A ligação clássica entre melhores amigos é agora um sinal de problemas
Desde o jardim infantil até aos 15 anos, Robin Shreeves e a sua amiga Penny foram inseparáveis. Andavam de bicicleta, jogavam na rua, nadavam todo o Verão e ouviam Andy Gibb, os Bay City Rollers e Shaun Cassidy. Quando eram pequenas, gostavam de Barbies; mais crescidas, faziam parte do grupo que se reunia no rinque de patinagem às sextas-feiras à noite. Contavam segredos uma à outra, como por exemplo quais os rapazes que achavam mais giros, tal como as melhores amigas fazem sempre.
Actualmente, Shreeves, residente nos arrabaldes de Filadélfia, é mãe de dois rapazes, de dez e oito anos. O mais velho tem um melhor amigo, o qual, aliás, é filho da amiga de Shreeves, Penny, mas o mais novo não tem. O seu companheiro de brincadeiras preferido é um rapaz que esteve com ele no jardim infantil, mas Shreeves diz que os dois não se encontram muitas vezes porque a logística é complicada; geralmente, é preciso combinar os encontros com pelo menos uma semana de antecedência.
"Ele diz às vezes, 'Gostava de ter alguém a quem pudesse sempre ligar"', conta Shreeves.
Podemos sentir-nos tentados a ter pena do filho mais novo. Afinal, de Tom Sawyer e Huck Finn a Harry Potter e Ron Weasley, o "melhor amigo" na infância tem sido louvado na literatura e na cultura pop, para não falar das memórias sentimentais de inúmeros adultos.
Mas, cada vez mais, os educadores e outros profissionais que trabalham com crianças têm vindo a fazer uma pergunta que poderá surpreender os pais: será bom uma criança ter um melhor amigo?
A maioria das crianças procura naturalmente um amigo especial. Num estudo realizado no ano passado pela Harris Interactive junto de quase 3 mil crianças e jovens dos EUA com idades entre os oito e os 24,94% dos inquiridos disse ter pelo menos um amigo especial. Mas a ligação clássica entre melhores amigos, dois compinchas especiais que partilham segredos e façanhas, que gravitam um para o outro no recreio e que, no fim do dia de escola, saem juntos portão fora, é sinal de problemas potenciais para os responsáveis escolares apostados em desencorajar qualquer laivo de exclusividade, devido às preocupações com situações de bullying.
"Acho que a preferência das crianças vai para se emparelharem e terem um melhor amigo. Enquanto adultos - professores e conselheiros escolares - tentamos encorajá-los a não o fazerem", diz Christine Laycob, directora de aconselhamento do Mary Institute and St. Louis Country Day School, em S. Luís (Missouri). "Tentamos falar com as crianças e trabalhar com elas para as levar a terem grandes grupos de amigos e não serem tão possessivas em relação aos amigos."
"Os pais por vezes dizem que o Joãozinho precisa daquele amigo especial", continua. "Nós dizemos que isso não é assim."
Essa atitude é uma crua manifestação da postura mental que tem levado os adultos, nos últimos anos, a tornarem-se cada vez mais intervenientes na vida social das crianças. O tempo em que as crianças andavam à solta pela vizinhança e brincavam com quem quisessem até que as luzes se acedessem nas ruas já passou há muito tempo; agora tudo passa por encontros marcados. Enquanto antigamente um bota-abaixo no recreio só muito raramente era notado pelos professores no dia seguinte, actualmente, uma mensagem de texto perturbadora enviada por um aluno da primária a outro é muitas vezes reencaminhada para os administradores escolares, que se sentem frequentemente impelidos a intervir na relação. (Laycob disse isto numa entrevista, depois de ter passado grande parte do dia anterior a tratar de um texto ''francamente horrível" que uma rapariga tinha enviado a outra.) Com efeito, muito do esforço para levar as crianças a serem amigas de toda a gente tem por objectivo impedir o bullying e outras consequências extremas de exclusão social.
Para muitos peritos em educação infantil, a situação ideal pode bem ser a de Matthew e Margaret Guest, gémeos de 12 anos residentes nos arrabaldes de Atlanta, cuja socialização se faz muitas vezes em bando. Numa típica tarde de sexta-feira, cerca de dez rapazes e raparigas enchiam o jardim da família Guest. As crianças saltavam no trampolim, treinavam-se a encestar e jogavam à caça ao homem, uma variante do jogo das escondidas.
Margaret e Matthew nunca tiveram um melhor amigo.
''Não tenho mesmo um amigo de que goste mais do que outro", diz Margaret. "A maioria das pessoas tem muitos amigos." Matthew diz que considera 12 rapazes como seus bons amigos e que vê a maioria deles "praticamente todos os fins-de-semana".
A mãe, Laura Guest, diz que a escola tenta evitar o bullying por meio de workshops e cartazes. E a existência de actividades extracurriculares mantém os filhos orientados para grupos - a Margaret está na equipa de natação e faz ginástica; o Matthew joga futebol americano e basebol.
Com o aproximar do Verão, os esforços para gerir as amizades não acabam com o fecho da escola. Nos últimos anos, o campo Timber Lake, um local de acampamento misto em Phoenicia (Nova Iorque), começou a contratar "monitores de amizade" para trabalharem com os campistas e ajudarem cada miúdo a tornar-se amigo de todos os outros. Se duas crianças parecerem estar demasiado centradas uma na outra, o campo põe-nas em duas equipas desportivas diferentes, senta-as em extremos opostos da mesa de jantar ou, eventualmente, um conselheiro convida uma delas a participar numa actividade com outra criança que ainda não conhece bem.
''Não acho particularmente saudável uma criança depender de um único amigo", diz Jay Jacobs, director do campo. "Se alguma coisa correr mal, pode ser demolidor. E também limita a capacidade de a criança explorar outras opções no mundo."
Contudo, esta postura preocupa alguns psicólogos, que temem que as crianças fiquem privadas do forte apoio e segurança emocional associados a uma amizade íntima.
''Será que queremos mesmo encorajar as crianças a terem todo o tipo de relações superficiais? É assim que queremos educar os nossos filhos?", pergunta Brett Laursen, professor de Psicologia da Florida Atlantic University cuja especialidade são as relações entre pares. "Imaginem-se as implicações nas relações românticas. Queremos que as crianças ganhem experiência em relações próximas, e não nas superficiais."
Muitos psicólogos são de opinião que as amizades íntimas na infância não só aumentam a auto-confiança das crianças como as ajudam a desenvolver competências necessárias nas relações adultas saudáveis: da empatia à capacidade de ouvir e consolar, do processo de discutir ao de fazer as pazes. Se as amizades da criança forem coreografadas e "desinfectadas" pelos adultos, dizem, como é que ela se pode preparar emocionalmente tanto para os afectos como para a rejeição com que provavelmente se defrontará mais tarde?
''Ninguém nos pode ensinar o que é um grande amigo, o que é um amigo para os tempos risonhos, ou o que é um amigo traiçoeiro", diz Michael Thompson, psicólogo e autor do livro "Best Friends, Worst Enemies: Understanding the Social Lives of Children".
'Sempre que um professor tenta minimizar uma cultura de melhores amigos, gosto de saber porquê", diz Thompson. "Será porque prejudica a turma? Ou há uma rapariga que tem amigas mas não suporta a ideia de não ter uma melhor amiga tão íntima como outra aluna tem? Isso, para mim, é uma reacção normal. Não nos devemos imiscuir demasiado nas vidas das crianças que estão a passar pela experiência social normal".
As escolas insistem que não pretendem destruir as amizades íntimas, mas sim promover a cortesia, o respeito e a amabilidade para com todos. ''Não vejo as escolas a tentarem evitar amizades, mas sim a tentarem dar aos alunos a oportunidade de interagirem socialmente com outros de várias maneiras", diz Patti Kinney, que foi professora e presidente do Conselho Directivo de uma escola secundária do Oregon durante 33 anos e agora é membro da Associação Nacional de Reitores de Escolas Secundárias.
Ainda assim, os responsáveis escolares reconhecem que vigiam as amizades íntimas cuidadosamente, para despistarem efeitos nocivos. 'Quando duas crianças descobrem uma ligação especial entre elas, respeitamos essa ligação desde que nenhuma delas exclua ou rejeite outras explícita ou implicitamente", diz Jan Mooney, psicóloga da Town School, uma escola do Upper East Side de Manhattan que vai da pré-primária ao 8.o ano. "Contudo, se constatarmos que um par de melhores amigos é destrutivo para qualquer dos seus elementos ou para outras crianças da turma, não hesitamos em separar as crianças e trabalharmos com elas e com os pais para garantir futuras relações mais saudáveis."
Fonte: The New York Times
Desde o jardim infantil até aos 15 anos, Robin Shreeves e a sua amiga Penny foram inseparáveis. Andavam de bicicleta, jogavam na rua, nadavam todo o Verão e ouviam Andy Gibb, os Bay City Rollers e Shaun Cassidy. Quando eram pequenas, gostavam de Barbies; mais crescidas, faziam parte do grupo que se reunia no rinque de patinagem às sextas-feiras à noite. Contavam segredos uma à outra, como por exemplo quais os rapazes que achavam mais giros, tal como as melhores amigas fazem sempre.
Actualmente, Shreeves, residente nos arrabaldes de Filadélfia, é mãe de dois rapazes, de dez e oito anos. O mais velho tem um melhor amigo, o qual, aliás, é filho da amiga de Shreeves, Penny, mas o mais novo não tem. O seu companheiro de brincadeiras preferido é um rapaz que esteve com ele no jardim infantil, mas Shreeves diz que os dois não se encontram muitas vezes porque a logística é complicada; geralmente, é preciso combinar os encontros com pelo menos uma semana de antecedência.
"Ele diz às vezes, 'Gostava de ter alguém a quem pudesse sempre ligar"', conta Shreeves.
Podemos sentir-nos tentados a ter pena do filho mais novo. Afinal, de Tom Sawyer e Huck Finn a Harry Potter e Ron Weasley, o "melhor amigo" na infância tem sido louvado na literatura e na cultura pop, para não falar das memórias sentimentais de inúmeros adultos.
Mas, cada vez mais, os educadores e outros profissionais que trabalham com crianças têm vindo a fazer uma pergunta que poderá surpreender os pais: será bom uma criança ter um melhor amigo?
A maioria das crianças procura naturalmente um amigo especial. Num estudo realizado no ano passado pela Harris Interactive junto de quase 3 mil crianças e jovens dos EUA com idades entre os oito e os 24,94% dos inquiridos disse ter pelo menos um amigo especial. Mas a ligação clássica entre melhores amigos, dois compinchas especiais que partilham segredos e façanhas, que gravitam um para o outro no recreio e que, no fim do dia de escola, saem juntos portão fora, é sinal de problemas potenciais para os responsáveis escolares apostados em desencorajar qualquer laivo de exclusividade, devido às preocupações com situações de bullying.
"Acho que a preferência das crianças vai para se emparelharem e terem um melhor amigo. Enquanto adultos - professores e conselheiros escolares - tentamos encorajá-los a não o fazerem", diz Christine Laycob, directora de aconselhamento do Mary Institute and St. Louis Country Day School, em S. Luís (Missouri). "Tentamos falar com as crianças e trabalhar com elas para as levar a terem grandes grupos de amigos e não serem tão possessivas em relação aos amigos."
"Os pais por vezes dizem que o Joãozinho precisa daquele amigo especial", continua. "Nós dizemos que isso não é assim."
Essa atitude é uma crua manifestação da postura mental que tem levado os adultos, nos últimos anos, a tornarem-se cada vez mais intervenientes na vida social das crianças. O tempo em que as crianças andavam à solta pela vizinhança e brincavam com quem quisessem até que as luzes se acedessem nas ruas já passou há muito tempo; agora tudo passa por encontros marcados. Enquanto antigamente um bota-abaixo no recreio só muito raramente era notado pelos professores no dia seguinte, actualmente, uma mensagem de texto perturbadora enviada por um aluno da primária a outro é muitas vezes reencaminhada para os administradores escolares, que se sentem frequentemente impelidos a intervir na relação. (Laycob disse isto numa entrevista, depois de ter passado grande parte do dia anterior a tratar de um texto ''francamente horrível" que uma rapariga tinha enviado a outra.) Com efeito, muito do esforço para levar as crianças a serem amigas de toda a gente tem por objectivo impedir o bullying e outras consequências extremas de exclusão social.
Para muitos peritos em educação infantil, a situação ideal pode bem ser a de Matthew e Margaret Guest, gémeos de 12 anos residentes nos arrabaldes de Atlanta, cuja socialização se faz muitas vezes em bando. Numa típica tarde de sexta-feira, cerca de dez rapazes e raparigas enchiam o jardim da família Guest. As crianças saltavam no trampolim, treinavam-se a encestar e jogavam à caça ao homem, uma variante do jogo das escondidas.
Margaret e Matthew nunca tiveram um melhor amigo.
''Não tenho mesmo um amigo de que goste mais do que outro", diz Margaret. "A maioria das pessoas tem muitos amigos." Matthew diz que considera 12 rapazes como seus bons amigos e que vê a maioria deles "praticamente todos os fins-de-semana".
A mãe, Laura Guest, diz que a escola tenta evitar o bullying por meio de workshops e cartazes. E a existência de actividades extracurriculares mantém os filhos orientados para grupos - a Margaret está na equipa de natação e faz ginástica; o Matthew joga futebol americano e basebol.
Com o aproximar do Verão, os esforços para gerir as amizades não acabam com o fecho da escola. Nos últimos anos, o campo Timber Lake, um local de acampamento misto em Phoenicia (Nova Iorque), começou a contratar "monitores de amizade" para trabalharem com os campistas e ajudarem cada miúdo a tornar-se amigo de todos os outros. Se duas crianças parecerem estar demasiado centradas uma na outra, o campo põe-nas em duas equipas desportivas diferentes, senta-as em extremos opostos da mesa de jantar ou, eventualmente, um conselheiro convida uma delas a participar numa actividade com outra criança que ainda não conhece bem.
''Não acho particularmente saudável uma criança depender de um único amigo", diz Jay Jacobs, director do campo. "Se alguma coisa correr mal, pode ser demolidor. E também limita a capacidade de a criança explorar outras opções no mundo."
Contudo, esta postura preocupa alguns psicólogos, que temem que as crianças fiquem privadas do forte apoio e segurança emocional associados a uma amizade íntima.
''Será que queremos mesmo encorajar as crianças a terem todo o tipo de relações superficiais? É assim que queremos educar os nossos filhos?", pergunta Brett Laursen, professor de Psicologia da Florida Atlantic University cuja especialidade são as relações entre pares. "Imaginem-se as implicações nas relações românticas. Queremos que as crianças ganhem experiência em relações próximas, e não nas superficiais."
Muitos psicólogos são de opinião que as amizades íntimas na infância não só aumentam a auto-confiança das crianças como as ajudam a desenvolver competências necessárias nas relações adultas saudáveis: da empatia à capacidade de ouvir e consolar, do processo de discutir ao de fazer as pazes. Se as amizades da criança forem coreografadas e "desinfectadas" pelos adultos, dizem, como é que ela se pode preparar emocionalmente tanto para os afectos como para a rejeição com que provavelmente se defrontará mais tarde?
''Ninguém nos pode ensinar o que é um grande amigo, o que é um amigo para os tempos risonhos, ou o que é um amigo traiçoeiro", diz Michael Thompson, psicólogo e autor do livro "Best Friends, Worst Enemies: Understanding the Social Lives of Children".
'Sempre que um professor tenta minimizar uma cultura de melhores amigos, gosto de saber porquê", diz Thompson. "Será porque prejudica a turma? Ou há uma rapariga que tem amigas mas não suporta a ideia de não ter uma melhor amiga tão íntima como outra aluna tem? Isso, para mim, é uma reacção normal. Não nos devemos imiscuir demasiado nas vidas das crianças que estão a passar pela experiência social normal".
As escolas insistem que não pretendem destruir as amizades íntimas, mas sim promover a cortesia, o respeito e a amabilidade para com todos. ''Não vejo as escolas a tentarem evitar amizades, mas sim a tentarem dar aos alunos a oportunidade de interagirem socialmente com outros de várias maneiras", diz Patti Kinney, que foi professora e presidente do Conselho Directivo de uma escola secundária do Oregon durante 33 anos e agora é membro da Associação Nacional de Reitores de Escolas Secundárias.
Ainda assim, os responsáveis escolares reconhecem que vigiam as amizades íntimas cuidadosamente, para despistarem efeitos nocivos. 'Quando duas crianças descobrem uma ligação especial entre elas, respeitamos essa ligação desde que nenhuma delas exclua ou rejeite outras explícita ou implicitamente", diz Jan Mooney, psicóloga da Town School, uma escola do Upper East Side de Manhattan que vai da pré-primária ao 8.o ano. "Contudo, se constatarmos que um par de melhores amigos é destrutivo para qualquer dos seus elementos ou para outras crianças da turma, não hesitamos em separar as crianças e trabalharmos com elas e com os pais para garantir futuras relações mais saudáveis."
Fonte: The New York Times
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