DN Portugal
Há muitos anos atirei uma bola de criança à cabeça de um rapazinho que estava a empurrar repetidamente o meu filo pequeno para debaixo de água. Antes de lhe atirar a bola gritei para ele parar, mas ele continuou. Eu estava no outro extremo da piscina, talvez a seis segundos de distância a nadar, mas o meu filho de 5 anos estava arquejante e a implorar-lhe que parasse, e a maneira mais rápida de resolver a situação era atirar a bola.
Eu joguei basebol na faculdade. Tenho uma boa força de braço.
Acertei no rapazinho mais velho na parte de trás da cabeça, ele gritou e virou-se, furioso, para me encarar. Tenho a certeza de que ele não estava à espera de ver uma mulher de meia-idade num fato de banho pouco favorecedor, mas ali estava eu.
Apesar do silêncio constrangedor à beira da piscina, onde familiares de ambos os rapazinhos descansavam nas suas cadeiras, eu não senti qualquer vergonha ou arrependimento. Senti-me triunfante. Senti-me poderosa. Se tivesse tido outra bola ao alcance da mão, poderia muito bem tê-la atirado também, para marcar a minha posição.
Cerca de um ano depois, o meu filho foi vítima de brincadeiras na escola. Era um comportamento típico de recreios infantis, chamavam-lhe nomes, nada de extraordinário, apenas o namorico genérico do primeiro ano de escolaridade com a crueldade. Mas quando a professora me informou fiquei a arder de fúria.
O meu filho ficou um pouco triste embora claramente não traumatizado. Quando lhe fiz perguntas, ele afastou-me, parecendo mais incomodado com a minha preocupação do que com o incidente em si. Mas, é claro, eu fiquei instantânea e completamente transtornada; Um interruptor tinha sido acionado e, de repente, eu era aquela louca da piscina novamente. Mas onde estava a minha bola fiel? E como é que podia proteger o meu filho quando eu estava ausente da cena do crime?
O consenso entre familiares e amigos era que eu estava a exagerar. Será que não tinha previsto de todo que o meu filho poderia ser escolhido como alvo de vez em quando? Que empurrá-lo para debaixo de água e chamar-lhe nomes faziam parte do pacote? Que as crianças podem ser, ocasionalmente, idiotas?
Claro que eu tinha previsto isso. O que eu não tinha previsto, o que eu tinha sido de facto incapaz de prever, era como aquelas coisas me fariam sentir.
Não era a primeira vez que as emoções intensas da maternidade me apanhavam de surpresa. Durante os primeiros anos da vida do meu filho, eu tinha sido regularmente surpreendida por momentos de imensa alegria, momentos tão diferentes de tudo o que eu conhecia que cada vez que vivenciava um - a mão dele a apertar o meu dedo indicador, os seus ténis a brilhar no fundo da rampa escura, o seu taco a encontrar-se finalmente com a bola - sentia que estava a começar uma nova vida, saindo de uma vida conhecida e entrando noutra como uma pessoa nova.
Agora, na sequência do bullying, eu estava a sentir-me como uma pessoa nova outra vez. Infelizmente, essa nova pessoa era uma lunática.
Deixem-me esclarecer: eu não queria magoar fisicamente os valentões que implicavam com o meu filho. Eu só queria acabrunhá-los. Queria que eles se sentissem minúsculos, impotentes e estúpidos. Queria que eles chorassem lágrimas amargas à frente de uma multidão de colegas trocistas e divertidos.
Ao passear o cão tarde na noite, com os meus esquemas encobertos pelas sombras do bairro, inventei e descartei dezenas de planos estranhos, cada um com a sofisticação aproximada de uma partida de Carnaval de uma criança de 10 anos. O principal problema era que eu não conseguia simplesmente resolver a logística da minha justiça popular. Se ao menos eu estivesse em posição de humilhar publicamente os valentões, se ao menos tivesse o tipo de trabalho que tornasse isso possível...
Se eu fosse cabeleireira poderia fazer-lhes uns cortes de cabelo terríveis, torná-los alvos primordiais para outros valentões. Se eu fosse empregada de mesa poderia deitar grandes quantidades de pimenta em pó nos hambúrgueres deles, fazendo-os engasgar, babar, possivelmente até vomitar.
Infelizmente, eu era professora universitária. A não ser troçar da natureza estereotipada da intimidação deles - "Quatro-olhos? A sério? Isso é o melhor que vocês conseguem, seus rufiões?" - as minhas perspetivas de retribuição eram reduzidas.
Percebi também, mesmo no meu estado agitado, que intervir poderia causar ao meu filho uma humilhação acrescida. Se eu retaliasse abertamente, poderia estar a oferecer aos valentões um banquete de delicioso e irresistível material. O alvo nas costas do meu filho seria visto do espaço: "Bebé. Precisa da mamã para travar as suas lutas". Esse pensamento enfureceu-me ainda mais. Não só a minha proteção materna era indesejada, como era agora também um obstáculo.
Deixar-me arrastar para aquele estado alucinado e reconhecer a intensa satisfação que senti com aquelas pequenas fantasias de vingança contra crianças de 7 anos, fez-me pensar sobre os parâmetros do comportamento materno aceitável. Eu não era certamente a primeira mãe a ter tido esses pensamentos, mas não conseguia lembrar-me de muitos casos de pessoas a falarem desse tipo de raiva abertamente, nem de mãe reais, nem de mães ficcionais.
Pareceu-me que por muito esclarecidos que estejamos sobre algumas das áreas cinzentas da natureza humana, persistem outras áreas cinzentas que parecem intrinsecamente interditas. Ficamos desconfortáveis com mães que não são facilmente definíveis, com boas mães que às vezes têm maus pensamentos e chegam mesmo a fazer coisas más.
Nos filmes, se uma mãe vai ser má, então queremos que ela seja realmente má - à maneira de uma mãe de chefe de claque texana, de uma Joan Crawford com um cabide de arame nas mãos. Caso contrário, preferimos que as mães fictícias tenham defeitos suaves e sejam eficazmente recuperáveis. Queremos que os seus erros sejam causados por mal-entendidos, as suas falhas resultantes de falta de confiança, como levar biscoitos comprados na loja para a quermesse da escola e tentar fazê-los passar por feitos em casa.
Na ficção, a loucura é valorizada acima de tudo nas falhas maternas, porque a dor causada pela mãe maluca não é uma dor real; é uma dor divertida, dor de comédia, e como tal não dura para lá do episódio e não deixa cicatrizes nas suas vítimas.
Eu acho que a mesma coisa é válida para a vida real. Ficamos desconfortáveis com mães que pensam coisas horríveis, mesmo em circunstâncias horríveis. Não queremos que sejam cruéis, a menos que a crueldade seja dirigida a alguém que o mereça claramente. Ficamos assustados com a fealdade, a malícia e o egoísmo maternais que não podem ser inteiramente justificados ou, pior ainda, satisfatoriamente resolvidos.
Não queremos que as mães atirem bolas à cabeça das crianças, mas não queremos sobretudo que as mães queiram atirar uma segunda bola, como castigo, depois de a ameaça ter passado. O meu instinto maternal para proteger o meu filho naquela piscina é perdoável; o meu instinto maternal de vingança não o é. De maneira nenhuma.
Só que os meus filhos - o meu filho e a sua irmã mais nova - adoram a minha história da piscina. Eles querem ouvi-la uma e outra vez, saboreando até os mais pequenos detalhes.
Que som fez a bola quando bateu na cabeça do rapazinho? (Poing.) Fez ricochete? A que distância? (Três, talvez quatro metros.)
O miúdo tentou mais alguma vez empurrar alguém para debaixo de água? (Não que eu soubesse.)
Eles riem-se. Batem palmas. Dizem-me: "Tu és louca!" Mas dizem-no como um elogio, como se a reação manifestamente exagerada fosse uma coisa boa. Então, talvez aquela mãe que nós preferimos ver a exibir um bom discernimento e um comportamento adequado seja apenas uma mãe hipotética?
Talvez seja a ideia da boa mãe que nós temos em alta consideração; Mas, na verdade, no fato de banho desfavorecedor das nossas próprias realidades, nós - pelo menos em crianças - ficamos felizes por ter uma mãe que nos ama tanto que se comporta como uma lunática para nos defender.
O meu desejo de vingança pessoal daqueles valentões da primeira classe não durou muito tempo, pelo menos não naquele estado febril. A vida e a parentalidade ficaram rapidamente mais complicadas, porque é isso que a vida e a parentalidade fazem. Como acontece com todos os nossos filhos, as ameaças que o meu filho enfrentava na pré-adolescência e na adolescência eram quase impossíveis de atribuir a qualquer indivíduo em particular, e chamarem-lhe nomes tornou-se a menor das minhas preocupações.
Mesmo as amonas, agora passados dez anos, parecem quase inofensivas; As coisas que afundam agora os nossos filhos são impermeáveis a bolas, não importa quão boa seja a nossa pontaria. Em retrospetiva, era adorável ter aqueles vilões óbvios, aqueles nomes específicos para maldizer, aqueles alvos evidentes. Os perigos agora são aqueles que espreitam nas sombras: mudam de forma, são alvos móveis. Não tenho fantasias satisfatórias para os derrotar.
O meu filho agora é amigo dos seus antigos atormentadores. Aos 15, eles chamam uns aos outros todos os tipos de coisas terríveis; todos têm comportamentos agressivos e todos são vítimas. Em pouco tempo serão homens. Dentro de um ano estarão a conduzir carros.
Por enquanto, eles ainda precisam de mim. Eu levo-os ao cinema. Vou buscá-los à escola em dias de chuva. Compramos cafés no drive-through do Starbucks. Eles são bons miúdos, todos eles, e o facto de eu ter querido fazê-los chorar faz-me sentir um pouco culpada.
Mas não muito.
Susan Perabo é professora de escrita no Dickinson College.
Exclusivo DN/The New York Times
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