua subtração, sem que o agente tenha tido posse mansa e pacífica deles, vez que detido no próprio local da subtração e na presença das vítimas, sem sair da esfera de vigilância delas. - Não há falar em crime continuado de roubo, mas em crime único, se o réu, num mesmo local e numa mesma ação, lesa o patrimônio de mais de uma vítima. - De igual modo, não há falar em crime continuado de atentado violento ao pudor, se se mostra configurada uma só conduta no ato de felação a que foi constrangida a vítima. -Deve ser beneficiado com a redução de pena permitida pelo art. 28, inc. II, § 2º, do Código Penal o agente que, embriagado, não possuía, ao tempo da ação, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se com esse entendimento. - Recurso do Ministério Público provido em parte.” (grifei).
O calouro nesse caso foi vítima de trote universitário. Após o trote, o calouro em estado de embriaguez, conforme a ementa acima praticou os delitos de roubo e atentado violento ao pudor. Há de ser destacado trecho do voto do Relator Des.Nelson Missias de Moraes que votando pela absolvição ficou vencido:
“Não olvido que os fatos, enxergados pelo prisma apenas objetivo, são reprováveis, graves e causam comoção social, razão pela qual o responsável deveria por elas responder.
Mas, tampouco se pode esquecer que a autuação do acusado, em completa e absoluta embriaguez involuntária, se deveu a uma odiosa prática, nacionalmente difundida, conhecida por trote universitário.
Práticas como estas, deveriam, há muito, ter sido extirpadas de nossos costumes e proibidas em nossas faculdades, porquanto, além de denegrirem a imagem e autoestima dos novos alunos, coloca-os indubitavelmente em situação de constrangimento irreparável e absurdo, que podem reverberar negativamente em outros membros da sociedade, como, infelizmente, se mostrou ser o caso dos autos.
Registro que o acusado é um jovem de 24 (vinte e quatro) anos de idade, estudante de medicina, sendo que, ao tempo dos fatos (2005), contava com apenas 18 (dezoito) anos de idade.
Ainda, as testemunhas arroladas por sua defesa, entre elas professores e amigos, que o conheciam há muitos anos, atestaram de forma uníssona se tratar de pessoa tranquila, estudiosa e de bom caráter, conforme se verifica de seus depoimentos.”
Ao contrário do que muitos pensam os trotes universitários não são permitidos pelo nosso Ordenamento Jurídico.
A prática de trotes é vedada pelo Ordenamento Jurídico pátrio, uma vez que fulminam o princípio basilar doneminem laedere (não lesar outrem). Logo, necessário asseverar, que a prática de trotes configura ato ilícito.
Por constituírem uma prática abominável, que o Ordenamento Jurídico pátrio rechaça por constituir ato ilícito, por constituir atos que violam o princípio basilar do neminem laedere, esta prática ignóbil deve ser coibida já pelas próprias Instituições.
Avisos inócuos não funcionam. O que é necessário é conscientização, fiscalização e punição. Há de ser destacado que a punição no âmbito institucional é possível, com, por exemplo, a expulsão, mas desde que observado o contraditório e ampla defesa, pois, trata-se, na verdade de procedimento que não escapa da incidência destes princípios constitucionais (art. 5º, inciso LV, CF).
Infelizmente a verdade é que punição por parte das Universidades, raramente ocorre, pois muitas optam por permitir a “brincadeira”, a “tradição”. Não deveriam agir assim, uma vez que podem e devem ser responsabilizadas, aliás, a reponsabilidade das Universidades é objetiva.
Quanto aos agressores, além de responsabilidade perante a Instituição, que pode ou não ocorrer (tendo em vista que esta hoje depende de cada Instituição), civilmente e criminalmente poderão ser responsabilizados.
O art. 927 do Código Civil é cristalino em sua redação, dispondo que “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Logo, o agressor poderá ser responsabilizado civilmente pelos seus atos.
No âmbito criminal a responsabilidade do agressor também poderá ocorrer, pois, embora o trote universitário propriamente dito não seja criminalizado, os atos praticados nos trotes podem configurar diversas infrações penais, como, por exemplo, lesão corporal (art. 129, Código Penal), injúria (art. 140, Código Penal), ameaça (art. 147, Código Penal), constrangimento ilegal (art. 146, Código Penal), etc.
Não se pode olvidar que em casos extremos os trotes podem resultar em homicídio (art. 121, Código Penal).
Sem dúvida alguma os trotes universitários devem ser tratados com seriedade. Sendo assim, surge nova indagação: O Direito Penal deve intervir através de um novo tipo penal? Há necessidade de criminalizar a conduta de praticar, participar, auxiliar, instigar ou induzir trotes universitários?
A resposta é negativa! Já foi dito que o sistema penal, hoje vigente, dispõe de extenso rol de infrações penais aptas a incidir (conforme o caso concreto) sobre a prática dos trotes universitários.
Se o rol de infrações é extenso, não há razão para a intervenção drástica do Direito Penal, contribuindo para a indesejável inflação legislativa. Ademais, com um novo tipo penal, a prática de trotes universitários, passaria a ocorrer na clandestinidade, contribuindo para o aumento da cifra negra (infrações que não chegam ao conhecimento das autoridades).
Não há necessidade da criação de um tipo penal para os trotes universitários. O rol de infrações penais é amplo e apto a incidir conforme o caso concreto.
Imprescindível registrar, que mesmo dispondo do extenso rol acima mencionado, em respeito ao princípio da intervenção mínima, o Direito Penal só deve ser acionado quando os demais ramos do Direito Penal se demonstrarem insuficientes na proteção do bem jurídico (princípio da subsidiariedade). O Direito Penal só pode ser invocado diante dos ataques mais graves aos bens jurídicos mais importantes para o convívio em sociedade (princípio da fragmentariedade).
5. Conclusão.
Os trotes universitários configuram o abjeto bullying, logo, não são “tradição” ou “brincadeira”, pois não espaço para tais quando outro ser humano sofre.
A dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais devem ser respeitados, portanto, os trotes universitários devem ser veementemente combatidos, sob pena de ser permitida uma regressão profunda em matérias de direitos humanos, pois, como já demonstrado os trotes atentam contra direitos fundamentais, logo, permitir a ocorrência de trotes universitários é também permitir a violação de direitos humanos.
As vítimas dos trotes universitários devem buscar os seus direitos, agindo sempre conforme a Lei. Buscar ajuda é a melhor alternativa, pois somente assim a punição dos agressores poderá ocorrer de maneira eficaz.
Como já dito, o Ordenamento Jurídico Brasileiro não permite, ao contrário do que muitos pensam, a prática dos trotes universitários, aliás, não poderia ser diferente, pois esta prática ao ignorar o princípio basilar do neminem laedere (não lesar outrem), atinge brutalmente o princípio da dignidade da pessoa humana, atentando em muitos casos contra a vida, integridade física, liberdade, etc. dos calouros envolvidos.
O sepultamento desta prática abjeta deve ser pugnado por toda a sociedade, pois, como já dito, os trotes universitários, como espécie do abjeto bullying, causam seríssimas consequências não só para as vítimas, mas como visto aqui, para a toda sociedade.
A criminalização do trote universitário, para alguns poderá ser a saída para o combate desta abominável prática, porém, como já dito, o Ordenamento Jurídico Penal já dispõe de muitas infrações aptas a rechaçar esta prática. Não se deve contribuir para a inflação legislativa, a qual já cresce irracionalmente e parece estar sem qualquer freio. Antes de serem tratados como problema penal, os trotes devem ser tratados como um problema social.
O que precisamos de fato é a conscientização nacional de que os trotes não são brincadeiras, de que os trotes configuram ato ilícito, e, que muitos atos praticados nos trotes são infrações penais.
Usar a intervenção drástica do Direito Penal, criminalizando os trotes universitários, talvez venha tornar os trotes mais difíceis de serem descobertos, uma vez que se muitas vítimas, hoje, já não se apresentam com medo de represálias, certamente com a criminalização dos trotes, a descoberta desta espécie de bullying será mais difícil, o que resultará no aumento a denominada cifra negra (infrações que não chegam ao conhecimento das autoridades).
Há um extenso rol de infrações penais aptas a incidir conforme o caso concreto, o que é preciso é que os fatos cheguem ao conhecimento do Poder Público, e isso só ocorrerá com as vítimas se apresentando. Contribuir para o crescimento da cifra negra, só torna o ciclo sem fim.
Optar pela conscientização, pela fiscalização e pela punição dos agressores e das Universidades que permitem ou agem de maneira conivente com os agressores, parece ser o caminho a ser seguido. Como já destacado o Ordenamento Jurídico veda a prática desta espécie de bullying.
A sociedade como um todo, deve buscar rechaçar qualquer espécie do abjeto fenômeno bullying. Cruzar os braços ou entender como “brincadeira” ou “tradição” só acabará perpetuando o ciclo perverso dos Trotes Universitários.
Referências Bibliográficas
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saravia, 2009.
CALHAU, Lélio Braga. Bullying: o que você precisa saber. Rio de Janeiro: Impetus, 2009.
FANTE, Cleo. Brincadeiras Perversas. Disponível em http://www.bullying.pro.br/images/stories/pdf/brincadeiras_perversas.pdf
SILVA, Jose Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30.ed. São Paulo: Malheiros, 2008
VIEIRA SEGUNDO, Luiz Carlos Furquim. Trote Universitário e o fenômeno bullying. Disponível emhttp://jusvi.com/artigos/38408.
Notas.
[1] Trote com saudação nazista provoca acusações de racismo na UFMG. Disponível emhttp://vestibular.uol.com.br/ultimas-noticias/2013/03/18/trote-com-saudacao-nazista-provoca-acusacoes-de-racismo-na-ufmg.jhtm. Acesso em 02/04/2013.
[2] VIEIRA SEGUNDO, Luiz Carlos Furquim. Trote Universitário e o fenômeno bullying. Disponível em
http://jusvi.com/artigos/38408. Acesso em 02/04/2013.
[3] FANTE, Cleo. Brincadeiras Perversas. Disponível em http://www.bullying.pro.br/images/stories/pdf/brincadeiras_perversas.pdf. Acesso em 02/04/13.
[4] BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saravia, 2009, p.251
[5] Ibidem, p. 250
[6] SILVA, Jose Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30.ed. São Paulo: Malheiros, 2008,
p.105.
[7] FANTE, Cleo. Brincadeiras Perversas. Disponível em
http://www.bullying.pro.br/images/stories/pdf/brincadeiras_perversas.pdf. Acesso em 02/04/13
[8] CALHAU, Lélio Braga. Bullying: o que você precisa saber. Rio de Janeiro: Impetus, 2009, p 13
[9] Ibidem, p.06.
[10] loc. cit.
[11] FANTE, Cleo. Brincadeiras Perversas. Disponível em
http://www.bullying.pro.br/images/stories/pdf/brincadeiras_perversas.pdf. Acesso em 02/04/13.
[12] FANTE, Cleo. Brincadeiras Perversas. Disponível em
http://www.bullying.pro.br/images/stories/pdf/brincadeiras_perversas.pdf. Acesso em 02/04/13.
[13] Ibidem, p.17.
Informações Sobre o Autor
Luiz Carlos Furquim Vieira Segundo
Advogado e Professor Universitário. Pós-graduado em Função Social do Direito (UNISUL/LFG).
Fonte: FENALAW
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