quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Globos de Ouro. Bullying em Hollywood



Gervais volta aos Globos de Ouro e faz um longo episódio do “The Office” em Hollywood.

Foi uma noite de prémios para o cinema e a televisão em que todos os vencedores caíram para um papel secundário, com Ricky Gervais a voltar como relutante mestre de cerimónias naquela que é já uma noite dedicada ao escárnio e ao deboche, em que vale tudo para provocar uma gargalhada.
À 73ª edição, os Globos de Ouro não são nada se não forem a mais patética evidência de que o espetáculo tem de continuar ainda que qualquer dos artistas seja praticamente forçado a despir em palco a fantasia e seguir com um doloroso número em que cabe aos palhaços puxarem fogo ao circo. Hollywood sai muito mal na fotografia, retratada como uma indústria cínica, com cada vez maiores dificuldades em capturar o esplendor associado aos tempos áureos, coser-se nas linhas próprias de um reino encantado onde todos os sonhos são possíveis.
Rendida a um cinismo que leva tudo à frente, o caustico comediante britânico surgiu demasiado à vontade no papel do energúmeno sem travão, gozando mais do suspense quanto ao mais baixo que descerá do que propriamente da primorosa pontaria ao alvejar as suas vítimas. O “New York Times” notava que, “sendo um comediante engraçado e criativo, este arrisca-se a tornar-se uma banda de tributo a Ricky Gervais, rebentando com a guitarra em palco sempre na altura definida”.
Foi o show do espertalhaço, que cobrou avultados honorários, como disso mesmo se gabou, com a NBC e a Associação da Imprensa Estrangeira de Hollywood a chamarem-no pela quarta vez para guiar as hostilidades num palco de frente para as mesas onde o luxo era o jantar, tudo queria ser brilho e descontração, com o álcool a ajudar a colocar os ânimos no ponto certo para se dar um desastre controlado.
“Calem-se, meus nojentos viciados em comprimidos, cáfila de pervertidos sexuais.” Assim Gervais chamou a si a atenção da sala para se lançar no monólogo de abertura, em que às tantas recordou que os prémios que iam ser atribuídos não passavam de estatuetas inúteis. “É um bocado de metal que uns jornalistas simpáticos, já entradotes e um tanto confusos quiseram entregar-vos em pessoa para poderem conhecer-vos e tirarem selfies convosco”. Marcava assim o tom ao mesmo tempo que deixava a dica para os vencedores não irem para o palco com aquelas declarações emocionais, lágrimas e soluços, agradecendo a Deus tamanha honra.
Mas num tempo em que cada estrela gere o seu show privado nas redes sociais, manobrando como quer a sua audiência, houve sempre quem tenha ignorado a mensagem e decidido ter ali um dos momentos da sua vida. Foi o caso de Lady Gaga, que ao receber um prémio pelo seu papel na mais recente temporada da série televisiva “American Horror Story: Hotel”, decidiu proclamar-se uma atriz a sério. “Eu sinto-me como a Cher naquele filme de John Patrick Shanley, “Moonstruck”. “É um dos momentos mais altos da minha vida”, disse, informando ainda: “Eu quis ser atriz antes de querer ser cantora. Simplesmente a música foi o que deu certo primeiro.”
Diz-se que os Globos de Ouro antecipam aqueles que virão a ser os principais candidatos da noite que mais peso tem no esquema de promoção do cinema, os Óscares – cujas nomeações serão anunciadas esta quinta-feira. Não é bem assim. A Imprensa Estrangeira gosta de desarrumar um pouco o esquema e, por vezes, não hesita em assumir opções bizarras ou mesmo disparatadas. Este ano, Matt Damon e Ridley Scott levantaram os galardões para melhor ator e melhor filme na categoria de comédia ou musical pelo filme de ficção científica “Perdido em Marte”. De resto, muitos dos favoritos a nível de nomeações foram simplesmente ignorados, como o filme de Todd Haynes “Carol” e a aclamada série televisiva da Amazon “Transparent”. Não receberam uma única estatueta. E houve outros sérios candidatos aos Óscares, como “A Rapariga Dinamarquesa”, “A Queda de Wall Street” ou “O Caso Spotlight” que saíram do Beverly Hilton de mãos a abanar.
O outro lado da moeda sorriu especialmente ao realizador mexicano Alejandro González Iñárritu, com o seu western “The Revenant: O Renascido” a arrecadar três prémios nas categorias de maior relevo: melhor drama, melhor realizador e melhor ator. Leonardo di Caprio recebeu esta última estatueta. É já o terceiro Globo de Ouro que leva para casa. Óscares ainda só nomeações. No campo da televisão, “Mr. Robot” venceu a melhor série (drama), deixando para trás a telenovela musical “Empire”, “Narcos” e “Outlander”, além de “A Guerra dos Tronos”.
Mas os prémios, nesta noite, ficaram reduzidos a um mero pretexto numa gala que os principais jornais não hesitaram em demolir enquanto programa de entretenimento televisivo. Foram três horas sofríveis, e de pouco valeu que fosse Ricky Gervais o primeiro a dizê-lo, a queixar-se de que era muito demorado, que mais valia simplesmente ler a lista dos vencedores, despachar a coisa. “Matem-me”, suplicou a certa altura. O problema é que o número do palhaço farto de palhaçadas, está também ele farto de ser usado por todos.

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